Ontem fui a Évora. De caminho, apanhei alguma chuva e um nevoeiro considerável a impedir-me de ver a autoestrada com clareza. Felizmente, ao chegar, o sol apareceu no céu e no meu espírito.
Foi a segunda vez que lá voltei sem ter casa paterna. Exactamente há um mês e confesso que ainda não consegui apaziguar o ardor das raízes arrancadas. «Tens de superar» diz-me a minha mulher, na sinceridade da vida partilhada, de novas raízes à terra lançada, com um amor que, como eu, também ali nasceu.
O tempo e a distância há muito que marcavam a minha relação com a cidade. Sabia que era dali. Sabia que tinham sido aquelas mãos a moldarem-me e que parte de mim sempre ali viveria. Mas já não era só dali. Esta última certeza é o que me leva a aceitar, com resignação e alguma ternura, a ausência da casa paterna, esta estranha orfandade jamais por mim imaginada.
Mas o Ricardo estava feliz. A sua menina foi baptizada e eu, apesar de ter chegado tarde à cerimónia e cada vez menos me sentir cómodo em actos colectivos de fé, estava em paz.
Quando vou a algum sítio mais formal, ou em alguma ocasião especial, costumo levar a navalha do meu avô no bolso. Faz menos volume do que a do dia a dia, metida na bolsa do cinto, e é mais discreta. É igualmente uma persistência da memória, protectora e supersticiosa, dirão e bem. No entanto, ontem, levei outra. Mais pequena ainda e que merecia estar ali, com os seus. Pus na algibeira a pequenina Victorinox que, quando ainda trabalhava no Montepio Geral, me deu o Sr. Jorge, o pai do Ricardo, e que ontem já não esteve entre nós, estando, em pequena ou grande escala, em muitos de nós.
O meu amigo Ricardo conhece melhor do que ninguém a ausência. O Ricardo, o nosso Cajó, é órfão de pai de verdade, ao contrário de mim, um homem de sensações a tender a pensar demasiado nestas coisas nos últimos meses.
E abracei a D. Sabina como gosto de abraçar a minha mãe. Com a minha mulher, com a minha Elsa (porque ela também tem a sua Elsa, a do seu Ricardo), convidámo-la a vir conhecer a nossa "aCourela", demonstrámos-lhe que o nosso terreno gosta de ser habitado por quem gostamos e que teríamos todo o gosto que ela também fosse parte dessa vida, dessas pequenas alegrias que ali vamos plantando. Abracei-a e senti o seu abraço. Fui feliz.
A casa dos pais, ou até mesmo essa «Casa do Pai» de tantas missas que papei, é podermos descansar no coração de alguém. Se esse alguém te viu crescer, e te acompanha desde sempre, é uma casa de portas escancaradas para te receber. É uma benção. Descansar no coração é mais coisa de vivos do que de mortos, creio eu, descrente de vida eterna e crente desta vida.
Em Évora, tenho corações onde descansar. Sabê-lo é uma verdadeira salvação. Ontem, recordaram-mo várias vezes.
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