quinta-feira, março 28, 2019

Por mais que me convença...

Por mais que me convença de ter uma relação saudável, de amizade panteísta, com Deus, pesa sempre mais a herança da minha educação religiosa. É assim e não tenho outro remédio a não ser reconhecê-lo.
Sempre tentei compreender porque é que a minha mãe (o meu pai nem por isso...) me ensinou a ter a sua fé. Fê-lo sem más intenções, por tradição, por herança da minha avó, mas, sem se aperceber, carregou-me cedo com esse legado, esse lastro de pecado com que ninguém nasce. Melhor do que evitar pecar, como me dizia a sua igreja, é viver com ética, com uma conduta digna de ser homem sem temor a castigos divinos.
(Lembro-me do padre madeirense que me confessou com quinze anos e me perguntou se me masturbava. Pergunta idiota, de um representante formal de uma instituição, a um adolescente. A vergonha de então não me permitia conceber uma qualquer segunda intenção, se é que existiu...)
A verdade é que vivo cheio de dúvidas e a fé não mas esclarece, tal como um total cepticismo da minha parte tão pouco me responde ao que quer que seja. Porém, essa entidade divina, que tudo pode e que não conhece o aleatório, decretou que a minha infância não sai da criança que fui para o pai que agora sou.
Quero deixar-lhe uma ideia de Deus sua e não minha. Eles já terão as suas dúvidas e não precisarão dos meus medos, nem dessa expressão «olha que Deus castiga!». Isso, se Ele quiser, terminou em mim.
Educar, ciente da nossa finitude, não é incompatível com almejar algo mais fora desta realidade corpórea. Agarro-me a isso, é a única coisa concreta, ingénua talvez, que me parece manter pendurado e não cair no vazio.

terça-feira, março 26, 2019

Cronologias

Tenho passado parte dos dias agarrado a acontecimentos, datas, figuras relevantes para um estudo que estou a fazer. São dados do passado, com cento e poucos anos, porém, estão carregados de presente. Evolução, retrocesso, tudo na mesma na essência, apesar da tecnologia, das roupas modernas e da menor mortalidade.
Os artistas de então e os de hoje, às voltas com génios, géneros e egos gigantescos, não se diferem assim tanto.
Por que razão lhe dedico tanto tempo e até encontro algum consolo na solidão do estudo? Não é só pelo conhecimento que daí advém, inútil, tal como a maior parte da formação que tenho. Erudição não traz felicidade e não tem porque ser verdade.
Acho que é pelo silêncio que me traz esta sensação de que, afinal, estas cronologias, estes legados, encontram sentido na tua própria biografia.

Expectativas?

Expectativas?
Excesso de peso no
meu espírito.

quinta-feira, março 21, 2019

Caia

Me he venido a Caia a comprar la prensa portuguesa. Santi y Xavi han aprovechado para jugar a la pelota en plena frontera, felices, niños ajenos a estos términos divisorios. Yo, sin embargo, al mirarlo me siento raro. En otras hay miseria, guardias, ametralladoras, alambre espino... y padres, como yo, que solo quieren una vida digna para sus hijos.
Soy afortunado. Lo sé. Pero no soy capaz de refugiarme en ese consuelo. Jugad niños, jugad… qué nunca bloqueéis el paso a nadie que venga por bien.

Primeiro dia de primavera/Primer día de primavera - José Tolentino Mendonça

Primeiro dia de primavera:
que distante me parece
o inverno

Primer día de primavera
qué distante 
me parece el invierno 

José Tolentino Mendonça (trad. Luis Leal)

Tudo é efémero/Todo es efímero - José Tolentino Mendonça

Tudo é efémero:
ontem escutava a tua voz
hoje só o vento

Todo es efímero:
ayer escuchaba tu voz
hoy sólo el viento
(Trad. Luis Leal)

O ramo

Ramo: é essa
raíz com vocação de
planta asceta.

quarta-feira, março 20, 2019

A verdade é que isto de ser pai continua a parecer-me uma coisa de outra galáxia... (19/III/2019)

A verdade é que isto de ser pai continua a parecer-me uma coisa de outra galáxia...
La verdad es que esto de ser padre me sigue pareciendo una cosa de otra galaxia… 

P.S. Gracias Ismael Gómez Gutierrez, por ver a Santi, todos los días, feliz con su mochila llena de ganas de aprender...

terça-feira, março 19, 2019

No barbeiro...

