terça-feira, julho 31, 2018

"Muda-se o tema, onde o mar começa..." (Egito Gonçalves)



Muda-se o tema, onde o mar começa.
A aventura é o mar ou essa forma
que se forma depois, que vai viver
na memória dos dias? De uma ilha lembro
onde o mar me levou e do conhecimento
várias portas me abriu. O oceano
começava antes, acabava depois, ali
só prosseguia, embalando-me em noites
de velame abatido, de fáceis ananases,
de alta mastreação tocada de saudade
lucilante como a esteira do luar.
Mais tarde soube que estava sem trabalho
pois não havia Índias nem de infantas
o prémio de um sorriso. Mas combates
havia para outros, torpedos e canhões
longe não andavam. Daquela guerra
eu só fingia ser. Ancorado veleiro
eu pensaria a ilha, verde como o slogan,
nela não enjoava como, sobre o mar,
me acontecia nos navios da Insulana.
Marinheiro, eu não era. O mundo antigo
vivia-se nos livros, reproduções offset
multiplicavam os atlas, alguns poetas
banhariam na Grécia os seus poemas. Eu,
estava ali, parado no tempo, onde
o mar começava e acabava, esperando
que na praça da Matriz o relógio do sono
badalasse o regresso. A minha casa
estava a oriente, ali acabaria
para mim o mar, e só quando da praia
o visse, a imaginação poderia segredar-me
que os meus pés começava e da viagem
seria excluído. Um rosto sem segredos
que as marés negras adoecem, e me acena
quando o avião desce e os motores destroçam
um mar de nuvens que se desfaz e recomeça.

Egito Gonçalves


sexta-feira, julho 27, 2018

«A salto de moita» com o pássaro do Fernando (Assis Pacheco, por 3€, com 31 anos, numa Feira do Livro perdida em Santa Cruz)

"(...) Benito, que passara a salto de moita pela escola, gostava não obstante gostava de ler tudo o que apanhava à mão.". in «Trabalhos e Paixões de Benito Prada», p. 22.

Uma citação de Georg Picht



“O facto mais trágico do nosso tempo é que à força de jogar com os possíveis, descuidamos constantemente o indispensável.”

Georg Picht

(Lida no blogue Cuba, Alentejo)


Georg Picht (1913 - 1982), foi un filósofo, teólogo e pedagogo alemão.




Uma «Agostinha» no final de Julho (Santa Cruz)

quarta-feira, julho 25, 2018

«Pedalando ao Domingo» foto de Manuel Álvarez Bravo (1968)

«A vida é bela» - Jorge de Sena (caligrafia de Pedro L. Cuadrado)

Una lectura al aire libre... (foto de David Carnerero)

Do Xarrama ao Guadiana

Quando se nasce próximo da margem de um rio como o Xarrama, cuja escassez água apenas humedeceu os torrões das raízes da minha infância, talvez seja normal continuar à procura de leitos com maior caudal. Fi-lo com o Sever, com o Lis, por vezes, e à distância, com o Tejo (para ser ainda mais honesto, com o «Tajo»), até assentar com mais tempo nas margens do Guadiana.
Este ano, o seu curso leva mais água do que em anos anteriores e o açude tem mais leito a ocupar o horizonte. Contudo, é impossível esconder-me que eu não desaguo aqui, que jamais serei um afluente de um rio desta envergadura. Mas trata-me bem, é amável para comigo e aceita-me a descendência. Os amigos nunca desembocam uns nos outros, correm paralelos, pulem pedras, estacam cursos em diques, sendo capazes de rebentar barragens para encontrarem o conforto de uma amizade sulcada na plenitude de um mar. Eu, vegetação anárquica à beira dum Xarrama, para além da Senhora da Saúde, no bairro de Santa Luzia, encontro o meu amigo Guadiana tanto aqui, na calma de casa, como num oceano de ondas atlânticas.

segunda-feira, julho 23, 2018

Porque as plantámos...


Porque as plantámos
vemos como crescem
num solo de substrato
pleno de sonhos.

Os ramos ainda não são pesados,
vivem com a infância dos nossos filhos,
mas o pôr-do-sol vislumbra já
belos frutos.

E nós, na nossa Primavera,
teremos sempre
flores de amendoeira.

A paragem necessária...




A paragem necessária ao pedalar
não difere do movimento, da rotação
impulsionadora de equilíbrio.

Porém, eu fico sentado e reflito
sobre um mundo onde nem tudo
tem causa nem efeito.


Açude do Guadiana, 23/VII/2018
La parada necesaria al pedalear
no es diferente del movimiento, 
de la rotación impulsora de equilibrio.

Sin embargo, yo me quedo sentado 
reflexionando sobre un mundo 
donde ni todo tiene causa ni efecto.