quinta-feira, janeiro 30, 2020

Horizonte rai(y)ano... (2005)

Quinze anos tem esta foto. Tinha 24 ou 25 anos e uma Panasonic (com objectiva Leica) que comprei, em segunda mão, ao meu futuro sogro. Foi um dos bens materiais que mais estimei e que me permitiu guardar em pixéis o que o nitrato de prata nunca me permitiu por motivos económicos. 

O horizonte era já rai(y)no, mas o olhar era bastante agitado e fixava-se em muitas coisas ao mesmo tempo. Faltava-lhe perspectiva. Ainda bem que lhe faltava. Talvez por isso hoje seja capaz de olhar para outras coisas sem esquecer o que viu. Honrar o passado não tem porque ser um acto de saudosismo. Pode ser simplesmente carinho e algum sorriso incrédulo. 

«Al final de la etapa» - Cerveza San Miguel

terça-feira, janeiro 28, 2020

O cheiro do lápis recém-afiado...

O cheio do lápis recém-afiado desperta o olfato deste escriba.  E escreve-o pois cheiros assim tendem a esquecer-se... 

Un café con Ramón...

La verdad es que llevo meses tomando café con Ramón y le presto mucha atención.../A verdade é que há meses que ando a tomar café com o Ramón e presto-lhe muita atenção...
“El café tiene el don de docilizar al indócil, de volver comprensivo al incomprensivo/O café tem o dom de tornar dócil o indócil, de tornar compreensivo o incompreensivo”. (Ramón Gómez de la Serna)

«Uma das acusações...» - Carlos Malheiros Dias (in «Contemporânea», 1923)

«Uma das acusações que mais frequentemente os envelhecidos articulam contra a mocidade é a de sua presunção. Mas a modéstia é a tristonha virtude de experiência. Mocidade é ter a fé integra e a esperança ilimitada. A feliz mocidade não conhece o "talvez".» - Carlos Malheiro Dias

Ler o mesmo conto às crianças... Quantas vezes?







Publicidade: "Grandes Marcas de Automóveis" (1925), in «Contemporanea»

sábado, janeiro 25, 2020

"Um Diário Perdido de Miguel Torga" (Crónica de Luis Leal in "Rayanos Magazine")


Um Diário Perdido de Miguel Torga



Advertência ao leitor:
Durante o Verão de 1950, entre Agosto e Outubro, Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, percorreu alguns países europeus como França, Itália, o Principado do Mónaco, Suíça e Espanha. O périplo espanhol, do ano em questão, levou-o à Salamanca do seu admirado Unamuno, à capital Madrid, ao Escorial de Filipe II, a Toledo e à cidade condal de Barcelona, com passagens por Maiorca e por Ávila. 
Foi nesta última cidade, mais precisamente numa pensão do centro histórico, onde se encontrou uma primeira edição do livro La sombra del ciprés es alargada de Miguel Delibes com uma quartilha escrita em língua portuguesa dentro. O exemplar foi encontrado em 2013 por um turista português que se alojou no estabelecimento familiar e que a transcreveu para o seu blog pessoal.
Infelizmente, só tenho constância desta transcrição que me foi facilitada pelo próprio viajante, cuja sorte de ter consultado o original, na biblioteca pessoal do pai do actual dono da pensão de Ávila, me foi narrada com encanto de leitor e de bibliófilo. Eu apenas o auxiliei a contextualizar nos Diários esta entrada que nos parece estar extraviada da obra diarística de Torga.
Ao contrário do português, Miguel Delibes nunca assumiu a sua humanidade “com as dimensões da Península, com todas as contradições que a dilaceram harmonizadas”, contudo, o seu humanismo, sincero em amor a Castela e, desse território, ao mundo, sempre me pareceu estar destinado a encontrar-se com o de Torga. Não se encontraram ao abrigo dum negrilho, sim à sombra de um cipreste. Já este meu casual encontro foi com alguém que, se não existisse, merecia a pena ser imaginado.

