Nos últimos dias, tenho ficado constantemente com a boca aberta, mas sem palavras. Pasmado. Incrédulo. Sem o mais mínimo sentimento de revolta pois este está coberto de tristeza.
É fácil saber como chegámos a isto. É fácil resumir a falta de bom senso. Dinheiro e acesso ao poder.
Há doze anos atrás, com dinheiro a circular, duvido que houvesse tanto espírito independentista na Catalunha. Os orçamentos chegavam, a crise ainda não se tinha instalado e a esquerda ainda era unicamente republicana e não, incongruentemente, nacionalista. Os cidadãos catalães viviam a sua autonomia política dentro dum país com o qual pactavam muito mais que orçamentos. Não era seguramente uma Generalitat idílica, mas coexistia em unidade territorial.
Hoje viveu-se uma greve geral promovida pelo «govern», pela «próxima república». Não sei se se cantou a «Grândola» como parece que se cantou no dia 1 de Outubro em que, por estupidez do governo de Mariano Rajoy, houve mais feridos do que na revolução dos cravos.
A tristeza está a converter-se em incómodo, em não gostar que usem os valores de «em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade» quando nestas manifestações não se respeita a solidariedade ao insultar-se o que pensa de forma diferente ou, simplesmente, é tolerante. Também me incomoda o conceito de greve, quando o líder do governo, Puigmont, avisa que o dia será remunerado como numa jornada de trabalho. Nunca fiz greve assim. Esta greve não tem fundos das quotas sindicais, tem orçamento da Generalitat.
Incomoda-me ver como as forças de segurança do estado espanhol (heróis há menos de um mês, no atentado da Rambla) foram postas numa situação limite por parte dum governo central que quis agradar à linha dura dos seus apoiantes, muitos deles também com bandeiras inconstitucionais e devotos de hinos como o «Cara al sol».
Comparar a Policía Nacional e a Guarda Civil a policías políticas, como a PIDE por exemplo, só não é ofensivo porque é ridículo e já era tempo de os Mossos reconhecerem que fazem parte de um todo no qual se podem expressar livremente, mas que deveriam dar a cara e condenar a humilhação pública que os seus colegas estão a viver na Catalunha.
E vem o rei falar quando já devia ter falado, quando já deveria ter ele próprio referendado a sua hereditariedade. E vêm os políticos mandar bitaites quando todos sabiam que aquele membro estava a gangrenar.
Nunca pensei viver isto. Nunca pensei que o meu vizinho Antonio, capitão do exército espanhol, hoje me dissesse que estava de alerta caso fosse necessário deslocar-se para a Catalunha.
E cantam a nossa «Grândola» e desde Portugal há gente a apoiar esta causa fracturante só porque sim, por anti-castelhanismo, sem entenderem que Espanha não é só a história do reino de Castela, sem saberem que há uma alta burguesia catalã a querer mais controlo sobre o dinheiro e influência nas instituições. Muitos dos portugueses independentistas nem se lembram do País Basco com iguais motivos para se fracturarem do país, nem se apercebem que até a ETA está «desarmada» talvez por a sociedade basca estar economicamente bem, comparando com o resto do território.
Para memória futura, não sou espanholista, tampouco independentista. Sou um cidadão português, republicano, residente num país, que já é o seu e o dos seus filhos, cuja diversidade das nações que o compõem o fascina. Sou contra esta manipulação por parte do indepentismo catalão, contra este governo central que não está à altura deste desafio político e social, contra esta classe política que põe a verdadeira liberdade em risco. Chegados a este ponto, só há uma solução: eleições. Na Catalunha e para o governo central. E um referendo, real, controlado, se necessário por agentes da UE, sobre o futuro da Catalunha. Se não sair 100,8% e a maioria dos cidadãos for verdadeiramente ouvida, aceitarei a decisão de quem mais ordena. Até lá, por favor, não manipulem a mais bela canção da minha pátria!
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