O Francisco Umbral lembra-me que as gatas são os móveis mais antigos da nossa casa. A sua siamesa tinha os olhos entre o azul e o verde, a nossa, como todos os que aqui habitam, ficou-se pelo azul. Verde tem a gata cinzenta, rafeira que saiu do caixote do lixo há 16 anos porque tinha de viver a sua vida de princesa russa na nossa companhia e com a ração paga por nós. Ao contrário da siamesa, a russa é altiva e faz-se valer da sua beleza. A de Sião é e isso, simplesmente, fá-la estar. Uma é um substantivo e a outra é um adjetivo.
Vê-las envelhecer juntas após quezílias frequentes que chegaram a assanhar-se em sangue, faz-me pensar no ofício da escrita, de como pensamos que a literatura está no léxico concreto ou no qualificativo.
Não sei se alguma vez aprenderei a escrever. Mas estes bibelots peludos, que me acompanham no sofá e na janela, ensinaram-me a não prescindir da palavra, a não renunciar a substantivos, adjectivos, verbos, advérbios... Se os olhos os vêem, quem sou eu para os omitir?
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