«Ávila, 29 de Agosto de 1950 – A pedra destas muralhas está que parece que saiu hoje da pedreira. Compenetrada da sua função de não deixar fugir a mais pequena parcela do fanatismo que sitia, não deu sequer pela erosão que passou ao seu lado. Granito temporal a cercar granito intemporal!
Chama-me à atenção um livro num escaparate duma livraria, La sombra del ciprés es alargada, de um jovem chamado Miguel Delibes. Em português, A Sombra do Cipreste é Longa.
Entro e após uma conversa com a senhora da livraria que me atendeu, Teresa de nome, como a santa aqui da terra e da nossa Ibéria, liberto as pesetas da algibeira e trago comigo a novela deste meu tocaio. A minha intuição foi laureada com o Prémio Nadal de 1947, vejo, sem me despertar mais interesse do que aquele que já tenho graças à sombra dessa árvore tão ascética como profunda em raízes espalhadas por terra onde abundam corpos à espera da eternidade do húmus.
Está ambientada aqui no burgo abulense, mas este jovem tem território bem demarcado. É de Valladolid, essa cidade rainha de Castela, onde Cervantes acabou de escrever as andaduras do cavaleiro da triste figura. Quevedo também por lá andou e eu espero por lá andar, quem sabe em breve[1].    
Não sei se foi uma obra de sinceridade, esta obra de principiante. Porém, é uma obra honesta, fiel a qualquer coisa que levou este Miguel Delibes a escrever o seu Pedro na primeira pessoa. O protagonista é como esta pedra de Ávila, uma pedra que não foi protegida ao sair da canteira e acabou por ficar encerrada por todas as outras a conformarem estas muralhas frias até mesmo para este mês de Agosto.   
Ainda não pude terminar com a sombra desta árvore. A pouca luz desta pensão não me permite serões de leitura, mas antevejo mar nas páginas que pude ler. Quando há pessimismo o mar ajuda a aliviar a carga do fim e balança-nos em memórias amnióticas do ventre materno. Portugal aventurou-se ao mar por isso, sabemo-lo bem, e não fosse ele órfão de pai e desavindo em carinho com a mãe.
Há futuro para este Pedro, para esta personagem de Ávila. Cresce na narrativa equilibrado com a vida e não sei como acabará. Talvez amanhã, ou depois, descubra se escapou ao pessimismo da vida ou se sucumbiu a ele, inevitavelmente.
E há futuro para este Miguel Delibes. Este jovem escritor de Castela procura o seu estilo pessoal para além do seu território, da sua cidade e da ruralidade do seu entorno. Fá-lo sem se impor, sem afã de conquista e de submissão. Caminha, página a página, pelos montes de pobreza oculta destas terras, cegas pelo orgulho castelhano, porém iluminadas pelo sol peninsular.
Se for caçador, parece-me que será uma boa espingarda. Sabe ao que aponta e não aponta por apontar. Seria um bom companheiro para ir às perdizes. É inteligente e a sua prosa parece-me sincera, sem qualquer necessidade de se comprometer com destinos de poeta. Prefiro assim. Gosto de admirar. E só o espírito me deslumbra o espírito. Delibes começou bem e estas pedras intemporais de Ávila dizem-me que vai acabar melhor.».





[1] Miguel Torga esteve em Valladolid no ano seguinte, em 1951, mais precisamente no dia 10 de Setembro, como é possível confirmar nas páginas do seu Diário XI.

quinta-feira, janeiro 23, 2020

Coisas de rafeiro...

Se há coisa que um rafeiro gosta mais do que a chuva é da sua casa... 
Si hay cosa que a un «rafeiro» le gusta, aún más que la lluvia, es su casa...

Ratão Diniz


Uma fotografia de Ratão Diniz na Favela Nova Holanda, do Rio de Janeiro.



 

segunda-feira, janeiro 20, 2020

Das cinzas à terra...

Um gajo começa a duvidar de umas quantas certezas pessoais da juventude. É verdade, não gosto da ideia de poluir, contaminar com a minha presença o que quer que seja, muito menos terra, ar ou água. Ser ainda mais um peso para o planeta e para a saúde pública. Era o que faltava!