O meu pai levava-me à do Sr. Perdigão, onde um jovensíssimo Carlos Perdigão me cortava a trunfa que, a partir da rebeldia adolescente, sempre gostou de ser grande. Na impossibilidade de continuar com o ritual da minha infância eborense, os meus pequenos vão à do Cameron, o nosso barbeiro pacense. 
Hoje mesmo ali estivemos e, ao vê-los sentados na cadeira como pequenos homenzinhos, lembrei-me que há certas coisas masculinas que só se aprendem no barbeiro...

sexta-feira, março 15, 2019

Entre tiradas de génio e trabalho duro...

Entre tiradas de génio e trabalho duro, confio mais na labuta. Pelo menos o trabalhador dedicado pode ainda evoluir, subir ao degrau da excelência. O génio ou se mantém ao nível da lâmpada ou desce ao comum dos mortais. Onde está a diferença?

Para não mencionar outra dúvida constante que me assola entre tantas conversas geniais: não haverá, cada vez mais, genialidade no afinco e na dedicação?

Melhor do que procurar respostas respondidas pelo dia-a-dia e não pela história, é deixar-me disto e ir mas é agarrar-me ao que tenho de fazer. E não é nada genial, mas eu até gosto...

quarta-feira, março 13, 2019

Coimbra

Postal de Coimbra, anos 80 (autor desconhecido)

Houve uma época em que estive a ponto de para lá ir viver. Sei-o graças aos meus pais e à circunstância do meu pai poder ter o seu «Posto de Tracção» no local de residência, em vez de andar de lancheira atrás e de dormitório em dormitório.

Coimbra existe na minha infância como uma possibilidade. Nada mais. Nem o «Portugal dos Pequeninos» eu visitei em criança.

Ao Barreiro aconteceu o mesmo. Outra possibilidade de um filho de ferroviário poder acompanhar, em família, o destino laboral do pai. Porém, o Tejo existiu nos meus verdes anos, ao contrário do Mondego que só conhecia do mapa hidrográfico herdado do Estado Novo.

Aí parava o comboio e apanhava-se o barco (também da CP) para o Terreiro da capital que se visitava por papéis ou por causas médicas, muitas delas terminais. Lembro-me de gente da minha terra ir morrer a Lisboa, mas não recordo nenhum dos meus. Ainda bem. Talvez, se assim não fosse, nunca teria feito as pazes com a capital e perdoar-lhe do meu país a ela se resumir e tudo o resto ser paisagem. Já não faço o mesmo trajecto, mas vou visitá-la com um certo gosto, reconheço-o elitista, de desfrutar dum sossego junto ao rio que a maioria não pode.

E de Coimbra fui parar ao Barreiro e daí fui-me embora para Lisboa. As palavras, como a memória, escapam-se para aonde querem. Eu estou onde estou e não sei se me quero por aqui. Não perco demasiado tempo a averiguá-lo, sei bem, como filho de ferroviário e neto de agulheiro, que as linhas paralelas nem no infinito confluem. Na ausência de poder confluir, imagino. Imagino o que haveria de ter sido viver na cidade universitária de Portugal. Imagino que talvez os meus obsessos na garganta não tivessem sido supurados pelo Dr. Aguilar, que as minhas amígdalas talvez tivessem sido examinadas por um velho otorrino transmontano com consultório no Largo da Portagem. Imagino o Dr. Adolfo Rocha a examinar as goelas dum miúdo longe do berço na planície, longe dos avós alentejanos, e descobrir um nó na garganta que jamais a sua voz desatará. Não trocariam mais palavras do que as necessárias para abrir/fechar boca ou língua para fora e, no final, seringa cheia e obsesso purgado, um «bom rapaz, nem uma lágrima!».

Ao meu pai diria que se isto continuar assim teríamos que operar.

