segunda-feira, outubro 30, 2017

Bike Lane for a cat walk...

Não gosto de escrever cartas

«Não gosto de escrever cartas. Fecho-as sempre com a impressão de ter cometido alguns erros de ortografia.» in «Leviana», p.25.

Paixão Inútil...

15/X/2017

(Noite da morte de D. Dinis)

E morres deitado por dentro
e ao lado dorme a vida
do homem do outrora apaixonado.

E morres a pensar que ressuscitas
cada dia útil à rotina
a escorrer lágrimas de glicerina.

E ocultas ao espelho o medo
do dedo indicador na ferida
não reconhecida.

E a tua vontade de carregar
no
detonador.

A violência da explosão é a dor
implodida
a apodrecer numa merda 
aparente de vida
certa de morte
e indecisa se aceitará a salvação
que por estas bandas lhe foi
prometida.

O de lá 
castigo ou recompensa
ninguém sabe.

Especula-se. 
Filosofa-se. 
Profecia-se.

O de cá 
resume tanta coisa
certa como perdida.
Paixão 
inútil
ardida. 

Sartre filho da puta
militante.
Porque é que recordaste
o existencialismo da tua morte
ao artista humanista?



One more of babies and cats...

Sonho mau

Hoje de manhã não se lembrava de nada. Ainda bem. Mas, ontem à noite, teve de vir para a nossa cama para voltar a adormecer depois do que nos pareceu um pesadelo. Ficou entre mim e a sua mãe e, abraçado pelos dois, disse-lhe que era só um sonho mau, um engano nos seus pensamentos e que, quando voltasse a adormecer, só ia ter sonhos bons, com coisas bonitas e agradáveis. Pouco depois, roncava na almofada e voltou nos braços da sua mãe para as mantas da sua cama, no quarto partilhado com o irmão.


O sono e o sonho tardaram a chegar para mim, como já vem sendo habitual e os meus pensamentos ficaram naquele momento em que um ser humano confiou em mim, nas minhas palavras de placebo, nas minhas petas inocentes que, gratamente, espeto aos meus filhos. 

O seu descanso confia em mim, em nós. Sentem-se protegidos como deveriam de sentir-se todas as crianças. Armamo-nos em divindades adultas para o verdadeiro Deus da criança. É um atrevimento com consequências das quais estou ciente. Não tarda nada cairei do altar, dar-se-ão conta da humanidade e finitude do seu pai. Serei eu quem necessitará dos seus braços, da sua palmada nas costas. Verão como o protector nunca foi mais que o protegido, que nenhum homem se pode confundir com Deus e que, se Deus existe, ele saberá isso. Entretanto, vou mentindo, vou tentar meter-lhes armas nos pesadelos para que se defendam dos monstros, esses que também nos meus sonhos me vêm ver. 


sexta-feira, outubro 27, 2017

Crónica duma independência esperada e dum Halloween inesperado

Exactamente à mesma hora que, no parlamento catalão, se declarava a independência e se proclamava a república catalã, o meu filho estava a fazer os TPC.

Enquanto eu acompanhava pela televisão este momento histórico, sem saber muito bem no que pensar ao ver desenhar-se na península outra fronteira formal, o meu filho, a escolarizar-se no segundo ano da primária, debatia-se com duas páginas de letra pequena do texto “Um Halloween Inesperado” e respectiva interpretação de 7 perguntas relativas à efeméride que a globalização impôs ao mundo. Como o seu pai, o miúdo estava perplexo, perdido nos quatro parágrafos, verdadeiramente monstruosos, cheios de vocabulário interessante, no entanto para o qual ainda não está preparado e ainda não pode enfrentar com autonomia. Obviamente que me dizia:

- Papá, no entiendo esto.

A querer ver o que se passava no “parlament”, respondia.

- Lê outra vez com atenção.

Resignado, lá voltava ao texto e tentava ler independente da minha presença até que, chegado aos limites dos seus seis anos, parou para desabafar.