Por isso, desde a época das aulas de geografia no 10°ano, com uma professora execrável que queria ser tratada por doutora, que tinha a ideia de, quando terminar o meu filme por aqui, quando aparecer no ecrã «The End», tornar-me cinza e ser por vários pontos da Península espalhado.

Tinha (e ainda posso dizer que tenho) isto em mente, porque retive em adolescente a imagem de alguns desses "macrocemitérios", típicos das grandes metrópoles (vem-me à cabeça a Cidade do México, mas não sei se é o melhor exemplo), a afectarem o solo e os aquíferos dos que ficaram vivos.

A minha preocupação com o próximo nunca contemplou perder o solo materno, perder esse lugar onde sempre um gajo quer voltar para se recuperar das maleitas de ser ter feito homem. Quando pensava em cinzas, o corpo já media a altura e pesava o peso de hoje, mas o espírito não ganhara qualquer dimensão. Estava delimitado por dois bairros e uma circunvalação. Uma dimensão bastante mais corpórea, porém, a querer paradoxalmente tornar-se pó antes de tempo e a altas temperaturas.

Mais um paradoxo nesta minha vida. Quanto mais território ocupa o que albergo no peito, mais o corpo me impele inteiriço para a terra. Para a terra-mãe. 

Não ligo demasiado a estas dúvidas. Sei que o que hoje sinto é passageiro, como o corpo, e para quê conservá-lo mais tempo do que o estritamente necessário antes de se fundir com o tempo? 

Presente do Conjuntivo

«Vive o presente» dizem e repetem. Alguns gurus da tanga até o comparam a uma oferenda e alegam ser essa a etimologia da palavra. Para mim, o «presente» acaba por ser uma chatice, principalmente quando escrevo. Sou perseguido por «presentes» do conjuntivo que me levam a abusar do «que». Sou um gajo do indicativo, sei-o bem, mas esta Espanha que me acolheu tem-me feito esquecer o infinitivo pessoal e está sempre a mandar-me esse raio de "que" à cara!

domingo, janeiro 19, 2020

18/I/2020

Ontem fui a Évora. De caminho, apanhei alguma chuva e um nevoeiro considerável a impedir-me de ver a autoestrada com clareza. Felizmente, ao chegar, o sol apareceu no céu e no meu espírito.

Foi a segunda vez que lá voltei sem ter casa paterna. Exactamente há um mês e confesso que ainda não consegui apaziguar o ardor das raízes arrancadas. «Tens de superar» diz-me a minha mulher, na sinceridade da vida partilhada, de novas raízes à terra lançada, com um amor que, como eu, também ali nasceu.

O tempo e a distância há muito que marcavam a minha relação com a cidade. Sabia que era dali. Sabia que tinham sido aquelas mãos a moldarem-me e que parte de mim sempre ali viveria. Mas já não era só dali. Esta última certeza é o que me leva a aceitar, com resignação e alguma ternura, a ausência da casa paterna, esta estranha orfandade jamais por mim imaginada.

Mas o Ricardo estava feliz. A sua menina foi baptizada e eu, apesar de ter chegado tarde à cerimónia e cada vez menos me sentir cómodo em actos colectivos de fé, estava em paz.

Quando vou a algum sítio mais formal, ou em alguma ocasião especial, costumo levar a navalha do meu avô no bolso. Faz menos volume do que a do dia a dia, metida na bolsa do cinto, e é mais discreta. É igualmente uma persistência da memória, protectora e supersticiosa, dirão e bem. No entanto, ontem, levei outra. Mais pequena ainda e que merecia estar ali, com os seus. Pus na algibeira a pequenina Victorinox que, quando ainda trabalhava no Montepio Geral, me deu o Sr. Jorge, o pai do Ricardo, e que ontem já não esteve entre nós, estando, em pequena ou grande escala, em muitos de nós.

O meu amigo Ricardo conhece melhor do que ninguém a ausência. O Ricardo, o nosso Cajó, é órfão de pai de verdade, ao contrário de mim, um homem de sensações a tender a pensar demasiado nestas coisas nos últimos meses. 

