terça-feira, dezembro 31, 2019

A quatro...

O último dia do ano foi como foi a maior parte de 2019: a quatro.
Que consigamos manter este número, pelo menos, e com saúde. Se for para aumentar que seja, como o Zeca nos ensinou, por bem. 

O quadro de 2019

Vem, vamos dormir! - Buson

Vem, vamos dormir!
O ano novo é
assunto para amanhã.
BUSON

Ven, ¡vamos a dormir!
El año nuevo es
tema para mañana.
BUSON

Madeira de artista...

Há artistas cuja arte é como uma caldeira a lenha dum velho motor a vapor. As suas vidas são a madeira rachada, lascada aos bocados, que o vai mantendo em movimento. A imaginação cria o instrumento, mas para estes pobres artistas sem génio criador é a sua existência o combustível até à extinção, sem possibilidade de se renovar. Para trás fica um rasto detectável só para quem entende de florestas invisíveis abatidas para iluminar desertos desnecessários, inúteis, onde nenhuma água algum dia proliferará.

segunda-feira, dezembro 30, 2019

Viveu de bem...

Viveu de bem. Presente e afável. Cada gesto, cada palavra, cada silêncio, encerrava em si a atenção de um olá e a certeza de um adeus. 

Fernando Collor de Mello através de Hermeto Pascoal



"Exatamente isso, minha gente. Pensamento negativo atrai pensamento negativo.

Pensamento positivo é o que os ingleses chamam 'wishful thinking'. Pensar positivo, pensar positivo querer pensar positivo, atrai bons fluidos.

Eu sei exatamente os instrumentos de que nós precisamos dispor para atingir esse objetivo; e eu tenho sobretudo dentro de mim uma fé enorme em Deus, e um ideal. Eu tenho um ideal. Eu sou uma pessoa idealista."

Palavras de Fernando Collor de Mello, presidente do Brasil
(15 de março de 1990 – 29 de dezembro de 1992)


Hermeto Pascoal, Festa dos Deuses (1992)



domingo, dezembro 29, 2019

haiku: afável

Haiku: afável
maneira de ver versos
sem ser e haver.

O pintor

O pintor pinta
a paisagem sem saber
se lhe pertence.

O desprezo...

O desprezo por
quem trabalha gesta vis
anacronias.

Sol a brilhar

Sol a brilhar e
erva a crescer: campo
com esperança...

Bill Murray, o ladrão de bicicletas...

«Enjoy where you are now»

«Enjoy where you are now»... A dobrar a roupa de quatro. É chato, mas até não me importo. Excepto quando me deparo com mais um caso de uma meia desaparecida... Casos por resolver não me faltam, mas há prioridades. Uma delas é ter roupa nas gavetas para uma semana necessitada de roupa interior e outras peças para rotinas que exigem que cubramos o pêlo...

sábado, dezembro 28, 2019

Co(i)sas de (em)prestar...


Crónica: "De galinhas, raposas e homens" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº151, p.76)

Se vos apetecer ler, eis a última publicação de 2019. Remete para naturezas tão diferentes como a das galinhas, das raposas e dos homens. Ou talvez não. Sente-se o calor, o acordar sobressaltado e a insónia duma terceira pessoa à procura dum qualquer refúgio...
Si os apetece leer, aquí está la última publicación de 2019. Nos remite para naturalezas tan diferentes como la de las gallinas, de los zorros y de los hombres. O tal vez no. Se siente el calor, el despertar sobresaltado y el insomnio de una tercera persona buscando un refugio cualquiera…

(in revista “Mais Alentejo” nº151, a nº152 já a caminho das bancas!)
Crónica: "De galinhas, raposas e homens" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº151, p.76)

sexta-feira, dezembro 27, 2019

Como Larbaud...

«Como Larbaud, como Ramón, es Ferro un voluminoso. A los ritmos del jazz, deja su inspiración correr mundos, y a su carne nutrirse de delicias y vitaminas.» Giménez Caballero, sobre el portugués António Ferro. Cf. «Itinerario de Antonio Ferro», La Gaceta Literaria, 1/XI/1928, n.°45, p.3.

