É na câmara escura dos teus olhos que se revela a água água imagem água nítida e fixa água paisagem boa nariz cabelos e cintura terra sem nome rosto sem figura água móvel nos rios parada nos retratos água escorrida e pura água viagem trânsito hiato. Chego de longe. Venho em férias. Estou cansado. Já suei o suor de oito séculos de mar o tempo de onze meses de ordenado; por isso, meu amor, viajo a nado não por ser português mal empregado mas por sofrer dos pés e estar desidratado. Chego. Mudo de fato. Calço a idade que melhor quadra à minha solidão e saio a procurar-te na cidade contrastada violenta negativa tu única sombra murmurada única rua mal iluminada única imagem desfocada e viva. Moras aonde eu sei. É na distância onde chego de táxi. Sou turista com trinta e seis hipóteses no rolo; venho ao teu miradoiro ver a vista trago a minha tristeza a tiracolo. Enquadro-te regulo-te disparo-te revelo-te retoco-te repito-te compro um frasco de tédio e um aparo nas tuas costas ponho uma estampilha e escrevo aos meus amigos que estão longe charmant pays the sun is shining love. Emendo-te rasuro-te preencho-te assino-te destino-te comando-te és o lugar concreto onde procuro a noite de passagem o abrigo seguro a hora de acordar que se diz ao porteiro o tempo que não segue o tempo em que não duro senão um dia inteiro. Invento-te desbravo-te desvendo-te surges letra por letra, película sonora, do sendo à vogal do tema à consoante sem presença no espaço sem diferença na hora. És a rota da Índia o sarcasmo do vento a cãibra do gajeiro o erro do sextante o acaso a maré o mapa a descoberta dum novo continente itinerante. José Carlos Ary dos Santos Obra Poética Lisboa, Edições Avante, 1994 |
quinta-feira, março 29, 2012
A Máquina Fotográfica
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