terça-feira, janeiro 06, 2015

Balada da bicicleta com asas (Rafael Alberti -1967)

1
Aos cinquenta anos, hoje, tenho uma bicicleta.
Muitos têm um iate
e muitos mais um automóvel
e há muitos que também têm já um avião.
Mas eu,
aos meus cinquenta anos exactos, tenho só uma bicicleta.

Escrevi e publiquei inumeráveis versos.
Quase todos falam do mar
e também dos bosques, os anjos e as planícies.
Cantei as guerras justificadas,
a paz e as revoluções.
Agora sou nada mais que um desterrado.
E a milhares de quilómetros do meu formoso país,
com um cachimbo curvo entre os lábios,
um caderno de folhas brancas e um lápis
rodo na minha bicicleta pelos bosques urbanos,
pelos caminhos ruidosos e ruas asfaltadas
e paro-me sempre junto a um rio,
a ver como de deita a tarde e com a noite
se perdem na água as primeiras estrelas.  

2
É roxa a minha bicicleta
e alegre e prateada como qualquer outra.
Mas quando gira o sol nas suas rodas velozes,
de cada um dos seus raios chovem faíscas
e então é como um antílope,
como um macho caprino, longo de chamas brancas,
ou um novilho de fogo que investe contra os azuis do dia.

3
Que nome lhe poria hoje, nesta manhã,
depois de me trazer,
e de me deixar sem dizer-me quase nada
ao pé destas margens de bambus e salgueiros
e olho-a adormecida, abraçada por ervas docemente,
sobre um tronco caído?

Rolieiro dos bosques.
Estrela voadora das fadas.
Teia de aranha acesa das sílfides.
Rosa dupla do vento.
Margarida bicorne dos prados.
Cabra feliz das ladeiras.
Maioral das lezírias.
Menina escapada da aurora.
Lua perdida.
Arcanjo Gabriel.
Chamá-la-ei com este frágil nome.
Porque são suas duas asas brancas que me levam
Anunciando-me o vento de todos os caminhos.

4
Eu sei que tem asas.
Que de noite sonha
em voz alta a brisa
de prata das suas rodas.

Eu sei que tem asas.
Que canta quando voa
adormecida, abrindo ao sonho
uma celeste senda.

Eu sei que tem asas.
Que voando me leva
por prados que não acabam
e mares que não começam.

Eu sei que tem asas.
Que o dia que ela queira,
os céus da ida
já nunca terão volta.

[Tradução: Luis Leal -2015]


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