domingo, janeiro 31, 2021

A gratidão é como o sal...

A gratidão é como o sal, há que ficar pelo q.b. Se se abusa é nociva para o verdadeiro sabor da generosidade sincera de outrem, podendo ainda a coisa descambar em subserviência...

Frontera de Caia, Badajoz, 31/I/2021 (Portugal cierra la frontera terrestre con España)

E, mais uma vez, a fronteira se impôs...

E, mais uma vez, a fronteira se impôs com o argumento de conter o vírus. Eu, que habito por esta linha, vejo como essa argumentação não me convence. Quando a nossa existência se encontra bloqueada no espaço e, talvez, no tempo, resta-nos pouco mais que observar. Sei que não gosto do que vejo.
Y, una vez más, la frontera se impuso con el argumento de contener el virus. Yo, que habito por esta línea, veo como esa argumentación no me convence. Cuando nuestra nuestra existencia se encuentra bloqueada en el espacio y, quizás, en el tiempo, nos resta poco más que observar. Sé que no me gusta lo que veo.

sábado, janeiro 30, 2021

Trovoada (Ana Cássia Rebelo)

Noite de trovoada (Fotografia de Gilemina)

 
TROVOADA

Começou a chover. Parece chuva de trovoada. Olho uma última vez a estatueta de porcelana. Com a ponta de um lenço de assoar, que humedeço com saliva, limpo as pequenas reentrâncias onde o pó se acumula. Pouso-a em cima da cómoda. Escuto passos que rangem no soalho do corredor. Já passa da meia-noite, a minha espera terminou. Mal me deito, a vivacidade do meu pensamento abandona-me, deixa-me numa fadiga que me torna as ideias confusas. Conheço esse adormecimento, desejo-o, nunca contrario a sua chegada. O meu marido entra no quarto. Parece não trazer pressa, anda devagar, e, ao contrário do que é habitual, alguma energia transparece no seu passo. A expressão do seu rosto também está diferente, descontraída, um sorriso aberto, olhos brilhantes, bochechas elevadas. O que tornará a sua passada mais enérgica? E o seu rosto animado? Talvez seja ainda a euforia do futebol que nele transparece, talvez as sobras dessa satisfação o tornem assim, revigorado, ágil. Senta-se na cama, mãos apoiadas no colchão, a olhar a janela. Deixa-se estar nessa posição durante algum tempo a escutar a chuva nas vidraças. Não diz nada, volta a sorrir, dá uma palmadinha na minha perna como que a querer partilhar comigo a sua satisfação. Depois de dar uma fungadela no spray que usa para as alergias, diz-me boa noite e apaga a luz. Não fecho os olhos. Gosto de olhar a escuridão, descobrir o que nela se esconde, vejo manchas irregulares, parecem lagartos gigantes, cobras gordas, serpenteando por ali. Quando um carro chega à praceta e o clarão dos faróis entra pelas frinchas dos estores, chega-me uma memória antiga, quase esquecida: estou deitada com a Violante num campo de ervas altas a adivinhar as formas das nuvens, divertimo-nos a encontrar coelhos, vacas, galos, algumas nuvens parecem objectos, outras parecem gente. Olha a D. Antónia, de marreca e tudo!, diz de repente a minha irmã e rimos com a descoberta. A recordação desse instante traz-me uma tristeza passageira, mas muito intensa, volto à infância, um tempo antigo em que fui feliz. Pouco a pouco, os meus olhos deixam de ver sombras alaranjadas, a escuridão cresce, só o coração luminoso da estatueta de loiça a quebra. A escuridão confunde. É na noite que o corpo do meu marido ganhará dureza. Escuto o ruído da sua respiração e, pouco depois, sinto o seu corpo voltar-se na minha direcção.

