terça-feira, abril 26, 2011

“O Homem do Tanque da Liberdade”


Quem vive na fronteira (e “vive a fronteira”) deveria saber que foi um “raiano” quem, corajosamente, foi o rosto visível de um dos acontecimentos mais importantes e peculiares do passado século, como foi o dia 25 de Abril de 1974, também conhecido por “Revolução dos Cravos”, que marcou a transição de um dos regimes ditatoriais mais longos da história para uma democracia conquistada através de um golpe de estado militar atípico e sem derrame de sangue.
                Refiro-me a Salgueiro Maia, o militar português, nascido no dia 1 de Julho de 1944 na localidade, aqui tão próxima, de Castelo de Vide. Filho de ferroviário, Valencia de Alcántara não está alheia à vida deste “Capitão de Abril”, sendo que o seu pai trabalhou durante anos na estação fronteiriça partilhada por funcionários de ambos países e ainda é recordado por alguns habitantes de Valencia.
                Numa época em que todo o tipo de valores são relativizados em prol dos “mercados”, tem todo o sentido relembrar a figura de integridade, coragem e altruísmo que muitos encontram na figura de Salgueiro Maia. Trata-se, talvez, do elemento mais “puro” e “desinteressado” que participou na revolução, nunca pondo o seu interesse pessoal à frente da sua forte crença de liberdade e num sentido de justiça que só conhecem os heróis dignos dos mais sinceros elogios e panteões.
                Talvez o seu nome perder-se-á na obscuridade da cronologia, no entanto, enquanto existir a utopia de que se pode viver numa sociedade mais justa, enquanto existirem cabeças que pensem por si próprias, este espírito de Abril, este Capitão de uma das mais poéticas revoluções que a história viu nascer, será um símbolo de liberdade e de desinteresse pelo poder.
                É este desinteresse pelo poder, unido a uma forte consciência cívica, que poderá ajudar Espanha e Portugal a resistir à ditadura dos mercados, dos “ratings” das agências que analisam longe da realidade (como se nos EUA se soubesse e entendesse o que é a vida na Península Ibérica?), das opiniões convenientemente formatadas de que isto é culpa dos que aspiram dignidade e uma vida melhor. Enfim, que poderá mobilizar um espírito crítico que não nos afaste das democracias vigentes que tanto custaram a conquistar.
                Existe um velho ditado português que diz “que Deus leva os que mais ama”, e, infelizmente, a morte levou o Capitão Salgueiro Maia demasiado cedo, há quase duas décadas. Morreu acreditando nos ideais que o levaram a conduzir o “tanque da liberdade” do seu regimento que acabou com a mais velha ditadura do século XX, mas com uma profunda lucidez do que daí adveio e, algo de que nunca abdicaria, espírito crítico.
                Resumir liberdade a direitas e esquerdas, é insultar quem por ela lutou, luta e lutará. Como o próprio Maia dizia: “a liberdade é um combate interior”, apesar de cada vez ser mais difícil falar de liberdade nos dias que hoje vivemos e sem fronteiras que nos dividam… É o que muitos chamam um dado adquirido. Está ali e nem nos preocupamos com o seu valor… com a sua efemeridade...
                Termino com estes versos de Manuel Alegre que nos fazem pensar que o carácter se pode herdar, mas também se pode conquistar.

Ficaste na pureza inicial
do gesto que liberta e se desprende
havia em ti o símbolo e o sinal
havia em ti o herói que não se rende

Outros jogaram o jogo viciado
para ti nem poder nem sua regra
Conquistador do sonho inconquistado
havia em ti o herói que não se integra

Por isso ficarás como quem vem
dar outro rosto ao rosto da cidade
Diz-se o teu nome e sais de Santarém
Trazendo a espada e a flor da liberdade.

1 comentário:

MAR disse...

Um verdadeiro herói. Enquanto houver quem valorize Abril, Maia será lembrado. Um abraço