segunda-feira, setembro 23, 2019

«A Casa dos Hóspedes» - Yalal al-Dim Rumi (versão Luis Leal)

Isto de se ser um ser humano
é como administrar uma guest house.
Cada dia uma nova visita.
Uma alegria, uma tristeza, uma decepção, uma maldade,
alguma felicidade momentânea
a chegar com um visitante inesperado.
Dá-lhes as boas-vindas e acolhe-os todos,
inclusivamente se são um grupo penoso
a desvalorizar completamente a tua casa.
Trata cada hóspede com todas as honras
pois podes estar a criar espaços para novas delícias.
O pensamento obscuro, vergonhoso, malvado,
recebe-os à tua porta com um sorriso e convida-os a entrar.
Agradece a todos os que vierem
pois talvez possas descubrir que foram enviados
para guiar-te para mais além.

Yalal al-Din Rumi, «The Essential Rumi», trad. Coleman Barks, 1999 (adaptado por Luis Leal).


domingo, setembro 22, 2019

Plano Familiar de Leitura/Plan Familiar de Lectura



Um café sabe sempre a liberdade...


Conversas de pequeno-almoço em família... e unicórnios!

Sentados à mesa, num pequeno-almoço de Domingo em família, digo em tom de brincadeira:
- A mamã já está tranquila pois não vem por aí nenhuma mana...
(Isto porque a minha mulher acaba de chegar de França e, nos últimos anos, cada vez que foi para além dos Pirinéus levou consigo cada um dos nossos filhos no ventre.)
O mais velho diz de imediato que não quer nenhuma irmã, já está bem assim. A Elsa aproveita a conversa e pergunta ao nosso mais pequenito se ele gostaria de ter uma mana e a sua resposta não poderia ser mais rápida e segura:
- Mamy, eu quero um unicórnio!

sábado, setembro 21, 2019

Um prazer ao qual te apoias...

Habituado à secura dos dias, à escassez de precipitação nas terras por onde habitas, umas gotitas tímidas lembram-te que ter de trazer chapéu de chuva não é um estorvo... É um prazer ao qual te apoias.

O marmelo na árvore

O marmelo na árvore testemunha como o Verão passou sem se dar por ele e como o Outono chegou sem grande vontade de assumir o seu devido protagonismo entre as quatro estações.

Cheira a chuva

Cheia a chuva
e a jacarandás sem
flores, outonais.

sexta-feira, setembro 20, 2019

Nem imaginas o bem que se dorme...

Estou por aqui a rabiscar uns papéis do trabalho e oiço umas colegas a falarem sobre o seu tempo livre. Uma mostra videos às outras e comentam as virtudes do que se vê, pelo que oiço tratam-se de aulas de dança sem limite de idade.
A conversa continua com perguntas sobre onde é, que dias há aulas e quanto custa, mas o que me ficou foi uma afirmação que merece a pena registar neste diário de bordo, tantas vezes a meter água:
«Nem imaginas o bem que se dorme depois de dançar...»

quinta-feira, setembro 19, 2019

Pós-ecologismo




PÓS-ECOLOGISMO

Ir de trotinete eléctrica onde antes se ia a pé.


Lido no blogue Coração Acordeão, de António Gregório.




domingo, setembro 15, 2019

"Un perro refleja la vida familiar"/"Um cão reflete a vida familiar"

Sir Arthur Conan Doyle decía que "un perro refleja la vida familiar". No sé si nuestro perro refleja la nuestra. Abandonado y temblando de miedo, llegó a nuestras vidas hace un par de meses por casualidad, esa buena madrina de inolvidables encuentros. Al igual que a mis hijos, no me canso de contemplarlo y, a pesar de tener dificultad en entender lo que siento, es un extraño milagro poder hacerlo. Jamás humanicé a un animal y no me identifico con las polémicas animalistas del presente, sin embargo sé que la amistad, el compañerismo, o incluso el amor, habitan en otros seres, además de en aquellos que denominamos racionales.