Não perde tempo, os seus braços aumentam de volume, alongam-se, parecem ser capazes de dar várias voltas ao meu corpo. A sua respiração é cada vez mais acelerada, sinto o seu bafo na cova do meu pescoço. Lá fora, o céu desfaz-se agora em pingos grossos, a chuva estala nos vidros. O meu marido levanta-me a camisa de noite, as suas mãos tocam-me. Deixo que me tome. O meu corpo está aqui, na cama, à sua mercê, para que faça dele o que quiser. Um corpo é apenas um corpo, o meu fica aqui, daqui a nada, quando tudo acabar, venho buscá-lo para o lavar e tratar. Ausento-me: estar deitada na cama ou sentada na sala em frente do televisor ou na cozinha a lavar a loiça passa a ser igual. Tanto faz. Estou simplesmente deitada, sem fazer nada, à espera que isto acabe depressa. Mal me liberto do meu corpo sinto-me tranquila, cheia de silêncio. Pairo como um fantasma sobre o meu quarto, sobre a minha cama, sobre o meu corpo. Agora é a altura certa para me entregar aos meus pensamentos íntimos. Procuro o coração luminoso da estatueta de loiça. Aqui está, mesmo ao meu lado, uma pequena lágrima de luz capaz de quebrar a escuridão mais cerrada. El corazón de los novios alumbra la oscuridad, disse-me o homem naquela tarde e abraçou-me. Recordo o desconhecido de Ceuta, o armazém abafado, a realidade suspensa num abraço demorado. Um instante eterno, sem futuro, nem passado. Começou a trovejar. Continuo a ter medo de trovoadas, mentalmente, começo a dizer a oração a Santa Bárbara, só ela é capaz de apaziguar as tempestades que a natureza lança aos homens. O tempo parece alongar-se. Geralmente, em três, quatro minutos, tudo está terminado, mas hoje o meu marido não só intensifica a firmeza dos seus movimentos como parece querer prolongar o tempo que leva a satisfazer-se. Em movimentos repetidos, entra e sai, sai e entra, sempre na mesma persistência. O movimento parece não ter fim. Oiço os seus gemidos, sinto o cheiro do seu suor peganhento, a murchidão da barriga a roçar-me o ventre, tudo é desolador, mas descanso na perfeição dos meus pensamentos secretos. O meu marido transpira de esforço. Sinto-o dentro de mim, sinto as contracções dos músculos, o sangue a latejar. O meu marido está caído sobre o meu corpo, mas eu não estou aqui. Estou longe, muito longe, nos braços de um homem que me aperta. Consigo sentir o cheiro desse homem. Consigo sentir até a sua respiração no meu rosto. O calor desse abraço, clandestino, mas puro, perdura na minha vida. Escuta-se outro trovão, mais forte do que o primeiro. O meu marido larga por fim um grito descontrolado de dor e prazer. Sinto-me aliviada por tudo ter finalmente terminado. Assim que o meu marido resvala para o lado, acendo a luz. Levanto-me com cuidado, procuro a camisa de noite e visto o robe que está aos pés da cama. Caminho até à casa de banho para me lavar. O calor que se sente é cada vez maior, parece escorrer pelos azulejos, cobrir as loiças sanitárias, esconde-se dentro do pequeno armário com puxadores dourados. Abro a pequena janela da casa de banho, mas da rua chega apenas ar quente. Os trovões estão mais espaçados, cada vez mais longínquos, mal se ouvem. Olho-me no espelho. Noto o cabelo em desalinho, o meu rosto está tenso e, exposta à luz fosforescente da casa de banho, a minha pele mostra marcas evidentes de cansaço, as rugas parecem mais profundas, os olhos estão inchados, as olheiras, escuras, parecem borrões de tinta. Regresso ao quarto, os meus passos tornam-se leves, os pés mal tocam no chão. Vou sossegada. O cheiro da cera do soalho volta a confortar-me; a minha irmã sorri na moldura que está sobre o móvel da entrada e a Nossa Senhora, olhos moles de solidão, padece, como é próprio da sua natureza, no seu nicho de gesso dourado. Entro no quarto e sento-me na cama. Sinto-me esgotada, finalmente poderei deitar-me, fechar os olhos, adormecer, deixar o cansaço escorrer do meu corpo. Talvez já não o sinta ao acordar. O meu marido ressona baixinho, tem a boca ligeiramente aberta e a cabeça apoiada nas mãos entrelaçadas. Apago a luz. Lá fora, escuta-se apenas o vento nos plátanos da praceta. Depois da trovoada, a noite voltou a encher-se de silêncio.