- No entiendo lo que tengo que hacer.

Eu tão-pouco. Na televisão via-se uma votação numa sala semivazia e, numa esquina do ecrã, um directo à praça da Catalunha com pessoas efusivas graças a uma declaração de independência feita por um colectivo que, tal como texto do meu filho, me parece uma conjugação de personagens de Halloween onde a direita burguesa e endinheirada (acagaçada, pois parece que vão acabar com o sigilo bancário em Andorra) comprou disfarces nacionalistas para uma esquerda com insígnias republicanas. Resumindo, como o puto, não tenho conhecimento político para entender esta declaração esperada por uns e inesperada por outros, e não encontro quem mo consiga explicar como deve de ser. Eis um trabalho de casa que não se deve mandar pois, ao manter-nos dependentes do conhecimento de terceiros, não promove a independência do pensamento daquele que está a aprender.  

Independência de pensamento é mais difícil de declarar nos dias de hoje por este país. Chamam-lhe de tudo. Equidistante é um dos adjectivos que se usam.

Hoje soube duma pessoa, insuspeita intelectualmente e politicamente um homem do, quase extinto, Partido Comunista Espanhol, que fez uma questão retórica no seu mural do Facebook: “Será o nacionalismo compatível com a esquerda?”. Parece que gente da sua família a viver na Catalunha optou por responder, cortando os laços que os uniam, com um lacónico “impresentable”. Insulta-se quem faz perguntas. É o mais fácil. Elimina-se a procura da verdade e instaura-se um recolher obrigatório de toque inquisitorial, porque a fractura social, já é mais do que evidente.

A resistência não se faz com sabedoria. Faz-se com a teimosia dum chefe de estado desgastado, também ele meio-zombie, que não levou a sério o que, desde o principio da crise económica, têm sido gritos para ouvidos moucos. Assim é o Sr. Rajoy. Assim se deixou cair na esparrela do “referendo” ridículo, tornado sério graças às cargas policiais de forças de segurança alheias ao problema político “in loco”. Quem sabe se o fez para agradar a uma parte do seu eleitorado que qualquer democrata não se orgulharia de ter como apoiante.

Poder-me-ão apelidar de espanholista. Não me preocupo porque não me sinto leal a pátrias que não sejam raízes incrustadas de terra paternal. A única coisa que me sinto é um alentejano republicano, dum bairro de Évora, que até tomava café com um monárquico, anacrónico em regime político, mas boa gente.

Decido apagar a televisão e tentar ajudar o meu filho às aranhas com esse “Halloween” inesperado. Ainda bem que não se apercebe do que agora se vive. Vai ser difícil para ele manter esta visão do mundo, cuja inocência almeja um presente mais equilibrado do que o que actualmente vivemos. Ele, filho de pai português, mãe com dupla nacionalidade francesa e portuguesa, nascido em Espanha, que desde tenra idade sempre soube responder a questões fundamentais para a sua existência como:

- Então pá, és do Benfica ou do Sporting?

- Sou do Spiderman.

Ou, aquela pergunta inocente, cheia de estupidez sem fronteiras, que várias vezes lhe fazem:

- Gostas mais de Portugal ou de Espanha?

- Gosto dos dois.

Não gosto de TPC em excesso e que não promovem a autonomia da criança, que não lhe dão segurança no conhecimento. Não gosto de nacionalismos. Não gosto de ouvir a “Grândola Vila-Morena” entoada sem verdadeiro espírito de fraternidade, de igualdade e quando a noção de liberdade oculta interesses do poder económico e não do povo que sustem qualquer nação.

Gosto de poder deitar os meus filhos e cantar-lhe o que aprendi com o Joan Manuel Serrat, esse catalão que musicou poetas espanhóis como Miguel Hernández ou Antonio Machado, e ensinar-lhe os versos deste último: “todo passa y todo queda”.

