domingo, junho 30, 2019

«No deberías leer...» - Francisco Umbral

«No debieras leer, María, este capítulo, para no saber que eres feliz cuando lo ignoras, porque entonces lo sabrías y se estropearía el encanto. Pero aquella niña de los pinares adolescentes, que iba para nada, que luego se me extravió en Madrid, aventura en que yo mismo la metí, es de nuevo una criatura natural, hembra y sencilla, que riega los ciruelos con fervor.»

Francisco Umbral, in "Carta a mi mujer".

En la orilla del Duero, en Zamora (la cuna de nuestro Pedro)


Quando se arranca de um puxão...

Quando se arranca de um puxão as raízes, o que fica é um vazio na terra que nem sempre é preenchido. Cicatriza e ganha calo, mas este peito não volta a ser o mesmo.

sábado, junho 29, 2019

Dia de S. Pedro

Nunca prestei atenção «aos santos», como por aqui se diz. Quanto muito associava Santo António, São João e São Pedro a Junho, associava-o ao final das aulas, à feira e ao dia da minha cidade. Évora celebra o São Pedro, o apóstolo que, mesmo negando Jesus três vezes, assumiu a representação simbólica do filho de Deus na terra.

Há tempos escrevi sobre pedras, sobre a sua beleza, ou melhor, como encontrar beleza nesses minerais. Escrevi sobre o nome Pedro e sobre os Pedros que são ladrilhos fundamentais nesta minha passagem por uns quantos Junhos que detecto por cheiros, madrugadas luminosas e algum calor refrescado à sombra duma árvore acompanhado por um amigo e uma «cañita».

São Pedro é o final de Junho. São Pedro é o santo a quem atribuo o dom da amizade e da continuidade do belo e do efémero. É a hagiografia peregrina da curta distância, da proximidade.

Dou por mim, nesta manhã em que confundo horas de pulso com realidades solares, a lembrar-me que o Maio em que nasci foi sucedido por um mês santo, de solsticio, que só adquire santidade porque aceita a sua verdade profana.

O meu santo também é de Junho. Sei-o desde há uns anos e foi Espanha quem mo ensinou. Portugal não se lembra da santidade dos nomes, é Dia do Pai e não dia de São José para a esmagadora maioria. Se calhar a maioria acredita que o JC é filho biológico do Magnânime e que São José não passou dum padastro que não o fez subir o degrau social, mantendo-o na carpintaria.

Não sei o porquê. Ter-se-á Portugal esquecido primeiro dos seus santos? Será que o seu republicanismo lhe bloqueou o passado hagiográfico? Terá amnésia anti-clerical? Não sei, mas acho que não é nada disto. Talvez Espanha preste mais atenção a aspectos herdados da religião que não são nada mais do que isso, irrelevâncias recordadas desde um calendário pendurado na parede, muitas vezes duma conhecida marca de pneus e com uma santa a mostra-nos os seus atributos. Talvez.

Cada vez mais distante dos preceitos da religião, assumo-me beato e devoto de vário santos que felizmente não estão em nenhum altar sagrado, mas encontro no mais profundo e profano dia-a-dia.

Agora, chega de divagações e vamos lá celebrar o São Pedro!

quarta-feira, junho 26, 2019

"La cultura siempre será la que cohesione y dinamice las relaciones transfronterizas" - Luis Leal

Os responsáveis do projecto EUROACE foram muito amáveis ao ouvirem a minha opinião sobre relações transfronteiriças e amabilíssimos ao reproduzirem a nossa entrevista por telefone. Existem alguns pequenos lapsos biográficos (detectáveis pelos que bem me conhecem), porém, a essência de acreditar que será sempre a cultura motor de coesão e dinamização das relações transfronteiriças, não apenas neste caso, mas sim em qualquer relação humana, aqui está, junto às minhas mãos impregnadas de chão eborense.