Ana Cássia Rebelo

No seu blogue ana de amsterdão (16 de janeiro de 2017)




sexta-feira, janeiro 29, 2021

Um provérbio cigano

Fotografia de Patrícia de Melo Moreira


Gostava de saber como é que se diz na língua dos ciganos, a romani, este belo provérbio deles:

Depois de amanhã, amanhã será ontem.



terça-feira, janeiro 19, 2021

Nestas coisas da política de extremos, costumo lembrar-me duma crónica do Fernando Aramburu...

Nestas coisas da política de extremos, costumo lembrar-me duma crónica do Fernando Aramburu sobre uma livraria da sua cidade natal no País Basco. Um espaço que, com a venda de livros, se converteu num local de resistência e liberdades. Tal facto fez com que esse pequeno lugar fosse atacado pela extrema-direita nos últimos anos do Franquismo e, posteriormente (já depois da transição democrática), com argumentos diferentes, porém com as mesmas intenções e métodos de intimidação semelhantes, por radicais da esquerda abertzale. O autor de “Pátria” relembra um pormenor altamente significativo para a sua perspectiva que também me ficou na memória: com a possibilidade de o fazerem, nenhum livro foi roubado no decorrer destas acções violentas.

En estas cosas de la política de extremos, suelo acordarme de una crónica de Fernando Aramburu sobre una libraría de su ciudad natal en el País Vasco. Un espacio que, con la venta de libros, se convirtió en un local de resistencia y libertades. Este hecho hizo con que ese pequeño lugar fuese atacado por la extrema derecha en los últimos años del franquismo y, posteriormente (ya después de la transición), con argumentos diferentes, sin embargo, con las mismas intenciones y métodos de intimidación semejantes, por radicales de la izquierda abertzale. El autor de “Patria” recuerda, en su perspectiva, un detalle altamente significativo que también se me quedó en la memoria: habiéndolo podido hacer, no robaron ningún libro en el curso de sus acciones violentas. 


Librería Lagun (San Sebastián)



Una 'gloriería' de Gloria Fuertes

 


El hombre crece
cuando se agacha
para jugar con un niño.

Gloria Fuertes


(Fotografia de BuZoquete, Juegos de ratón)


Um anoitecer de Janeiro...

Um anoitecer de Janeiro: a boa da braseira, a canzoada descansada e eu com a certeza desta companhia me aquecer da frieza dos últimos tempos.

segunda-feira, janeiro 18, 2021

domingo, janeiro 17, 2021

quinta-feira, janeiro 14, 2021

Em louvor da boa linguagem (Jorge de Sena)

 


EM LOUVOR DA BOA LINGUAGEM

Lendo asnos do seu tempo
Filinto disse: –
«A boa linguagem dá batecus da raiva»

Jorge de Sena

Sequências (1980, póstumo)


Filinto Elísio (1734 - 1819)


domingo, janeiro 10, 2021

Os professores (Valter Hugo Mãe)

 


Os professores

Achei por muito tempo que ia ser professor. Tinha pensado em livros a vida inteira, era-me imperiosa a dedicação a aprender e não guardava dúvidas acerca da importância de ensinar. Lembrava-me de alguns professores como se fossem família ou amores proibidos. Tive uma professora tão bonita e simpática que me serviu de padrão de felicidade absoluta ao menos entre os meus treze e os quinze anos de idade.

A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade intelectual, de liberdade superior, onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria do mundo em que o mundo se tem vindo a tornar.