Sir Arthur Conan Doyle dizia que "um cão reflete a vida familiar". Não sei se o nosso cão reflete a nossa. Abandonado e a tremer de medo, chegou às nossas vidas há uns quantos meses por casualidade, essa bela madrinha de encontros inesquecíveis. Tal como aos meus filhos, não me canso de contemplá-lo e, apesar de ter dificuldade em entender o que sinto, é um extranho milagre poder fazê-lo. Jamais humanizei um animal e não me identifico com as polémicas animalistas do presente, no entanto sei que a amizade, o companheirismo, ou mesmo o amor, habitam noutros seres, bem para além daqueles que denominamos racionais.


Mapa administrativo de Portugal





(Visto no blogue Santa Nostalgia)



quinta-feira, setembro 12, 2019

O som da depiladora

O som da depiladora denuncia que te estás a preparar para vestires uma indumentária mais formal amanhã. Não é que tenhas pelos nas pernas visíveis, é o teu ritual antes de usares saia.
Este é um dos sons que te fazem previsível e eu oiço-o com o prazer de quem te espera e te quer dizer que te ama.
O amor é tão rotineiro quanto previsível. Há quem diga que isso não é bom para a durabilidade do mesmo. Talvez. Porém, eu sei que a paixão se alimenta destes actos, destes afazeres do dia-a-dia que escolhemos passar juntos...

quarta-feira, setembro 11, 2019

No confundamos discreción con silencio cómplice...

Como dice un gran amigo mío, no confundamos discreción con silencio cómplice. Eso me lleva a compartir lo que he pensado hoy al enterarme de una lista de trabajo. No pasa nada si te pillan copiando y con chuletas… Sanción es cosa de diccionario y no de procedimiento administrativo.  

Como diz um grande amigo meu, não confundamos discrição com silêncio cúmplice. Isso leva-me a partilhar o que pensei hoje ao ver uma lista de trabalho. Não há problema se te apanham a copiar ou com cábulas... Sanção é coisa de dicionário e não de procedimento administrativo.

Indignado

Estou indignado. Repito-o a mim mesmo, indignado. Devo está-lo, pois só assim poderei assimilar este sentimento e abandoná-lo no momento certo.
Há um ano atrás, cumpri com as minhas obrigações laborais e intervim num concurso público para a carreira docente. No decorrer do processo, um candidato foi apanhado a copiar de cábula na mão. O mesmo foi convidado a sair do local do exame e apreendido o auxiliar de memória (hoje a marinar nos arquivos a administração pública). A situação foi tão surreal como escabrosamente pública, com quase duas dezenas de testemunhas. Redigiram-se actas da incidência, foram informadas as autoridades de inspeção competentes e, por uma questão de justiça, pensou-se que o candidato iria ter a correspondente sanção administrativa.
Passado um ano desta desagradável (e embaraçosa) situação, sou confrontado com a inclusão de tal pessoa nas listas de contratação, ocupando um lugar como contratado no sistema público de ensino.
O desprestigio não foi unicamente para os trabalhadores que cumpriam com as suas funções de supervisão e selecção. É-o para todos aqueles que se apresentaram ao concurso honestamente, mas, principalmente, para o organismo da comunidade autónoma que tutela o ensino público e privado. 
Para além de indignação, devo dizer que tenho vergonha... pois sinto que a mediocridade da situação nos mete a todos no mesmo saco, escapando-se unicamente a consciência de que a tem tranquila. Este "profissional" uma coisa saberá transmitir ao alunos: copiar compensa.

terça-feira, setembro 10, 2019

Saida Mukhametzyanova canta "Canção do mar"


Saida Mukhametzyanova é uma cantora russa muito nova, um fenómeno no seu país.

Fui bailar no meu batel,
além do mar cruel...




Passar ao lado

Passar ao lado.
Como esta lágrima,
junto à boca...

«Uno, dos, tres...»

