quarta-feira, abril 10, 2013

Portugal Paliativo


 Fumaste demasiado ou estás embriagado?
A tua tosse tísica acompanha o lenço escarlate.
E o iate?
Compraste com a hipoteca do atlântico?
Iodo, fez-te falta todo.
Sempre te conheci enfermiço.
O vigor físico marinheiro
Há quem o conte, de antes.
Só o vejo na poeira das estantes
E agora só te vejo de cacheiro,
A sair à rua com o cuidado
De quem tem fémures quebradiços
E, já se sabe, na tua condição, partir um osso é um enguiço.
Exige uma intervenção séria e sabes que não estás para esses investimentos.
A carrinha Mercedes já trouxe o teu apoio domiciliário. Estás com fome?
Ali tens a tua marmita, restos de fritos,
frios, fios, de frango, escondidos na canja. 
(também me contaram, e parece-me que vi a correr o risco, 
porque antes comias marisco)
Já só te permites ler as novidades que há no folheto branco e pintado precário com sangue
Do Continente da ganância aze(ve)da.
Lembras-te quando escrevias com lápis azul? Enviaste muita correspondência dessa
E agora estás doente…
Não te esqueças da boina no bengaleiro,
Que está junto à janela onde esqueces regar o floreiro.
Não te salva do Alzheimer mas poupa-te outro escaldão no cocuruto.
Já nem sequer te sentas astuto
A jogar com os outros à batota.
Agora só, para matar o vício, no jardim.
Na sociedade recreativa dos senhores e no festim
Dos casinos, só a recordação da economia que aprendeste
E te fez trabalhar bem, lá fora,
Aqui apenas escavaste uma fossa.
E a tua família?
Há séculos que não vejo a tua irmã, desfrutaram da herança dos vossos pais?
Duas parcelas, paralelas,
Partilhas, lá para o pé de Tordesilhas.
Os teus filhos não esquecem os teus devaneios, as horas perdidas, bebidas.
O tempo de correria que não dedicaste.
Hoje, vês-te teimoso, sem subsídios, mas não têm problemas de partilhas
Alguns vingam-se longe e não querem saber de um rectângulo
Passado.
Aguentam-se e não lhes podes, não tens moral (marinheira,
Saudosa, paternal, piedosa, pirosa… caridosa)
pedir que engulam o orgulho
da cama articulada que não te podem pagar.
Aguenta-te, até que volte a carrinha Mercedes,
E enquanto te permites ter cuidados paliativos…
Sempre tens na gaveta e nas paredes
O teu Ultramar tatuado, amputado
O mais próximo que podes voltar a ter de "amor de mãe",
Acaricia-a, a Walther esteve sempre aí, não foi preciso a procurar.
Quando a beijares, leva contigo a fria memória gravada no caixão,
Do seu fabrico alemão. 

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