(Esperemos que tudo passe, tudo fique melhor e não haja para aí ataques de zombies... ) 


quinta-feira, outubro 26, 2017

Atenção plena

O aspirador a dar de si com dois anos de obsolescencia programada. Chupa mal e barulho faz muito. 
Um trauteia a intro do Star Wars do John Williams e pergunta se amanhã o levo ao colégio. Outro salta para cima de mim e quer ver o que eu não me apetece. Outra pergunta porque escrevo se tenho de os ir deitar e pergunta aos outros se não ouvem o que lhes acabou de dizer. Eu, sentado no puff, penso num documentário que me apetece ver e não sei se terei corpo, atenção plena, para isso. Penso no que vivo, sinto o que penso, e sei que, por baixo de toda esta rotina, todas estas emoções, isto é o único que existe para mim. Contemplo, naquilo que é a minha vida, que a vida contemplativa é propicia ao momento, à paz, ao «mindfullness», porém é graças ao desejo que a humanidade se perpetua em descendentes. Podem não sofrer como eu, ter a mente e o corpo sintonizados com o presente, mas jamais foi a vida monástica garantia de futuro, excepto em casos de extrema hipocrisia, daquilo que é a nossa biologia. 
Assumo a necessidade de respirar enquanto aspiro na minha condição de obsolescencia programada pelo acaso.

El director de tertulia

"El director de tertulia no debe sentirse el gobernador del Café, sino una especie de electricista jefe que tiene a mano el cuadro de los conmutadores y enciende y apaga las luces según camina el drama en escena" - Ramón Gómez de la Serna, in «Pombo», p. 23.

"Zombies" por Santi

Tens seis anos e eu faço questão de não te ajudar a trazer a mochila para casa. És bem capaz de a trazeres tu sozinho. Sabes que venho ao teu lado e estou ali, mas não ta trago. Também estou próximo mas não faço os trabalhos por ti. Hoje tens seis anos, estás lá fora a brincar com o Hugo e a Carla e o mano está a roncar na sesta que tu já renegas. Acabas de terminar o texto para o Halloween que levarás amanhã para a escola. Só te disse que tinhas de pensar num final para o teu microconto e tu desenrascaste-te. 

Graças às cartas da "Guerra das Estrelas", descobriste o que significa resistência. Não sei se algum dia lerás este diário daquele que faz questão de estar ao teu lado e que te deixa trazer a tua própria mochila pois tem a certeza que não te faz mal às costas. Não sei. No entanto, se algum dia leres este "Zombies", lembra-te que foste tu, com seis anos, poucas letras e muita imaginação, que o redigiste. Espero que continues a carregar a tua própria mochila, a desenrascar-te e a seres essa criança feliz que me ajudou a resistir a ser adulto.

O mano acabou de acordar. (Isto também se aplica a ti, gordo, que, com dois anos, nem sequer me deixas trazer-te a mochila para cima).


"Hechas de la misma sustancia del tiempo" - Juan Carlos Paniagua

«Hechas de la misma sustancia del tiempo
(esa sustancia quebradiza y sutil)
las vidas humanas
vagan errantes
en órbitas dictadas por dioses
que nosotros mismos
elegimos.»

Juan Carlos Paniagua

Fi-lo sem autorização do autor e espero que não o veja como uma invasão da privacidade das suas palavras, do seu tempo. Porém, o meu atrevimento compreende a substância do imaterial, a sua tendência ao esquecimento, e não poderia deixar que estes versos, esta órbita dos nossos dias apressados no nosso posto de trabalho, não conhecessem a gratidão da partilha. Obrigado amigo Juan Carlos. És parte destes «Senderos». A tua luz discreta ilumina com força muitas vidas.