«Uno, dos, tres... pollito inglés» é a frase que mais tenho ouvido nesta tarde relaxada em que não há trabalhos de casa nem teste no horizonte.
Andam por aqui a brincar e a jogarem ao «pollito inglés». Eu apenas observo, em silêncio adulto a ocultar morriña de infância, e penso mais uma vez em como foi possível que este patego, dum bairro operário eborense, criasse prol noutra língua. Sei que tenho pensamentos tão parvos, mas não os renego e aceito-os.
O «pintainho inglês» até existiu durante os  Verões algavios em companhia do meu tio Leopoldo e da minha tia Dolores. Ser loiro e ter olhos azuis ajudava à nacionalidade emprestada entre os turistas da grande Albion.
«Tudo foi por onde tinha que ir» são palavras que tantas vezes ouvi. Têm razão, um gajo tem de ir por onde tem de ir. O tempo foi passando e eu não sei muito bem porque é que tem vindo por aqui.
Eles sabem. Os meus filhos sabem. Sabem porque brincam e usam as nacionalidades como meros adjectivos de galinácios. É para isso que servem e vão para a cama sem saberem porque é que o «pollito inglés» foi um pinto diferente no passado do seu progenitor. Não sei se os invejo por isso ou por simplesmente eu já não ser criança ao seu lado e ter de envergar este traje de progenitor.
Sei que os vou chamar para ao pé de mim e os vou abraçar como o primata que sou. Vou beijá-los tanto como o pai babado que sou mas que não gosta demasiado de falar deles aos outros. Vou contar-lhes que quando era puto brincava ao mesmo, mas que íamos mais longe, mais para Oriente, e que o nosso pintainho era substituído por um macaquinho e... «Um, dois, três, macaquinho do chinês!».

sábado, setembro 07, 2019

Fuzeta


«Abúrrete en el Instituto como mejor puedas»/«Entedia-te na escola o melhor que puderes» - Robert Walser

«Abúrrete en el Instituto como mejor puedas. Mi pequeño conquistador, ya verás cómo es el mundo, en ese mundo de fuera, cuando ejerzas tu profesión y aspires y luches, ya verás cómo se te abrirán bostezantes océanos de aburrimiento, vacío y soledad. Quédate aquí. Cultiva un poquito más tu nostalgia. No puedes imaginar qué felicidad, qué grandeza hay en la nostalgia, es decir, en la espera. De modo que aguarda. Deja actuar dentro de ti ciertas presiones. Aunque no demasiado.» (trad. Juan José del Solar)

«Entedia-te na escola o melhor que puderes. Meu pequeno conquistador, já vais ver como é o mundo, esse mundo de fora, quando exerças a tua profissão e tenhas aspirações e tenhas de lutar, já vais ver como se te abrirá a boca em oceanos de tédio, de vazio e  solidão. Fica aqui. Cultiva um bocadinho mais a tua nostalgia. Não podes imaginar a felicidade, a grandeza que há na nostalgia, quer dizer, na espera. De modo que aguarda. Deixa actuar dentro de ti certas pressões. Ainda que não em demasia.» (trad. Luis Leal)

Robert Walser, «Jakob Von Gunten», Madrid, Siruela, 2009, p.100.

sexta-feira, setembro 06, 2019

...

Sei que dizer-te amo-te não satisfaz o infinito a habitar em tudo o que te digo e no que sinto. Talvez por isso tenha abandonado os poemas e canções de amor na gaveta da adolescência, protegidos em cadernos de palavras minhas escritas pelo teu punho e letra.
Na época, não sabia que jamais saberia escrever sobre amor, apesar do tentar ao lançar-me do sentimento para a palavra. Emulava poetas para transcrever-te o meu coração. Aceitei a tradição, os versos, mas o meu coração ultrapassava a métrica e só não entrou em síncope porque o aceitaste tão acelerado quanto frágil. Fizeste-me poeta sem ter lido suficientemente a vida para o ser. Só de ti aceito esse destino, porque todos os dias sei que dizer-te amo-te não satisfazará o infinito a habitar em tudo o que não te poderei dizer e em tudo o que a mortalidade do meu corpo não me permitirá sentir. A minha alma diz-me que não o sou, porém a tua contradi-la. Só sou e serei teu. Poeta.

quinta-feira, setembro 05, 2019

A ternura flui...