Los responsables del proyecto EUROACE ha sido muy amables en escuchar mi opinión sobre relaciones transfronterizas y amabilísimos en reproducir nuestra entrevista por teléfono. Existen algunos pequeños lapsus biográficos (detectables por los que bien me conocen), pero la esencia de creer que será siempre la cultura la que cohesiona y dinamiza las relaciones transfronterizas, no solo en este caso, sino en cualquier relación humana, aquí está, junto a mis manos impregnadas de suelo eborense.

Gatas e móveis

O Francisco Umbral lembra-me que as gatas são os móveis mais antigos da nossa casa. A sua siamesa tinha os olhos entre o azul e o verde, a nossa, como todos os que aqui habitam, ficou-se pelo azul. Verde tem a gata cinzenta, rafeira que saiu do caixote do lixo há 16 anos porque tinha de viver a sua vida de princesa russa na nossa companhia e com a ração paga por nós. Ao contrário da siamesa, a russa é altiva e faz-se valer da sua beleza. A de Sião é e isso, simplesmente, fá-la estar. Uma é um substantivo e a outra é um adjetivo. 
Vê-las envelhecer juntas após quezílias frequentes que chegaram a assanhar-se em sangue, faz-me pensar no ofício da escrita, de como pensamos que a literatura está no léxico concreto ou no qualificativo. 
Não sei se alguma vez aprenderei a escrever. Mas estes bibelots peludos, que me acompanham no sofá e na janela, ensinaram-me a não prescindir da palavra, a não renunciar a substantivos, adjectivos, verbos, advérbios... Se os olhos os vêem, quem sou eu para os omitir?

O dedo

O dedo segura-me a página. O dedo indica-me um caminho.

terça-feira, junho 25, 2019

Uma pergunta (Adélia Prado)



UMA PERGUNTA


Vede como nossos filhos nos olham,
como nos lançam em rosto
uma conta que ignorávamos.
Não caridosos, convertem em pura dor
a paixão que os gerou.
Por qual ilusão poderosa
nos veem assim tão maus,
a nós que, tal como eles,
buscamos a mesma mãe,
concha blindada a salvo de predadores.

Adélia Prado



segunda-feira, junho 24, 2019

De não querer saber... ao coitadinho que sou...

Não querer saber nem sempre tem a ver com indiferença ou falta de solidariedade. Mas, com todo o respeito pelo sofrimento de outrem, não mo propagandem pelas mensagens das redes sociais de forma reiterada, para não dizer abusiva. 
Sei que quem ler esta nota pode pensar que sou um insensível, que me estou maribando para o próximo. Contudo, estou farto de ler queixumes e vitimismo num «grupo» do Messenger no qual fui agregado sem me pedirem autorização e só não saio por educação. 
Quanto mais vejo alardear dores e vicissitudes por parte desta gente, mais me lembro da dignidade do silêncio e do verdadeiro sentido de comunidade que não existe nestes meios virtuais.
Cada vez me lembro mais da intimidade até para sofrer da qual se abdica para manter o ego satisfeito.
Mas esse sou eu, que até hoje sempre privilegiou uma conversa com um amigo para combater a tristeza a um manifesto de desgraça público para verem o coitadinho que sou.

sexta-feira, junho 21, 2019

O vento

O vento norte dobra o pasto seco e dourado pelo sol que se põe. Oiço flautas enquando espero a noite sentado debaixo da alpendurada. O cão acompanha-me. Será que ele ouve o mesmo que eu?

quinta-feira, junho 20, 2019

Uma pequenina luz (Jorge de Sena)