quarta-feira, outubro 25, 2017

"Verdade (literária)" - António Ferro

«A verdade nua e crua pertence aos realistas, aos homens do talho. Sou pela verdade mas pela verdade à Eça, a verdade com maillot. Entre a vida e a arte deve existir sempre uma fronteira, mesmo que seja uma fronteira de seda. Mas nessa fronteira deve passar-se livremente, sem mostrar bagagens. A verdade desempenha, às vezes, o papel antipático de guarda-fiscal. Quer saber o que se traz, o que não se traz, como é e porque não é. Solução: manter a fronteira, a imperceptível fronteira entre a vida e a arte e acabar com a Guarda Fiscal.» - António Ferro, in "Leviana", p.95.

terça-feira, outubro 24, 2017

"SH'MA"

Penso que "SH'MA" significa "escuta", se a minha memória, do pouquíssimo hebreu que sei, não me engana. Éramos putos num Festival da Canção Jovem do Catolicismo e cantávamos versos ingénuos mas de uma pureza que, tal como esta fotografia, está lá bem no fundo do baú. 
Esforço-me por recordar a canção, o seu nome, e só me sai:

"No entanto, surgiste tu
com esse teu olhar materno,
com o teu grande coração
a dizer confia em mim
e terás o mundo na mão".

O mundo na mão nunca tivemos. Nunca tive. Tínhamos fé numa padroeira de Portugal. Tinha fé num olhar materno, cuja única realidade orgulhava o da minha mãe. Lembro-me de ter cantado e de ter tido essa sensação. Porém, tal qual a nossa actuação de então, tenho o microfone trocado e espero que ninguém ouça a minha desafinação ou, se alguém a ouve, me perdoe. Ausente a fé maternal, continuo sem más intenções e orgulhoso de ter feito parte de um colectivo de jovens que se atreveu a tentar que os escutassem...   

Remorsos? - António Ferro

«- Remorsos? Entre os remorsos e as saudades dum beijo, as saudades triunfam...» - António Ferro, in «Leviana», p. 59.

segunda-feira, outubro 23, 2017

A rosa mística (Adélia Prado)



Luís, dá-te jeito este poema de Adélia Prado?


A ROSA MÍSTICA

A primeira vez
que tive a consciência de uma forma,
disse à minha mãe:
dona Armanda tem na cozinha dela uma cesta
onde põe os tomates e as cebolas;
começando a inquietar-me pelo medo
do que era bonito desmanchar-se,
até que um dia escrevi:
”neste quarto meu pai morreu,
aqui deu corda ao relógio
e apoiou os cotovelos
no que pensava ser uma janela
e eram os beirais da morte”.
Entendi que as palavras
daquele modo agrupadas
dispensavam as coisas sobre as quais versavam,
meu próprio pai voltava, indestrutível.
Como se alguém pintasse
a cesta de dona Armanda
me dizendo em seguida:
agora podes comer as frutas.
Havia uma ordem no mundo,
de onde vinha?
E por que contristava a alma
sendo ela própria alegria
e diversa da luz do dia,
banhava-se em outra luz?
Era forçoso garantir o mundo,
da corrosão do tempo, o próprio tempo burlar.
Então prossegui: “neste quarto meu pai morreu.
Podes fechar-te, ó noite,
teu negrume não vela esta lembrança”.
Foi o primeiro poema que escrevi.

Adélia Prado



"Ensinamento", outro poema, o primeiro dela que eu li. Que grande descoberta, Adélia Prado!



"Chegas tarde ao teu tempo" - Joan Margarit

Chegas tarde ao teu tempo. Palavras duras

que escuto agora como uma derrota.

Mas já não sei de nenhum combate,

nem que tempo era o meu. É uma pena

não se ser ninguém, ter errado

o comboio, ter ficado sem malas,

adormecido no banco, passar ao largo,

e achar-se agora sem roupa limpa,

cansado, num hotel reles de uma só

e má estrela, que deve ser a minha.