Saídos do consultório, o meu pai sentiria a necessidade de compensar o meu estoicismo de qualquer maneira. Como não estávamos ao pé de nenhuma loja de brinquedos, onde pudesse comprar-me um carrinho, iríamos à livraria ali perto. Comprar-me-ia um livro de capa branca com histórias de «Bichos» como aquele que tínhamos lá na terra, o Nero que deixáramos na quinta dos meus tios. Voltaríamos a casa e, quem sabe, um dia soubéssemos que havíamos conhecido alguém como nós, que só ali vivia mas que não era dali.

A boina basca

A boina basca
não baixa a cabeça
a nenhum senhor.

Fot. M. Ibáñez

Así fue ayer, en Plasencia, en la librería “La Puerta de Tannhauser”...




Con los medios de hoy es muy fácil, cómodo y aséptico, divulgar lo que uno hace. Pero la posibilidad de hacer una presentación física, sin duda, va más allá de la utilidad de compartir tu trabajo en las redes sociales. Le pone cuerpo y rostro a la gente. 
Así fue ayer, en Plasencia, en la librería “La Puerta de Tannhauser”, donde te sientes tan a gusto y te hace regresar a casa con esa buena sensación de amplitud íntima al volver a ver a amigos, conocer nuevos, y sentirlo todo real, de carne y hueso (¡o en replicantes!), en gente tan amable, simplemente, dispuesta a dialogar un rato contigo...  
Se habló de mi entusiasmo, pero yo pienso que eso no es más que mi gratitud. “Aquele abraço!”

Com os meios de hoje em dia é muito fácil, cómodo e aséptico, divulgar o que vamos fazendo. Contudo, a possibilidade de fazer uma apresentação física, sem dúvida, vai mais além da utilidade de partilhar o teu trabalho nas redes sociais. Dá corpo e rosto à gente. 
Assim foi ontem, em Plasencia, na livraria “La Puerta de Tannhauser”, onde te sentes tão bem e te faz regressar a casa com essa boa sensação de amplitude íntima ao voltar a ver amigos, conhecer novos, e sentir tudo real, de carne e osso (ou em replicantes!), em gente tão amável, simplesmente, disposta a dialogar um pouco contigo...  
Falou-se do meu entusiasmo, porém, eu penso que isso não é nada mais do que a minha gratidão. Aquele abraço!
(fotos de Álvaro Guillén)



domingo, março 10, 2019

"pedal(e)ar" en la “replicante” Puerta de Tannhäuser (Plasencia, 12/III/2019)

Últimamente, estoy pedaleando menos (y bastante más despacio) que en años anteriores… Sin embargo, el próximo martes (20h), llegaré a Plasencia con las alforjas llenas de ganas de compartir este nuestro “pedal(e)ar”. Además, en una mis librerías favoritas de toda la Península: ¡la “replicante” Puerta de Tannhäuser! De “Cicerone” tendré el gran Juan Ramón Santos, siempre a indicarme buenos caminos… Si podéis, ¡allí os esperaremos! 

Ultimamente, ando a pedalar menos (e bastante mais devagar) do que em anos anteriores... Porém, na próxima terça (20h), chegarei a Plasencia com as alforjas cheias de vontade de partilhar este nosso “pedal(e)ar”. Ainda por cima, numa das minhas livrarias favoritas de toda a Península: a “replicante” Puerta de Tannhäuser! De “Cicerone” terei o grande Juan Ramón Santos, sempre a indicar-me bons caminos… Se puderem, ali vos esperaremos!

"pedal(e)ar" na Livraria Puerta de Tannhauser em Plasencia (12/III/2019)


quarta-feira, março 06, 2019

O olhar só tem fim...

O olhar só tem
fim na cegueira. Olha,
vê se puderes.

Aforismos de Teixeira de Pascoaes (selecção de Mário Cesariny)

"Teixeira de Pascoaes" por António Carneiro
O homem só é verdadeiro quando se julga incógnito. Se tem de representar a sua pessoa, a arte absorve-o e desvia-o do seu próprio ser.

A Ibéria é a Grécia do Feio, a anti-Grécia, a Bruxa esquálida fedendo os ares.

in Teixeira de Pascoaes, Aforismos (selecção e organização de Mário Cesariny), Lisboa, Assírio&Alvim, 1998, pp.24 e 30.

