Para além das polémicas típicas de se estamos, ou não, no início ou no final de uma década, no ano que agora começa, todos os caminhos vão dar ao noroeste da península ibérica, a Santiago de Compostela, nessa região tão peculiar e familiar a Portugal, a Galiza.
Trata-se da comemoração do segundo “ano santo” do século XXI, denominado “Xacobeo”. Celebrado desde a época medieval, coincidindo o dia 25 de Julho (dia dedicado ao apóstolo S. Tiago) com um domingo, esta efeméride religiosa ibérica começou no passado dia 31 de Dezembro de 2009 e terminará exactamente um ano depois, no último dia de 2010.
Até aqui nada de novo, nada que não seja do conhecimento geral dos portugueses que gostam de estar atentos ao que os rodeia, principalmente o que está, já ali, do outro lado da fronteira.
É evidente que o governo autonómico da “Xunta de Galicia” aproveita o “Xacobeo” para potenciar um projecto que vai muito além do domínio religioso, divulgando a Galiza mundialmente, aproveitando o seu passado histórico e cultural, tornando-o contemporâneo, pertinente e identitário na actualidade. Como é que isso é possível? A explicação é simples e não é exclusiva desta região a norte do rio Minho.
Com o declínio da indústria pesqueira, a partir dos anos 60 do século passado, tornou-se evidente que um povo, uma região, pode encontrar algumas respostas para o presente no seu passado, no seu património, daí que, desde então, tenhamos assistido a uma revitalização do caminho de Santiago em todas as suas componentes naturais, paisagísticas e culturais.
Inerente ao “camiño” encontramos inúmeros aspectos de índole religiosa e culturais que o tornaram Património Intangível da Humanidade reconhecido pela UNESCO, tal como uma rede de caminhos de peregrinação única que une a Europa ao túmulo do apóstolo Santiago desde a sua pretensa descoberta no século IX por Pelayo. Em 2004, esta importantíssima rota de difusão cultural, artística, religiosa e de vivências, recebe o Prémio da Concórdia – Príncipe das Astúrias.
Os três primeiros séculos do segundo milénio, tal como os monarcas Alfonso VI e Sancho Ramírez de Castela e Leão e Aragão e Navarra respectivamente, foram marcantes na cultura Xacobea, trilhando caminhos por onde não existiam, erguendo pontes sobre rios, construindo locais de culto, reduzindo impostos ou criando “hospitais”, não como hoje os concebemos, mas no sentido do albergue que apoia os peregrinos. O “camiño” ajudou a consolidar regiões, a potenciar estruturas sociais e económicas e a promover o fluxo de gente de inúmeros pontos da Europa cristã, ainda assente numa sociedade feudal e medieval que culminaria com o grande cisma do ocidente e, mais tarde, com a reforma protestante.
Actualmente são reconhecidos oito rotas que culminam na Praça do Obradoiro em Santiago. O Caminho Francês (sem dúvida o mais popular, celebrizado na cultura popular por Paulo Coelho no seu “Diário de um Mago”), o Caminho Primitivo, o Caminho do Norte, o Caminho Aragonês, o Caminho Basco, o Caminho Sanabrês, o Caminho da Rota da Prata, sendo este último paralelo ao nosso Caminho Português, que a sul do Douro é praticamente desconhecido, subvalorizado e subexplorado.
As peregrinações portuguesas sempre foram fundamentais na tradição Xacobea, existindo um fluxo considerável de peregrinos desde o início deste fenómeno, no entanto foi a partir do século XXII que as mesmas se intensificaram. Não é de estranhar que São Tiago tenha sido padroeiro do “recém-nascido” Portugal, tendo sido apenas mudado por influência inglesa (para São Jorge) porque não convinha a portugueses e castelhanos em plena peleja invocarem um santo padroeiro comum.
O caminho está “tatuado” na Península, sendo um legado que une os povos de uma Ibéria submersa em nacionalismos e diversidade linguística que lhes confere a autenticidade e do qual Portugal não se deve excluir.
Tendo em conta esta tradição secular inegável, repleta de imaginários de vários tipos que não se esgotam no domínio religioso, um grupo de amigos do “Camiño de Santiago”, oriundos da cidade de Évora, decidiu empreender a tarefa de marcar condignamente, na paisagem eborense, a passagem oficial do “camiño”. Esta iniciativa segue o exemplo de alguns cidadãos da vizinha Extremadura, nomeadamente, e também património da UNESCO, Cáceres, que, reconhecendo a importância da “ruta de la plata” no seu dinamismo turístico e cultural, colocou estrategicamente várias “vieiras” (as típicas conchas de Santiago, diria mesmo, uma “marca registada” da história do peregrinar ocidental) pelas ruas da cidade que indicam o caminho até Santiago.
Este grupo eborense, apoiado por diversas instituições e entidades, como a Caixa de Badajoz e a Associação Juvenil 4ª Dimensão, reconhece esta lacuna em Évora, um eixo fundamental a sul na rota do caminho português, e está a tentar, com os meios ao seu alcance, tornar evidente a qualquer um que visite esta cidade alentejana que o “Camiño” passa por aqui, que a cidade faz parte da sua história e o vê como uma mais-valia para a sua identidade como espaço de cultura, história e tradição.
Esta plataforma informal de eborenses espera sensibilizar mais instituições e cidadãos para que, sem nenhum tipo de preconceitos, se possa revitalizar um pouco da história comum à península e porque não trilhar novos caminhos em caminhos já esquecidos?
Curioso é o facto de Alpalhão, freguesia do concelho de Nisa com cerca de 1200 habitantes, que também faz parte deste caminho já ter dado conta que fazer parte deste património intangível a ajuda a manter-se no mapa e não é de estranhar encontrar sinalização que nos recorda essa facto. O que é que Évora tem a perder? Nada. Mas como diz António Machado, “Caminante no hay camino, se hace el camino al andar”, e espero que Évora caminhe por vários caminhos, se abra ao exterior e que não se resuma à ecopista…
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