Prescindirei de tudo menos do poeta

que fica do desastre. Fingirei ver

que no final de contas errei o século:

isto será Paris e eu Verlaine.
(Tradutor: desconhecido)


domingo, outubro 22, 2017

"Évora" – Álvaro Valverde


Poderia ser quem sou sem ela? Todos os domingos mo denunciam que não. Este não foi exceção. O reconhecido e prestigiado poeta espanhol Álvaro Valverde, obsequiou o mestre Antonio Sáez, e este vosso amigo, com este poema dividido, em duas partes, intitulado “Évora”. Na verdade, dedicou-o à cidade branca, à cidade amuralhada que nunca ergueu fronteiras, dedicou-o todos aqueles que sentem Évora como sua cidade.

Gracias Álvaro.

1

                         Para Antonio Sáez

A três horas, dizes para ti, outro mundo.
Tão próximo, é verdade, porém tão longe
para o acaso uma fronteira justificar
a sua posição geográfica no mapa.
À medida que te aproximas, de repente uma miragem:
vês o mar confundido com o céu.
De oliveiras e de vinhas a paisagem.
E já ali, a lenta cidade branca,
presa e alheia a qualquer época.  
Idades sucessivas levantam-se
em forma de colunas e muralhas.
De praças, de conventos, de jardins
encerrados ao comum dos mortais.
E ali esse velho claustro
da universidade que foi colégio,
clausurada à força por ideias,
razão, quanto ao demais, da sua existência.
A luz aqui é tudo. Reverbera
contra os azulejos que decoram
corredores e aulas e paredes.
Rapaziada com as suas capas negras cruza
veloz as arcadas.
Por dentro cada um percorre serenos labirintos
que a pedra envelhece. Do silêncio,
estâncias amparadas pela história.
De todas é numa onde com o tempo
ficarias a viver: na biblioteca.
Se olhares para cima não parece
ser um sítio fechado. As janelas
aproximam o verde de algumas árvores.
Povoarão com os seus chilreios essas mesas
onde os estudantes leem ou escrevem
sobre madeiras nobres que suportam
o brilho artificial dos ecrãs.
Aqui ficarias, abrigado
entre muros incólumes à pressa.
Mas a realidade impõe-se. Sais,
voltas a percorrer esse caminho
que finaliza o teu périplo: grato, breve.
A três horas de carro de outro mundo.


2
                                   Para Luis Leal

Poderia outra cidade
servir de réplica
à mesma em que vives?

Que tivesse muralhas
e também aquedutos
e praças com pórticos
e restos arqueológicos
e ruas tão estreitas
como estas que transitas.

Uma cidade levítica
acompassada ao ritmo
de um tocar de sinos,
ao do que vagueia só
por caminhos labirínticos
que conduzem a um centro
que sabemos secreto.
  
Um lugar melancólico
onde a saudade fosse
uma expressão corrente.

Existe essa cidade,
ainda que sem rio,
e nela encontras hoje
a tua sublimada.
Mais serena e mais branca.
Misteriosa e, por isso,
invejável e distinta.

És ali esse homem
que sonha ser outro;
desconhecido para si,
mas o qual sentes
com tanta convicção
como a ti mesmo.
(Tradução de Luis Leal)

Nota: Este poema de Álvaro Valverde encontra-se publicado, na sua versão original, no número 51 da revista “Sibila”.


Álvaro Valverde (Plasencia, 1959) é autor de livros de poesia como "Las aguas detenidas", "Una oculta razón" (Prémio Loewe), "A debida distancia", "Ensayando círculos", "Mecánica terrestre", "Desde fuera" e "Más allá, Tánger" (estando os últimos quatro publicados na colecção “Nuevos Textos Sagrados” da prestigiada Tusquets Editores) ou "Plasencias" (editado pela De la Luna Libros). Os seus poemas encontram-se incluídos em várias antologias, sendo traduzidos a diferentes línguas. É também autor de dois romances, "Las murallas del mundo" e "Alguien que no existe", um livro de artigos, "El lector invisible", e outro de viagens "Lejos de aquí". A editora La Isla de Siltolá publicou, numa edição de Jordi Doce, "Un centro fugitivo", uma antologia que reúne poemas escritos entre os anos de 1985 e 2010. Como crítico literário, podemos encontrar as suas colaborações no prestigiado semanário “El Cultural”.

