Estimado leitor, permita-me que lhe conte uma história. Era uma vez um menino com a mania que era cientista a brincar num quintal eborense. A experiência requeria pouco material: uma tábua, um paralelo onde apoiar a mesma e um seixo para ser lançado em efeito catapulta. Preparado o experimento, faltava a força motriz para o lançamento e eis que o puto curioso decidiu avançar com o pé direito, pondo em prática um princípio fundamental para o belicismo histórico até ficar obsoleto com a introdução da pólvora. Se Arquimedes gritou “eureka”, o pequeno acabou a chorar com a sua mãe a estancar-lhe o sangue que da testa começou a brotar. Durante anos, esta progenitora pensou que alguém apedrejara o seu filho e que este por medo o ocultara, porém, o petiz não costumava mentir e sempre lhe reconheceu que havia sido vítima do fracasso da sua própria inteligência. É óbvio que já identificou o idiota do relato e a minha mãe já aceitou a idiotice do seu filho. Não sei se foi o efeito da pedrada a mim mesmo, mas o certo é que me afastei das leis da física e fiquei fascinado pelo mundo da estupidez. Admito mesmo que, nos últimos anos, tenho investido em bibliografia (recomendo José Antonio Marina) e tenho feito trabalho de campo, onde me dedico a observar-me e os meus semelhantes, concluindo algo que pouco dista de uma máxima pessoal: A maior estupidez humana é alguém identificá-la e pensar estar isento do estatuto de estúpido.
Também me parece que há épocas mais propícias à degradação do intelecto (a história universal está repleta de exemplos) e a atual não prima por brilhantismo, o que não invalida que não seja hilariante. Estou a lembrar-me de alguns desafios acefálicos do TikTok e de declarações de dirigentes políticos, como do líder espanhol, Pedro Sánchez, ao propor não usar gravata para combater o aquecimento global. Contudo, quando deixamos de nos rir e evitamos o cinismo, devemos ter em conta que, à semelhança da física, é possível que, tal como enuncia Carlo Cipolla num pequeno ensaio, existam várias “leis fundamentais da estupidez humana”. Se tiver paciência, um pouco como a minha mãe teve para me aturar, aproveite para conhecer este autor e os seus argumentos que dividem a condição humana em quatro grandes grupos: os inteligentes, os bandidos, os crédulos e os estúpidos, sendo que as agrupações não são estanques e podem conhecer a osmose. Isto é, um bandido pode ser inteligente, um inteligente pode ser crédulo, um crédulo pode ser estúpido e um estúpido pode ser um bandido e por aí em diante. Porém, o grande problema do fracasso da inteligência, como o autor bem o reconhece, está no facto de a imensa maioria dos estúpidos (com exceção daqueles que sabem não estar isentos desta condição) desconhecerem que são imbecis ou não terem a capacidade de o reconhecer. Veja-se o caso de Donald Trump, a observação directa demonstra como este contribui decisivamente para dar maior força, incidência e eficácia à acção devastadora da estupidez.
Na vida privada, as consequências dos nossos fiascos intelectuais podem afectar os nossos seres queridos, mas, em última instância, o maior prejuízo é individual e, depois do “mal feito”, ainda existe a eventualidade de uma aprendizagem. No que concerne ao nível colectivo, devemos ter em conta que em qualquer momento, lugar e situação, lidar com indivíduos primordialmente estúpidos e/ou associar-se com este perfil de gente tende a revelar-se um erro que se paga muito caro.
De certeza que o meu caríssimo leitor não quererá associar-se a um tipo que atira pedras a si mesmo, mas foi o próprio Einstein quem nos alertou para a infinitude da idiotice (mantendo-se céptico em relação a um universo ilimitado) e Robert Musil para uma consequente brutalidade que “é a práxis da estupidez”. Eu apenas acho que devemos continuar a investigar a nossa parvoíce, a identificá-la, controlá-la e, se possível, torná-la construtiva, visto que subestimá-la alimenta uma das mais poderosas e obscuras forças a impedir que se atinja todo o nosso potencial como seres humanos, com ou sem gravata.
"Estupidez: o fracasso da inteligência" - Crónica de Luis Leal in “Mais Alentejo”, nº 163, p.92 |
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