E abracei a D. Sabina como gosto de abraçar a minha mãe. Com a minha mulher, com a minha Elsa (porque ela também tem a sua Elsa, a do seu Ricardo), convidámo-la a vir conhecer a nossa "aCourela", demonstrámos-lhe que o nosso terreno gosta de ser habitado por quem gostamos e que teríamos todo o gosto que ela também fosse parte dessa vida, dessas pequenas alegrias que ali vamos plantando. Abracei-a e senti o seu abraço. Fui feliz.

A casa dos pais, ou até mesmo essa «Casa do Pai» de tantas missas que papei, é podermos descansar no coração de alguém. Se esse alguém te viu crescer, e te acompanha desde sempre, é uma casa de portas escancaradas para te receber. É uma benção. Descansar no coração é mais coisa de vivos do que de mortos, creio eu, descrente de vida eterna e crente desta vida.

Em Évora, tenho corações onde descansar. Sabê-lo é uma verdadeira salvação. Ontem, recordaram-mo várias vezes.

Peço desculpa por, ultimamente, só pensar em que já não tenho uma casa de tijolo e cimento onde nasci, um precário imóvel onde me abrigar... 

Vê-se mesmo que sou um parvo que gosta de pagar IMI.
 

sexta-feira, janeiro 17, 2020

Coisas de gatos e de Ernest Hemingway...

"Un gato tiene honestidad absoluta: los seres humanos, por alguna o otra razón, pueden esconder sus sentimientos; un gato, no" - Ernest Hemingway



Jejum e sinceridade...

Acabo de ver o meu sangue, tão vermelho quanto insignificante, a correr pelo vácuo destas novas seringas com uma espécie de tubinho a acabar num encaixe para tirar amostras.

É rotina, como a urina matinal que também trouxe para análise, num frasquinho de plástico, comprado há dias na farmácia.

Nunca tive medo de agulhas. Talvez quando era puto, mas não me lembro. Entre espetar e lacerar, não duvido. A cicatriz do primeiro não se nota tanto, por vezes nem sequer se vê. Não ver ajuda a não recordar, a não sentir.

Lembro-me do meu pai me dar um carrinho depois de fazer análises, teria eu uns seis, sete anos. Uma pequena Toyota de caixa aberta, branca, que apenas existe na memória da minha infância, com um pequeno depósito que enchia na bomba de gasolina de brincar que me deram num Natal.

As veias denunciam a minha circulação sanguínea. Vêem-se bastante bem. Sempre se viram bem, quer por brancura, quer por saliência na pele. Foi tão fácil extrair-me sangue que quase nem me apercebi da agulha a invadir a veia do braço direito. O meu olhar acompanhava o capilar de plástico enrojecido pelo plasma que de mim saía. Três pequenos tubos. Talvez 50ml de mim que irão para analizar e que dirão o que sou em colesterol, triglicéridos, ferro e outros pormenores invisíveis a olho nu.

Pergunto-me, o que farão com o meu sangue depois? Livrar-se-ão dele?  Vai para um depósito com o sangue de outras pessoas? O que pensará a pessoa que me analisará ao microscópio? Será homem, mulher ou uma máquina a quem ligaram um botão? Aquecer-se-á o sangue para estar mais ou menos a 37graus? Tendo a perguntar-me demasiadas coisas que preferia não perguntar, mas que pergunto porque sou estúpido.

Jamais poderemos livrar-nos do nosso sangue. Podemos livrar-nos do nome, do apelido, esquecer o dia em que nascemos, omitir tudo o que herdámos e não pedimos para herdar. Mas o sangue, mesmo que contaminado, por alguma bem intencionada transfusão (ou por uma viciada seringa), mais ou menos espesso, nunca o deixaremos de ter a correr pelas nossas veias, nem mesmo na pior das opções de nos querermos esvair num fio até ao final. Sempre haverá resíduos do sangue que herdaste.

Serão os meus filhos conscientes da imposição do sangue, algum dia, como eu hoje o sou em relação aos seus avós? Terá o meu sangue a qualidade suficiente para amparar este corpo que se vai perdendo nos meandros da alma e da finitude dos dias?

Mais perguntas para um homem só e a sentir-se particularmente inútil.