Compreender a poesia (Grant Snider - Mark Strand)



Fonte: Blogue O linguado. Dai retiro também este texto (inclui, aliás, os versos de Strand que inspiraram Snider):

"Esta pequena BD de Grant Snider (publicada no seu excelente blogue Incidental Comics - http://incidentalcomics.tumblr.com/) foi inspirada por The New Poetry Handbook, que o poeta Mark Strand (1934-2014), norte-americano nascido no Canadá, incluiu no seu livro Darker: Poems, de 1970."


E pela nossa parte, desde Senderos, acrescentamos este poema de Mark Strand:


THE HILL

I have come this far on my own legs,
missing the bus, missing taxis,
climbing always. One foot in front of the other,
that is the way I do it.

It does not bother me, the way the hill goes on.
Grass beside the road, a tree rattling
its black leaves. So what?
The longer I walk, the farther I am from everything.

One foot in front of the other. The hours pass.
One foot in front of the other. The years pass.
The colors of arrival fade.
That is the way I do it.





sábado, outubro 21, 2017

«Sim» - Clarice Lispector

Clarice Lispector publicou esta crónica há, exactamente, cinquenta anos, no dia 21 de Outubro de 1967.

Sim

Eu disse a uma amiga:
- A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
- Mas lembre-se que você também superexigiu da vida.
Sim.


quinta-feira, outubro 19, 2017

Um sítio onde pousar a cabeça

"Só quero um sítio onde pousar a cabeça” é um verso feito título dum livro de poesia do Manuel António Pina. Hoje fazem cinco anos da sua morte. Graças ao Pedro, não poderia esquecer esta data. 

Anoitece nas minhas cidades. Uma vejo-a anoitecer pela janela, a outra ouço-a ao telefone. Anoitece no meu dia. Escrevo para vaguear. Falar é difícil rotina a esta hora. Há trabalhos para deixar feitos, contas para pagar, mochilas para preparar, birras infantis por deitar. Sou eu e os meus passos sentados à frente do computador. Sou eu à procura do silêncio das teclas porque me parece que já nada me pertence, nem mesmo a mudez de todas as palavras duma criança sem entusiasmo com o presente de ser adulto.

Onde pouso a cabeça tem-se habituado às gotas de suor da minha frente e à luz frontal a pilhas da insónia contrariada em leitura. De vez em quando, a epígrafe surge-me como dádiva sublinhada de cabeceira, o resto bem poderia continuar de frontal, à mineiro, escavando por entre os baldios da minha condição.

Já anoiteceu. O Manuel António Pina morreu. “O que nos leva a escrever é o desejo de ser amados” dissera ele numa entrevista qualquer. Nunca o pensei assim, sempre foi mais o desejo de ser escutado, ouvido. Ou talvez não e esteja para aqui a confundir escrever com a forma como ganho o pão. O amor é mais importante do que a atenção.

Abandono o meu pescoço e pouso a minha cabeça no travesseiro suado de versos acarinhados, como um gato, pelo saudoso Manuel António, é a minha forma de ronronar desejo de amor, de atenção. Na verdade, numa qualquer reencarnação, não me importaria de ser um gatinho do Sr. Pina, para quem, com tanta dedicação ele escrevia.


Cinco anos sem o Manuel António Pina

«Igual ao deuses (com pouco me contento)
de livros e silêncio me alimento». 

19/X/2017 Cinco anos sem o Manuel António Pina.

Recordamos Manuel António Pina

Fotografia de Fábio Pinheiro


Recordamos Manuel António Pina não só porque morreu hoje há cinco anos, mas porque os versos dele são sempre um bom porto de abrigo, um porto onde em qualquer momento nos podemos refugiar.


OS OLHOS

O rosto que olha para trás,
o lado de fora do visível,
existe este rosto ou é apenas,
diante da infância, o olhar que se contempla?

