Encontra-se um cabelo na comida. Cabelo escuro num arroz branco. Puxa-lo com pontas de indicador e polegar nauseadas de uma mão direita com vontade de vomitar. Estica-se na borda do prato, um tanto ou quanto curvado pela humidade do molho e alourado pelos temperos.
Encontra-se na comida um cabelo. Na refeição uma fronteira. Salta-se ilegal a etiqueta do bem-servir, das boas maneiras de talheres de carne e peixe e copos altos, elegantes de pé e cristal, para bebidas espirituosas mas alheias à sede do copo baço.
Risca-se a ponta da faca na cerâmica do prato, aparta-se o indesejável pêlo, quase de certeza oriundo do próprio cocuruto, para despojos de balde plástico oculto dentro de armário da cozinha desconstruída. Do precipício salva-se o alimento e, talvez, um pouco mais do alento que embacia o espelho.
Senta-se enojado com a vontade de deixar que o asco triunfasse, se edificasse em arco e esquecesse a fome, com a arrogância de que não tem importância.
O arroz acomoda-se com a folha da faca. Primeiro ajeitam-se os lados, depois por cima. Sobe-se o garfo à boca e engole-se o alimento de que se dispõe. Enjoado de um eu. Não de um cabelo qualquer, só, cuja sorte o fez náufrago num prato de comida.
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