Ainda tenho o algodão na veia colado com um bocadinho de «esparadrapo». Escrevo «esparadrapo» porque, neste preciso momento, não sou capaz de lembrar-me como se diz em português.

O meu cérebro irrigado por sangue lusitano cada vez se oxigena mais com ar espanhol. O meu cérebro bloqueia-se com palavras concretas. No outro dia foi «troçolho». Tinha um na pálpebra esquerda mas não me chateou tanto como não ser capaz de me lembrar como se dizia na minha língua materna. «Orzuelo», dizia-me o José Manuel, em espanhol. Acho que não me vou esquecer, ficou-me no ouvido e no olho, como me esqueci de comer porque estou em «ayunas», para poder tirar este sangue em jejum.

Em jejum o nosso sangue é mais sincero. De barriga cheia, damo-nos a luxos e a caprichos que nos afastam da essência. Mentimo-nos a nós próprios. Por isso é que eu quero ir comer. Tenho medo de me encontrar com a fome que trago no meu sangue.

Brincar na rua

Brincar na rua,
esfolar os joelhos.
Anacronismos.

Um livro de cabeceira ou o meu cérebro na página doze




VIDEOARTE.
Vídeo inspirado na composição Momento I de Arnaldo Antunes.

A pronúncia de um homem brasileiro e de uma mulher portuguesa traduz a gritante diferença entre palavras de um mesmo idioma falado em países completamente distintos (Brasil e Portugal).

Enquanto ambos dizem incessantemente nomes de algumas partes do corpo humano, há, além da estranheza na comparação de cada palavra falada, a estranheza na própria palavra PALAVRA.


FICHA TÉCNICA:

Concepção, Direção e Edição de Imagem: Tales Frey
Elenco: Paulo da Mata e Tânia Dinis
Duração: 2’54”
Formato digital (PAL)
Porto, 2009.





quarta-feira, janeiro 15, 2020

A maior escravidão é aquela que não se vê e nos faz abaixar a cabeça voluntariamente.

A maior escravidão é aquela que não se vê e nos faz abaixar a cabeça voluntariamente.

Ter o cu virado para a lua

Há coisas do caraças, como a sorte, por exemplo. Não é que seja um grande crente, mas a realidade é que há gente bastante mais bafejada por ela do que outros. 
No meu caso, vou-me contentando com a sorte que tenho e até nem sou muito ambicioso, para além de umas quantas coisas muito cá de dentro. Mas não posso deixar de recordar a expressão que tanto ouvi da boca do meu pai e que resume ser afortunado: «ter o cu virado para a lua». Lembro-me dela por causa de um conhecido autor que vai seguindo e somando graças à generosidade da gente e ao seu dom para o marketing pessoal. Infelizmente, a sua obra só vai somando títulos e perdendo a qualidade que me levava a lê-lo com prazer. O talento está lá. Vê-se nuns quantos parágrafos de quem sabe escrever bem, porém, o tempo para conciliar a sua vida e a arte nota-se no resto dos textos, cada vez mais colados a viagens, efemérides ou a outros nomes reconhecidos. Cada vez mais distantes daquilo que vou considerando literatura.
O certo é que a sorte o acompanha e eu sou testemunha disso, ao ser uma espécie de elo numa cadeia de conhecimento. Sei que tem em mãos um projeto que economicamente lhe permite uma liberdade para criar sem grandes preocupações. Espero ver o seu «cu virado para a lua» abençoado com o tempo que este contrato lhe pode comprar. 
Eu, que não sei criar nada mais do que a vida me dá, gostava de ter o meu cu menos bronzeado, mas não me queixo. Há cus bem piores, bastante maltratados e sem sequer se poderem sentar.

terça-feira, janeiro 14, 2020

"Al capitalismo universal hay que robarle siempre/Devemos sempre roubar o capitalismo universal" - Manuel Vilas

Valdi siempre se pide una Coca-Cola y yo agua. Y yo acabo bebiendo de su Coca-Cola. De crío a mí me encantaba la Coca-Cola y veo que eso lo ha heredado Valdi. Nos alegramos porque con el “refill” gratuito, bebemos Coca-Cola los dos por el precio de uno, eso nos pone de muy buen humor, nos alegran esas pequeñas trampas que le hacemos al gran capitalismo universal en donde los seres humanos creen vivir y gozar, pero en realidad perecen y arden en el vacío.
Tres veces se levantó Valdi a rellenar su gigantesco vaso de Coca-Cola.
Tres veces fuimos más listos que el capitalismo universal.
Al capitalismo universal hay que robarle siempre, porque por mucho que le robes jamás podrás robarle tanto como él te roba a ti, pues te roba la alegría, y la alegría tiene un precio incalculable.