A ternura flui melhor em espaços e vidas cientes de uma certa ordem. Não o nego, porém nunca encontrei este sentimento em pleno caos...

Dia de cão


Dia de cão

Coisa que me emociona é história de cadelinhas vira-latas que salvam crianças de ataques de pitbulls. Outro dia foi em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. A cadelinha Milu, uma vira-lata de pelagem curta, marrom e branca, dessas cachorras bem ordinárias, arrancou o couro da garganta de um pitbull em pleno acesso de fúria. Era o Mal personificado por dentes cravados na junta de joelho de um menino de 11 anos. O garoto talvez perca alguns movimentos parciais da perna. Ao ver o menino em enorme sofrimento, a cachorra atravessou a rua como um foguete, em vias de ser atropelada, e pulou direto na jugular do ferocíssimo cão. Ferido de morte, o pitbull largou a perna da criança e soltou um longo e doloroso ganido.

Tinha os olhos injetados de sangue cor de vinho quando virou o pescoço no limite da musculatura e mordeu uma orelha da vira-lata. Milu, três anos de rua, acostumada a garantir as refeições na base do pega-e-corre, acusou o golpe, mas em vez de arregar, apertou mais forte o pescoço do inimigo. Ouviu-se o som surdo de duas travas. A primeira, da oclusão perfeita e letal das mandíbulas da cadelinha. A segunda, da traquéia do pitbull virando geléia, se me permitem a assonância. Milu perdeu parte de uma orelha, mas foi adotada pela família do menino salvo, sendo enviada, tempos depois, para viver num sítio da família. Se tudo der certo, a vira-lata terá garantido para si, graças a um ato desvairado de coragem, casa e comida até morrer. Deve haver uma lição nisso.

Nessas coisas residem o sucesso do livro Marley e Eu, que não li, nem pretendo ler, por pura inveja. Difícil não se emocionar com essas histórias de cães heróis, porque temos essa proximidade emocional com os cachorros, criaturas que nos enchem de amor apenas porque gostam de comer, bem e muito, sem fazer esforço. Eu vivo com duas cockers spaniels, cães hiperativos e famélicos que vivem, permanentemente, com os ânimos exaltados. São mãe e filha, mas roubam comida uma da outra, brigam, rugindo como leoas, no meio da madrugada, latem pelas escadas do prédio, destroem os jardins plantados pela síndica, e cada uma a seu tempo destruiu boa parte do mobiliário da casa. Cansadas, dormem no sofá da sala, ou o que sobrou dele, porque a mais nova fez dois enormes buracos no estofamento. Ambas apanharam de cinto nos quadris para aprenderem a não subir no sofá. Ou elas são burras o suficiente para não fazer a associação entre o ato e a dor, ou são inteligentes o bastante para perceber que me sinto culpado o suficiente para não bater nelas outra vez. Não sei como Marley se sentiria nessa situação, mas as duas voltaram a dormir no sofá a sono solto.

A mais velha, quando está no cio, corre para cima até de yorkshire, vira a bunda, dobra o cotoco de rabo para o lado. Já cruzou, à revelia de minha vontade, com um outro cocker na pracinha infantil da quadra, em frente de meia dúzia de crianças. De outra feita, deixou-se possuir por um bichon frisé na frente de outros cães e pessoas, num gramado público da Asa Norte, quando tudo indicava que o cio já tinha acabado. Passou vinte minutos grudada com o amante, um de costas para o outro, cada qual com aquele olhar de paisagem tão caro aos do mundo canino. A mais nova só teve um cio. Todos os cachorros que tentaram se aproximar foram violentamente repelidos por dentes arreganhados, novinhos em folha. Ambas já morderam crianças. Duvido que a história de Marley seja mais emocionante do que a delas, uma comprada na feira por 120 reais, outra nascida no quartinho da dispensa aqui de casa.

Mas Marley é americano, tem pedigree e a bossa de todo labrador. E, possivelmente, um dono mais talentoso.

 (22-maio-2007)

(Fonte)