segunda-feira, abril 29, 2013

Hoje, sei que não voltarei no próximo fim-de-semana.

(ilustração de Luís Silva)
A ti "Vó Lena". A quem devo muito mais do que posso aqui expressar.
Hoje sinto-me como nesses domingos em que os meus pais me iam buscar a tua casa. Triste, por te deixar a dizeres-me adeus à entrada do pátio, enquanto eu, vazio, à espera do próximo fim-de-semana, me agarrava ao pára-brisas traseiro do Fiat 127 do meu pai, e te via cada vez mais longe. Ficava a certeza que no final da semana voltaria a ti e ao avô, ao pátio da minha infância, à casa dos meus avós, onde sempre serei eu.
Hoje sei que não voltarei no próximo fim-de-semana.


O meu avô ensinou-me de menino
A subir às árvores a pulso, de que é feito um ninho.
Sem me esquecer que o olhar chega, sempre,
Sempre, primeiro, que todos os gestos,
Letrando, assim, o analfabeto saber do destino.

A minha avó ensinou-me de menino
A abrir livros avulso, pintados, aos quadradinhos,
Sem me esquecer as poucas sílabas (e escudos)
Que a custo juntava e a mão, que sempre, me dava
Tinham, têm, terão mais bem-querer que qualquer verso.

Os meus avós ensinaram-me a ser menino.
A sentir minha sua casa, no pátio a descansar
Em vizinhança, no portado do meu ser a sonhar,
Sem nunca esquecer que o cheiro da infância,
Respira, por aí, até que deus queira.

Coria, Valencia de Alcántara, Cáceres e Badajoz. (28/IV/13)

3 comentários:

Pedro L. Cuadrado disse...

Ai, Luís, o que dizer em momentos como estes? Recebe um grande abraço e as palavras que escreveu o “nosso” Ruy Belo, um calafrio pelas costas. A gente encontra-se nesta semana, espero.

A PRESSÃO DOS MORTOS

Fechas a mala do carro cheia de bagagem. E de súbito apercebes-te de que não é novo o gesto. Muitas vezes o viste já repetir. A muitas horas do dia, mas nunca como num fim de tarde. Qualquer que fosse a paisagem, a mesma paisagem: a terra calcinada, o canto das cigarras, o ar espesso do vapor a provocar a rarefacção das coisas vistas e a dar-lhes um ar de miragem. Fecha-se o tampo do caixão sobre a cara conhecida para todo o sempre. Nem se levanta o problema da eternidade. Esta terra é que tu amaste com todas a contrariedades e os problemas quotidianos. Amaste homens que por vezes talvez te tenham dado na cara e eram deliciosamente imperfeitos como tu. E tiveste de te despedir deles. Já não eram daqui. Já tinham problemas de mortos. Já se falava deles no imperfeito e não no presente. Mudou um simples tempo de verbo e tudo mudou. Um último olhar a essa caixa de mau gosto. Gostarias de atirar um torrão, como em criança, para esconjurar os maus sonhos. Mas falta-te a inocência. Decisivamente, tens de fechar com força a mala do carro. E pedes que te ponham os pneus à pressão 22. A pressão dos mortos.

José Antonio Santiago disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José Antonio Santiago disse...

Lo siento, Luis.

Construimos tumbas en el aire... allí no se está estrecho.
(P. Celan)