Em ti, ó noite,
reclino a cabeça.
O que eu fui sonha,
e eu sou o sonho:

alguma coisa que pertence
a um desconhecido que morreu
que outro desconhecido (é este o meu rosto?)
fora da infância infinitamente pense.


Nenhum Sítio (1984)






terça-feira, outubro 17, 2017

Nota duma Ibéria a arder

Assim, em directo, me chegam notícias da Burinhosa, do distrito de Leiria, dos outros distritos, de um Portugal onde o fogo ceifa vidas constantemente como se fosse um fado inevitável... Não tenho espírito inquisidor de procurar culpados, porém vejo décadas de responsabilidade política neste flagelo. Irresponsabilidade de sucessivos governos, bem mais grave que uma parcela florestal desorganizada, esquecida, e por limpar de um idoso qualquer deste país que, às mãos dum centralismo egocêntrico, se vai tornando um deserto de terra queimada.

P.S. Ironicamente, queimam-se as duas regiões onde, a Elsa e eu, casámos. S. Pedro de Moel, na região Oeste de Portugal, e a Galiza. Todas as imagens e notícias que recebemos são retratos dolorosos dessa paisagem que amamos e nos une.

segunda-feira, outubro 16, 2017

Ferro sobre Ramón

"(...)Hay un nombre que nos es muy querido, y que yo y otros camaradas hemos proclamado constantemente: el nombre combativo de Ramón Gómez de la Serna, milagrosa retina de la literatura contemporánea.
(...)
Fidelino de Figueiredo, con quién conversé sobre él algunas veces, ha confundido mi admiración fervorosa, cada vez mayor, con una subordinación intelectual, que sería honrosa para mi, pero que no he visto.
Fidelino de Figueiredo es uno de nuestros mejores críticos literarios, y estoy seguro que corregirá su error después de una lectura atenta (si juzga que ello valga la pena) entre mi obra y la grande de Ramón.
Mis afinidades con Ramón son aquellas de con un escritor de mi tiempo. Cuando conocí a Ramón ya mi espíritu estaba formado y ya estaba en marcha. Lo que existirá entre Ramón y yo siempre será una estrecha camaradería, porque mi lucha en Portugal se parece a la suya en España.".


in «La Gaceta Literaria», n°29, 1 de marzo de 1928

Desligar

Desligar o botão do pensamento,
estar em silêncio
em pleno consumo
de vazio,
ajuda
a
não
avariar.

Burinhosa

Não esperava publicá-lo hoje, mas as circunstâncias de ontem assim o ditaram. Está previsto conhecer papel no meu próximo projecto “pedal(e)ar”, no entanto aqui o dedico à capital das bicicletas clássicas e de todas as "pasteleiras" de Portugal, a nobre Burinhosa, que ontem conheceu o inferno. 
Com estima, à Burinhosa, a S. Pedro de Moel, ao Pinhal de Leiria. Com estima, à família Rodrigues.  

Burinhosa

(com estima, à família Rodrigues)

Há um local onde o património do homem são duas rodas.
Onde a utopia duma freguesia
resgatou das ruínas ou do palheiro deste país
a crónica de gerações a pedalar.

Invadida por inglesas, francesas, portuguesas
restauradas, remendadas ou todas enferrujadas,
são oleadas para, num dia especial de Julho,
sentirem a veloz brisa anti-inflamatória do Atlântico
na sua biografia de selim, guiador e travões de alavanca.

Ali o sangue velho dos avós
é estimado e agradecido,
correndo orgulhoso nas veias dos netos.
Há resineiros, há varinas, há amoladores,
pedaleiras vestidas a rigor
graças a uma terra trazida
ao peito duma família.

Na Burinhosa,
no coração de Portugal,
onde do chão se erguem santuários,
se desenham beira-mares,
se cantam flores do verde pino,
se vislumbra da serra as planícies cúmplices,
exala-se o fluido evocador
das histórias
das nossas
bicicletas.



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