Aqui nesta praia onde
Não há nenhum vestígio de impureza,
Aqui onde há somente
Ondas tombando ininterruptamente,
Puro espaço e lúcida unidade,
Aqui o tempo apaixonadamente
Encontra a própria liberdade.
Sophia de Mello Breyner Andresen
(para a Elsa)
dedica-te um momento
a olhar para esse atlântico,
para o farol à procura dum poeta,
para um areal de garrafas invisíveis
cheias de desejos, omissões e mar.
dedica-te um momento
a encarar o que te rodeia,
oceanos de imediato,
e barcos rumando para o obsoleto,
ignorando rumores de absoluto.
da velhice da oliveira,
florescem sonhos em frutos,
amendoeiras e um sol.
uma parcela de ocaso.
dediquemo-nos um momento
e vemos décadas que quisemos,
queremos e quereremos,
viver lado-a-lado.
entre as ruínas da obsolescência
resiste um nós, do qual nasceram eles.
de mão dada, somos imunes aos golpes,
aos gumes, à cobiça da lâmina.
como guerreiros, encontrámos a planta sagrada,
conquistámos o seu dom e untamos
na pele o seu bálsamo cicatrizante.
aqui, longe dessa praia, que nos uniu
não há destroços, nem náufragos
nem um único vestígio desta era plastificada.
aqui, onde decidimos deixar de ser um
porque a dois também se pode existir,
nada é descartável.
o nosso tempo não é deste tempo.
tu e eu
fomos feitos para durar.
20/VI/2019
"Elsa e Luis" - Foto de Ricardo Jorge |
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