Nunca tive exatamente de ensinar ninguém. Orientei uns cursos breves, a muito custo, e tento explicar umas clarividências ao cão que tenho há umas semanas. Sinto-me sempre mais afetivo do que efetivo na passagem do testemunho. Quero muito que o Freud, o meu cão, entenda que estabeleço regras para que tenhamos uma vida melhor, mas não suporto a tristeza dele quando lhe ralho ou o fecho meia hora na marquise. Sei perfeitamente que não tenho pedagogia, não estudei didática, não sou senão um tipo intuitivo e atabalhoado. Mas sei, e disso não tenho dúvida, que há quem saiba transmitir conhecimentos e que transmitir conhecimentos é como criar de novo aquele que os recebe.

Os alunos nascem diante dos professores, uma e outra vez. Surgem de dentro de si mesmos a partir do entusiasmo e das palavras dos professores que os transformam em melhores versões. Quantas vezes me senti outro depois de uma aula brilhante. Punha-me a caminho de casa como se tivesses crescido um palmo inteiro durante cinquenta minutos. Como se fosse muito mais gente. Cheio de um orgulho comovido por haver tantos assuntos incríveis para se discutir e por merecer que alguém os discutisse comigo.

Houve um dia, numa aula de história do sétimo ano, em que falámos das estátuas da Roma antiga. Respondi à professora, uma gorduchinha toda contente e que me deixava contente também, que eram os olhos que induziam a sensação de vida às figuras de pedra. A senhora regozijou. Disse que eu estava muito certo. Iluminei-me todo, não por ter sido o mais rápido a descortinar aquela solução, mas porque tínhamos visto imagens das estátuas mais deslumbrantes do mundo e eu estava esmagado de beleza. Quando me elogiou a resposta, a minha professora contente apenas me premiou a maravilha que era, na verdade, a capacidade de induzir maravilha que ela própria tinha. Estávamos, naquela sala de aula, ao menos nós os dois, felizes. Profundamente felizes.

Talvez estas coisas só tenham uma importância nostálgica do tempo da meninice, mas é verdade que quando estive em Florença me doíam os olhos diante das estátuas que vira em reproduções no sétimo ano da escola. E o meu coração galopava como se tivesse a cumprir uma sedução antiga, um amor que começara muito antigamente, se não inteiramente criado por uma professora, sem dúvida que potenciado e acarinhado por uma professora. Todo o amor que nos oferecem ou potenciam é a mais preciosa dádiva possível.

Dá-me isto agora porque me ando a convencer de que temos um governo que odeia o seu próprio povo. E porque me parece que perseguir e tomar os professores como má gente é destruir a nossa própria casa. Os professores são extensões óbvias dos pais, dos encarregados pela educação de algum miúdo, e massacrá-los é como pedir que não sejam capazes de cuidar da maravilha que é a meninice dos nossos miúdos, que é pior do que nos arrancarem telhas da casa, é pior do que perder a casa, é pior do que comer apenas sopa todos os dias.

Estragar os nossos miúdos é o fim do mundo. Estragar os professores, e as escolas, que são fundamentais para melhorarem os nossos miúdos, é o fim do mundo. Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade. E a felicidade, disso já sabemos todos, não é individual. É obrigatoriamente uma conquista para um coletivo. Porque sozinhos por natureza andam os destituídos de afeto.

As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se. 

 Valter Hugo Mãe

'Autobiografia Imaginária' | Valter Hugo Mãe | JL Jornal de Letras, Artes e Ideias | Ano XXII | Nº 1095 | 19 de Setembro de 2012. Fonte: SPGL – Sindicato dos Professores da grande Lisboa (Portugal)  


(Lido no blogue Ouriço elegante, 26-02-2018)



quinta-feira, janeiro 07, 2021

Quem roubaria esta bicicleta?

 


A very careful bicycle owner that removed: - the front and back wheel and the saddle and has applied a sophisticated padlock. Sesimbra.