Co(i)sas de Ramón Gómez de la Serna...

Ramón Gómez de la Serna en en siglo XXI

Crónica: "De galinhas, raposas e homens" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº151, p.76)




Ao pensar em raposas, lembra-se sempre de duas: a Salta-Pocinhas do Aquilino e «el zorrito» do Jonathan. A primeira, astuta e matreira, é essa brilhante criação da literatura portuguesa. A segunda, uma cria, um raposinho alimentado à mão por um antigo aluno (de quem guarda gratas recordações) que costumava mostrar-lhe fotos de como ia crescendo a sua adopção selvagem.

Apesar de viver e exercer a sua profissão numa cidade com mais de cem mil habitantes, mantém um pé no campo e, há poucos meses, com algum material reciclado - paletes, chapas, restos de madeiras, ferragens, etc. -  construiu um galinheiro. Fê-lo pouco a pouco, ao fim-de-semana, terminando-o para o manter vazio até ontem, dia em que, de passagem por Portalegre, a sua mulher e os miúdos decidiram trazer duas galinhas poedeiras e alojá-las nos aposentos ainda por estrear. Durante o caminho, falou-se de quanto podia durar uma galinha - mais de uma década, diz quem sabe - e os pequenos até as baptizaram de Pepi e Dory.

Chegados ao terreno, acamada a palha, posto o bebedor e o comedor cheio de milho, os galináceos lá saíram da caixa de papelão para a construção de arquitectura e mão-de-obra do próprio. Fechados os ferrolhos, a família contemplou os animais a ambientarem-se à nova residência, mais digna do que a loja de animais, em pouco diferente dum aviário. Para pagar o alojamento, apenas se esperavam uns ovinhos postos em ambiente bucólico.

Não é que sentisse qualquer tipo de orgulho. Se o sentiu, foi há meses quando, com restos de sucata, construiu esse abrigo bastante decente para dois ou três animais, munido unicamente de algum engenho e uma aparafusadora barata. Ali ficaram, a Pepi e a Dory, as galinhas dos seus filhos, e voltaram para a urbe, iniciando uma nova rotina de guardar os resíduos orgânicos. Num só dia, um saco cheio com restos de cascas de cenoura, batatas, alface, tomate, pão duro e mais algumas coisas a sobrarem, felizmente, da sua alimentação.

Passadas vinte e quatro horas, de volta à quintarola para tratarem de tudo o que ali têm e está vivo em comunhão com a terra e com os seus sonhos de verem aquela paisagem ainda com mais vida, nem sequer tinham parado o carro, já se sabia que algo tinha acontecido. Não foram melancias comidas pelas lebres, não foram árvores tombadas pelo vento, nem um tubo de rega fora do sítio ou roído pelo cão. As centenas de penas espalhadas pelo chão anteviam a rede arrancada dos agrafos, e do reforço aparafusado na madeira, até chegar ao vazio do galinheiro a denunciar a chacina do instinto animal, a lembrar que o equilíbrio da natureza se sobrepõe à edificação humana, à sua arquitectura precária, à sua tendência à domesticação.

Ali acostumaram-se ao ciclo da vida, às árvores que o sol seca e à sede que pouca água ainda vai mitigando. Já ali viram o passar das estações, já ali viram um antes, num olival idoso e enfermiço, e um depois, em jovens plantas de amendoeira. Talvez por isso, os seus rebentos tenham aceitado naturalmente o terrível fim das suas galinhas, simples presas dum predador alegórico de inteligência e astúcia. Contudo, ele culpou-se por não prever as mandíbulas de uma raposa para além da sua rede. Deveria ter reforçado mais ainda a estrutura da capoeira. Recriminou-se por não ter sabido proteger aquelas duas vidas a seu cargo.

O dia foi quente, mas a noite refrescou no campo em ventosa que foi. Ele, ali a pernoitar, acorda agitado num pesadelo sem carnificinas duma qualquer Salta-Pocinhas raiana. Desperta à mercê duma agonia subconsciente, daquelas que não o deixam voltar a pregar olho.