O Valdi pede sempre uma Coca-Cola e eu água. E eu acabo por ir bebendo da sua Coca-Cola. Quando era miúdo adorava Coca-Cola e vejo que isso foi herdado pelo Valdi. Ficamos todos contentes com o “refill” gratuito, bebemos Coca-Cola os dois pelo preço de um, isso faz-nos ficar de bom humor, deixam-nos feliz essas pequenas rasteiras que passamos ao grande capitalismo universal aonde os seres humanos acreditam viver e desfrutar, quando na realidade perecem e ardem no vazio.
Três vezes o Valdi se levantou para encher o seu gigantesco copo de Coca-Cola.
Três vezes fomos mais espertos do que o capitalismo universal.
Devemos sempre roubar o capitalismo universal, porque por muito que lhe roubes jamais poderás roubar-lhe tanto como ele te rouba a ti, pois rouba-te a alegria, e a alegria tem um preço incalculável.

Manuel Vilas, in “Alegría” (2019), p.70 (trad. Luis Leal)

Maria da Fonte (Vitorino)



MARIA DA FONTE

Viva a Maria da Fonte
Com as pistolas na mão
Para matar os cabrais
Que são falsos à nação

É avante Portugueses
É avante sem temer
Pela santa Liberdade
Triunfar ou perecer

Viva a Maria da Fonte
A cavalo e sem cair
Com as pistolas à cinta
A tocar a reunir

Já raiou a liberdade
Que a nação há-de aditar
Glória ao Minho que primeiro
O seu grito fez soar




domingo, janeiro 12, 2020

sexta-feira, janeiro 10, 2020

¿Sabías que un diálogo aparentemente intrascendente de la famosa novela ‘Los Puentes de Madison’ oculta una de las más feroces críticas que se han hecho a la fotografía comercial?

¿Sabías que un diálogo aparentemente intrascendente de la famosa novela ‘Los Puentes de Madison’ oculta una de las más feroces críticas que se han hecho a la fotografía comercial?

Ao sol as ausências...

O meus pais foram viver para uma aldeia há meses. A aldeia tem algo que ver com o nosso passado, mas não tem nada a ver com alguém que se criou em bairros periféricos de uma pequena cidade alentejana.

Acho que estão bem. Creio que estão felizes. Decidiram fazê-lo sem sequer ter uma conversa comigo e com a minha irmã. Não os recrimino. Com o tempo, se é que alguma vez possuímos esse dom, perdemos o hábito da conversa. Principalmente o meu pai.

Gostava de os ver mais. Gostava de conversar com eles. Estarmos sentados, sem preocupações e com gosto por partilhar um momento presente. Quem sabe a lembrar o nosso passado, para que não morra em nós e sobreviva nos meus filhos, nos seus netos.

Gostava de me sentar mais vezes ao sol com o meu pai. Com a minha mãe também. Porém, talvez por ainda sentir o embalo do líquido amniótico, nunca desejei tanto a sua companhia como a do meu pai. Penso que é normal. O cordão umbilical da maternidade liga-nos sem grande necessidade de razão. O espaço paterno é diferente. Ou se conquista ou é território de ninguém.

Escrevo esta nota com o sol a brilhar na janela e com o meu filho mais novo a brincar no chão da sala. Sairemos daqui a pouco para ir buscar o seu irmão ao basquetebol. Todos os dias tento que o território da sua infância contenha vida e beleza. Não sei se serei capaz e digno de ocupar este espaço. Como homem, habituei-me à solidão e a vencer o medo de ter de ser um exemplo. Vou conseguindo porque nasci teimoso, mas isso não evita o cansaço, não evita uma sensação de orfandade que me recrimino de sentir.