Fotografia de Pedro Ribeiro Simões.


quarta-feira, janeiro 06, 2021

Quando as paredes...

Quando as paredes se impõem à vista, uma janela pode atesourar todas as perspectivas.
Cuando las paredes se imponen a la vista, una ventana puede atesorar todas las perspectivas.

terça-feira, janeiro 05, 2021

"Os meus sapatos..." - Gonçalo M. Tavares ("Expresso", 24/XII/2020)

"Os meus sapatos estão velhos e rasgados, mas são os únicos que compreendem os meus pés. [...]
Experimentei ontem sapatos novos; doeram-me os pés e por aí acima, até ao raciocínio - a dor faz com que deixes de saber o caminho."

segunda-feira, janeiro 04, 2021

De Joan Margarit, Prémio Cervantes 2019

 

Fotografia de Inès Baucells

Dois poemas do Prémio Cervantes de 2019, Joan Margarit, poeta bilingue em catalão e castelhano. É ele próprio quem escreve as versões dos seus poemas na língua de Cervantes. Em baixo temos a versão original do segundo poema.

ADIÓS AL TÍO LUIS

No acabó nunca en su interior la guerra.
La muerte es aquel frente de Teruel,
donde hoy avanza el desastroso ejército
con destellos de escarcha en los capotes.
Están lejos, muy lejos,
pero ya han comenzado a regresar.

Dejó pocos enseres al morir:
entre ellos encuentro
un ruinoso casete con su cinta magnética.
Al principio se oía solamente
el tímido rumor del mecanismo.
Hasta que ha comenzado,
con fuerza y nitidez, el melancólico
canto de un ruiseñor.
Dentro de mi cabeza, después del cementerio,
sigo escuchando la preciosa voz.
El estruendo moral que era la guerra
cesaba junto al río, entre los árboles.
Ruiseñor miliciano, el más humilde
de aquel ejército de la República.

Te has enrolado ahora en un ejército
de pájaros nocturnos.

Cálculo de estructuras (2005)  


DE DÓNDE VIENES, HACIA DÓNDE VAS

Mirar a mis abuelos a la cara
era seguir el rastro de un fugitivo herido
que se oculta en la historia.
Quedaba la vergüenza, no la rabia, enterrada:
lo mismo que las mulas y los perros
debajo el sembrado.
Y también nuestra lengua:
roída junto al fuego por los rostros
secos y desconfiados,
con su leve sonrisa de ironía rural.
Y también las ventanas,
humildes, generosas,
en el silencio aliado con la luz.
Todavía arde el fuego. La canción de la lengua.
Por lo que se refiere a las ventanas,
siempre he vivido junto a sus cristales.
Son el único frío que me ampara del frío.

Se pierde la señal (2012) 


DÓN SER, ON ANAR

Mirar la cara als avis era com seguir el rastre
d’un fugitiu ferit que s’amaga en la història.
Quedava la vergonya, no la ràbia,
enterrada com feien amb les mules
i els gossos als sembrats.
I, malgrat tot, la nostra llengua. Rosegada
vora la llar de foc pels rostres secs,
desconfiats, però amb un lleu somriure
d'ironia rural. I, malgrat tot,
les finestres. Humils y generoses
en la llum aliada amb el silenci.
El foc no s'ha apagat. La llengua canta.
Pel que fa a les finestres,
sempre he viscut vora els seus vidres.
Són l'únic fred que m'empara del fred.


Joan Margarit (Sanaüja, 11 de maio do 1938) é um poeta, arquitecto e catedrático aposentado da Universidade Politècnica de Catalunya

A página do poeta em catalão, castelhano e inglês: Joan Margarit

Un Cervantes para el bilingüe Margarit  
El poeta obtiene el premio por una obra confesional donde conviven catalán y castellano. “No voy a renunciar a las dos lenguas digan lo que digan los políticos”, asegura 

 (El País, 14-9-2019)