Lá fora, a madrugada. Ouvem-se os pássaros no prelúdio da manhã. O sol ainda é tímido para os quase quarenta graus que a meteorologia lhe atribui. Pensa em voltar à construção do galinheiro, em que a sua teimosia será uma fortaleza inexpugnável para a matreirice pilha-galinhas. Porém, deveras quem é que quer proteger?

As crianças dormem tranquilas, a sua mulher também. Ele é o único a escrever insónias, a acordar sobressaltado e a engendrar guaridas, refúgios inúteis. Lá fora, há penas por todo o lado. O vento vai tardar em levá-las.

Foto: "De galinhas, raposas e homens..." de Luis Leal


quinta-feira, dezembro 26, 2019

O rafeiro alentejano viu o aqueduto e pensou como teria sido no tempo dos romanos... Um rafeiro romano...

O rafeiro alentejano viu o aqueduto e pensou como teria sido no tempo dos romanos... Um rafeiro romano... (8/XII/2019)




Uma Ibéria de fisga... contra a massificação com armas não nucleares

Pouco pude fazer. Ia tentar mostrar que ali ao lado há muito por descobrir e, quem sabe, algumas oportunidades laborais para a malta da linguística e da literatura. 
Contudo, o desinteresse foi notório. Não os censuro. Que interesse tem a Península se do outro lado do Atlântico tens os EUA?
Até eu, com aquela idade, estaria mais interessado no país do Uncle Sam a entrar-me no corpo e na alma por todos os orifícios disponíveis. Ainda hoje a América me entra por onde consegue, mas cada vez menos. Já encontra alguma resistência. Não é antipatia, isso é certo. É cansaço. 
As hipérboles não me cativam. Sou desta Ibéria e não tenho a massificação das armas nucleares, mas tenho uma fisga e umas chinas que os meus antepassados me ensinaram a usar. 



[33] na Feira do Livro de Plasencia/ [33] en la Feria del Libro de Plasencia


Arrumar o computador tem destas coisas e encontrei o registo em audio da apresentação do [33] na Feira do Livro de Plasencia ([33] en la Feria del Libro de Plasencia) no dia 5 de Maio de 2016.  A mestra de cerimónias foi a minha querida amiga Fátima Beltrán Cabrera e só por ouvira a sua voz vale a pena que eu guarde esta recordação. E também o organizo por aqui para não se perder na confusão (pelo menos para já) do que vou fazendo... pois no esquecimento creio que já está nesse "sendero"...

[33] (2015) de Luis Leal

quarta-feira, dezembro 25, 2019

"Día de Navidad/Dia de Natal" - Luis Leal (in "pedal(e)ar", p.23)




Há uns anos, graças a uma epígrafe de Salvatore Quasimodo, o “Dia de Natal” montou-me nessa bicicleta insegura da infância. E logo anoiteceu. O Juan Carlos Paniagua conseguiu traduzir a minha falta de equilíbrio e estou-lhe imensamente grato. 

Hace unos años, gracias a un epígrafe de Salvatore Quasimodo, el “Día de Navidad” me montó en esa bicicleta insegura de la infancia. Y en seguida anocheció. Juan Carlos Paniagua logró traducir mi falta de equilibrio y le estoy inmensamente agradecido. In “pedal(e)ar” (2017), p.24.




Cada um está , sobre a face da terra
Perfurado por um raio de sol
E logo anoitece

Salvatore Quasimodo


DÍA DE NAVIDAD


Me regalaron mi primera bicicleta en un día mayo,
en la primavera de mi infancia.

Podía haber sido un regalo de Navidad,
en un día como este,
de impaciencia y solsticio.

Raciocinio y lento pedaleo. Rueda 24. Plegable.
Mi primera bicicleta ya no existe.
Es chatarra de la infancia.

Los sentidos ruedan por la luz que se va.
Estoy solo y me cuesta soportar
este anochecer.

Me consuela la bicicleta,
su secreto aprendido,
ese que, una vez revelado,
nunca se olvida.

(Leiria, 25/XII/2016)

(trad. Juan Carlos Paniagua)


"Dia de Natal" - Luis Leal (in "pedal(e)ar", 2017, p.24)