domingo, outubro 22, 2017

"Évora" – Álvaro Valverde


Poderia ser quem sou sem ela? Todos os domingos mo denunciam que não. Este não foi exceção. O reconhecido e prestigiado poeta espanhol Álvaro Valverde, obsequiou o mestre Antonio Sáez, e este vosso amigo, com este poema dividido, em duas partes, intitulado “Évora”. Na verdade, dedicou-o à cidade branca, à cidade amuralhada que nunca ergueu fronteiras, dedicou-o todos aqueles que sentem Évora como sua cidade.

Gracias Álvaro.

1

                         Para Antonio Sáez

A três horas, dizes para ti, outro mundo.
Tão próximo, é verdade, porém tão longe
para o acaso uma fronteira justificar
a sua posição geográfica no mapa.
À medida que te aproximas, de repente uma miragem:
vês o mar confundido com o céu.
De oliveiras e de vinhas a paisagem.
E já ali, a lenta cidade branca,
presa e alheia a qualquer época.  
Idades sucessivas levantam-se
em forma de colunas e muralhas.
De praças, de conventos, de jardins
encerrados ao comum dos mortais.
E ali esse velho claustro
da universidade que foi colégio,
clausurada à força por ideias,
razão, quanto ao demais, da sua existência.
A luz aqui é tudo. Reverbera
contra os azulejos que decoram
corredores e aulas e paredes.
Rapaziada com as suas capas negras cruza
veloz as arcadas.
Por dentro cada um percorre serenos labirintos
que a pedra envelhece. Do silêncio,
estâncias amparadas pela história.
De todas é numa onde com o tempo
ficarias a viver: na biblioteca.
Se olhares para cima não parece
ser um sítio fechado. As janelas
aproximam o verde de algumas árvores.
Povoarão com os seus chilreios essas mesas
onde os estudantes leem ou escrevem
sobre madeiras nobres que suportam
o brilho artificial dos ecrãs.
Aqui ficarias, abrigado
entre muros incólumes à pressa.
Mas a realidade impõe-se. Sais,
voltas a percorrer esse caminho
que finaliza o teu périplo: grato, breve.
A três horas de carro de outro mundo.


2
                                   Para Luis Leal

Poderia outra cidade
servir de réplica
à mesma em que vives?

Que tivesse muralhas
e também aquedutos
e praças com pórticos
e restos arqueológicos
e ruas tão estreitas
como estas que transitas.

Uma cidade levítica
acompassada ao ritmo
de um tocar de sinos,
ao do que vagueia só
por caminhos labirínticos
que conduzem a um centro
que sabemos secreto.
  
Um lugar melancólico
onde a saudade fosse
uma expressão corrente.

Existe essa cidade,
ainda que sem rio,
e nela encontras hoje
a tua sublimada.
Mais serena e mais branca.
Misteriosa e, por isso,
invejável e distinta.

És ali esse homem
que sonha ser outro;
desconhecido para si,
mas o qual sentes
com tanta convicção
como a ti mesmo.
(Tradução de Luis Leal)

Nota: Este poema de Álvaro Valverde encontra-se publicado, na sua versão original, no número 51 da revista “Sibila”.


Álvaro Valverde (Plasencia, 1959) é autor de livros de poesia como "Las aguas detenidas", "Una oculta razón" (Prémio Loewe), "A debida distancia", "Ensayando círculos", "Mecánica terrestre", "Desde fuera" e "Más allá, Tánger" (estando os últimos quatro publicados na colecção “Nuevos Textos Sagrados” da prestigiada Tusquets Editores) ou "Plasencias" (editado pela De la Luna Libros). Os seus poemas encontram-se incluídos em várias antologias, sendo traduzidos a diferentes línguas. É também autor de dois romances, "Las murallas del mundo" e "Alguien que no existe", um livro de artigos, "El lector invisible", e outro de viagens "Lejos de aquí". A editora La Isla de Siltolá publicou, numa edição de Jordi Doce, "Un centro fugitivo", uma antologia que reúne poemas escritos entre os anos de 1985 e 2010. Como crítico literário, podemos encontrar as suas colaborações no prestigiado semanário “El Cultural”.

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