UMA PEQUENINA LUZ

Uma pequenina luz bruxuleante
não na distância brilhando no extremo da estrada
aqui no meio de nós e a multidão em volta
une toute petite lumière
just a little light
una picolla... em todas as línguas do mundo
uma pequena luz bruxuleante
brilhando incerta mas brilhando
aqui no meio de nós
entre o bafo quente da multidão
a ventania dos cerros e a brisa dos mares
e o sopro azedo dos que a não vêem
só a adivinham e raivosamente assopram.
Uma pequena luz
que vacila exacta
que bruxuleia firme
que não ilumina apenas brilha.
Chamaram-lhe voz ouviram-na e é muda.
Muda como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Brilhando indeflectível.
Silenciosa não crepita
não consome não custa dinheiro.
Não é ela que custa dinheiro.
Não aquece também os que de frio se juntam.
Não ilumina também os rostos que se curvam.
Apenas brilha bruxuleia ondeia
indefectível próxima dourada.
Tudo é incerto ou falso ou violento: brilha.
Tudo é terror vaidade orgulho teimosia: brilha.
Tudo é pensamento realidade sensação saber: brilha.
Tudo é treva ou claridade contra a mesma treva: brilha.
Desde sempre ou desde nunca para sempre ou não:
brilha.
Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha.

Jorge de Sena

Fidelidade (1959)



No papel há dez anos...

No papel há dez anos, mas a caminhar juntos há muito mais.
Parece que fomos feitos para durar...

En el papel desde hace diez años, pero caminando juntos desde hace mucho más.
Parece que estamos hechos para durar...
In our boots... - LL

dedica-te um momento


Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.

Sophia de Mello Breyner Andresen


(para a Elsa)

dedica-te um momento
a olhar para esse atlântico,
para o farol à procura dum poeta,
para um areal de garrafas invisíveis
cheias de desejos, omissões e mar.

dedica-te um momento
a encarar o que te rodeia, 
oceanos de imediato,
e barcos rumando para o obsoleto,
ignorando rumores de absoluto. 

da velhice da oliveira,
florescem sonhos em frutos, 
amendoeiras e um sol.
uma parcela de ocaso.

dediquemo-nos um momento 
e vemos décadas que quisemos,
queremos e quereremos,
viver lado-a-lado.

entre as ruínas da obsolescência 
resiste um nós, do qual nasceram eles.

de mão dada, somos imunes aos golpes, 
aos gumes, à cobiça da lâmina.
como guerreiros, encontrámos a planta sagrada,
conquistámos o seu dom e untamos 
na pele o seu bálsamo cicatrizante. 

aqui, longe dessa praia, que nos uniu 
não há destroços, nem náufragos 
nem um único vestígio desta era plastificada.

aqui, onde decidimos deixar de ser um
porque a dois também se pode existir,
nada é descartável.
o nosso tempo não é deste tempo.

tu e eu
fomos feitos para durar.  
20/VI/2019

"Elsa e Luis" - Foto de Ricardo Jorge


quarta-feira, junho 19, 2019

O marca-páginas...

O marca-páginas, farto de ditaduras de leitura obrigatória, exilou-se com a esperança de ainda conseguir ser útil como régua.

«Los olivos...» - Ramón Gómez de la Serna

«Los olivos aprovechan como ningún árbol el fondo de huesos que hay en la tierra.» - Ramón Gómez de la Serna

O ruído...

O ruído entranha-se-me na pele e abafa os meus melhores pensamentos. O ruído transfigura qualquer beleza perante os meus olhos, convertendo-a em turba, em tumulto. A violência que o ruído exerce em mim pinta a minha vida de tonalidades graves mas nada profundas. Sou eu, superficial, a tentar manter-me à tona, à espera dum salva-vidas de silêncio.

segunda-feira, junho 17, 2019

sexta-feira, junho 14, 2019

"Hoje escolho o silêncio esvaziado/Hoy elijo el silencio vacío" - Lília Tavares




Hoje escolho o silêncio esvaziado
de uma pequenina caixa.
Tão insignificante que sopro nela
o teu nome,
as letras
n
o
i
t
e
e um beijo.
A caixa é um corpo
que não sobra.


Hoy elijo el silencio vacío
de una caja pequeñita.
Tan insignificante que le soplo
tu nombre,
las letras
n
o
c
h
e
y un beso.
La caja es un cuerpo
que no sobra.

Lília Tavares, Nomes da Noite, Modocromia, 2019, p.66. (Trad. Luis Leal)

"Nomes da Noite" - Autor Desconhecido