Lá fora há sol. Ao sol a alma fica iluminada e as ausências deixam de ser notadas. Filho, vamos sair de casa...

quarta-feira, janeiro 08, 2020

Larry Coryell, Badi Assad & John Abercrombie - Frevo





"Eu quando andava na escola primária desejei sempre ser professora..."

Escola Primária de Alte, no Algarve


Eu quando andava na escola primária desejei sempre ser professora... como quase todas as crianças, mas o meu caso era diferente, eu queria ser professora para depois dar uma GALHETA à filha da professora Edite (que estava gravida e era uma menina) que era o que ela fazia com uma colega minha que foi um saco de batatas para ela, nós também levávamos mas a minha colega...

Mena, Rádio Comercial



terça-feira, janeiro 07, 2020

Perguntas de rua... (Santa Cruz, 31/XII/2019)

Perguntas de rua às quais nunca saberei responder: "De quantas palavras precisamos para refletir o que vai dentro de nós?".

Last Sunset... (Porto Novo, 31/XII/2019)

Un rincón de vuestra infancia...

Una calle retro (Badajoz, 5/I/2020)

Vida de rafeiro...

Nota da hora de almoço

Em democracia, a política não se pode resumir a ideologia. Se se resume, acaba-se o diálogo, acaba-se o debate de ideia, e instaura-se um regime anti-democrático a pender para onde seja.

Asno que se ri...

Asno que se ri
da própria figura
é cavalgadura para 
se levar a sério.

segunda-feira, janeiro 06, 2020

El Rey Ramón

«Fiesta de Reyes», 1935. Antoniorrobles de Rey Mago Baltasar, en compañía de Salvador Bartolozzi y Ramón Gómez de la Serna

domingo, janeiro 05, 2020

O paradoxo do Bom Samaritano

O paradoxo do Bom Samaritano acompanhou-me toda a vida. Ei-lo ali, tão preocupado com o próximo, com uma santidade longínqua reconhecida fora de portas, enquanto que não se apercebia que o próximo estava verdadeiramente ao lado, no silêncio de uma casa que nunca chegou a ser verdadeiramente habitada.

Os rafeiros.../Los chuchos...

Os rafeiros conhecem-se uns aos outros... Los chuchos se conocen unos a los otros...

sábado, janeiro 04, 2020

Ter sentido...

Ter sentido da moralidade é um desvantagem, dizem-me. Talvez, mas sempre me senti mais humano do que animal. Por enquanto, basta.

sexta-feira, janeiro 03, 2020

“Esperança/Esperanza”- José Tolentino Mendonça

Não costumo julgar demasiado critérios de mercados editoriais nem modas de qualquer tipo, porém, 2020 deixou-me esperançoso quando me encontrei com este livro de aforismos quer nas estantes idóneas da livraria de confiança, quer no hipermercado onde faço as compras para o mês.

No suelo juzgar demasiado criterios de mercados editoriales ni modas de cualquier tipo, sin embargo, 2020 me dejó esperanzado cuando me crucé con este libro de aforismos en las estanterías idóneas de la librería de confianza y en el hipermercado donde hago la compra del mes. 

“Esperança/Esperanza”- José Tolentino Mendonça

Precisamos de alguém que nos olhe com esperança./Necesitamos alguien que nos mire con esperanza.

Os momentos mais difíceis são muitas vezes férteis em manifestações de esperança que acontecem por pura graça./Los momentos más difíciles son muchas veces fértiles en manifestaciones de esperanza que ocurren por pura gracia.

Compreender que a esperança floresce no instante é experimentar o perfume do eterno./Comprender que la esperanza florece en el instante es experimentar el perfume de lo eterno.

José Tolentino Mendonça, Uma Beleza Que Nos Pertence, Lisboa, Quetzal, 2018, p.69. (trad. Luis Leal)
José Tolentino Mendonça, Uma Beleza Que Nos Pertence, Lisboa, Quetzal, 2018