"O luxo de uma sombra" - Luis Leal (in "Rayanos Magazine")

Ponho-me a pensar de onde irrompem as minhas crónicas. Da inspiração? Duvido. Da minha memória? Uma parte. Da labuta em peneirar areias reminiscentes para encontrar pepitas de emoções? Deparo-me com alguma certeza. Depois é tentar grafar a precariedade da convicção com que vejo o mundo e, para além do meu desejo de partilha, encontrar alguém cuja paciência seja generosa comigo. 

Porém, no caso da presente crónica, identifico perfeitamente o onde e o porquê. Nasceu em pleno cromeleque do Xerez, graças a uma observação do meu caríssimo Francisco Mondragão sobre o que é o luxo em pleno século XXI.

Como sou mais mundano, gozei logo com a situação, ao lembrar-me de alguns artistas de hip-hop, esses do Gangsta Rap, com as suas correntes, dentes (e pistolas) de ouro, encostados a carros de grande cilindrada e rodeados ninfas silicónicas com biquínis proporcionais ao siso. 

Cada um que se adorne com o que queira (e possa), desde que não faça mal a ninguém por isso. Eu confesso não ser grande fã do dourado, nem em metais nobres nem em pechisbeque. Gosto sim de um sol aloirado, como o daquele domingo, rico em vitamina D, que nos obrigava a proteger o cocuruto da cabeça por ser atrevido em resfriados bruscos de amplitudes térmicas.

Se procurarmos na infopédia o que significa luxo, vendemos as nossas almas a definições como:
1- Ostentação da riqueza, magnificência, gala;
2- Fausto; sumptuosidade; pompa;
3- Qualquer bem ou objeto de custo elevado e que não é indispensável.

É fácil entender expressões como dar-se ao luxo, permitir-se um capricho ou extravagância de um qualquer material luxuoso devido à sua excelente qualidade. Obviamente que o peso das expressões nos faz fazer contas e contemplar o interior das nossas carteiras. Eu pelo menos sou assim. Fui educado a ter unicamente os luxos que a minha carteira pode pagar e, de preferência, em saldos. Por isso, mesmo que o meu ego quisesse, nunca o meu corpo (entenda-se trabalho!) poderia passar cheques para filigranas de rapper, biquínis de diamante e altas gamas a aquecerem, ainda mais, o ambiente global.

No entanto, os luxos a que o Francisco se referia não estavam contaminados com o vírus social de possuir mais e mais. Tinham a ver com o presente que ali estávamos a viver, com o Alqueva no horizonte e Monsaraz a cuidar a nossa retaguarda. 


Ambos, no seio de um grupo madrugador (decidido a tentar interpretar a paisagem que os acolhia), desfrutámos de um momento único ao assistir a violinista Cecilia Bercovich interpretar quatro pequenas peças acompanhada, unicamente, pelo vento alentejano.

O auditório e a acústica foram irrepetíveis. Assim como os meus filhos, e outra pequenota, foram as únicas crianças expostas às flores de fevereiro e ao som de um violino numa paisagem que, hoje, é parte da sua infância e que só o futuro decretará se pertencerá, em exclusivo, à geografia física ou também à dos afectos.

Este luxo devemo-lo (grátis, diga-se de passagem) à organização do festival Terras Sem Sombra, na sua 15ª edição, promovido pela associação Pedra Angular. Sob o título Sobre a Terra, sobre o Mar - Viagem e Viagens na Música (séculos XV-XXI), e tendo os Estados Unidos da América como país convidado, esta magnificência decorre até dia 7 de julho por terras alentejanas e extremeñas. 

Existe a tendência a não valorizar a sombra de uma árvore, quer por comodismo de ar condicionado, quer por ilusão de perenidade da paisagem. A verdade é que desfrutar da sombra generosa destas iniciativas em regiões tendencialmente tórridas e desérticas, como o Alentejo e a Extremadura, é um luxo alheio a recheio de carteiras. É questão de querer e fazer por se pôr à sombra. 


sexta-feira, março 01, 2019

As rosas não falam (Gisela João)

Fotografia de Ted Somerville

Uma composição daquelas bandas (Cartola) e uma interpretação destas (Gisela João).