Exactamente à mesma hora que, no
parlamento catalão, se declarava a independência e se proclamava a república
catalã, o meu filho estava a fazer os TPC.
Enquanto eu acompanhava pela televisão
este momento histórico, sem saber muito bem no que pensar ao ver desenhar-se na
península outra fronteira formal, o meu filho, a escolarizar-se no segundo ano
da primária, debatia-se com duas páginas de letra pequena do texto “Um Halloween
Inesperado” e respectiva interpretação de 7 perguntas relativas à efeméride que
a globalização impôs ao mundo. Como o seu pai, o miúdo estava perplexo, perdido
nos quatro parágrafos, verdadeiramente monstruosos, cheios de vocabulário interessante,
no entanto para o qual ainda não está preparado e ainda não pode enfrentar com
autonomia. Obviamente que me dizia:
- Papá, no entiendo esto.
A querer ver o que se passava no “parlament”,
respondia.
- Lê outra vez com atenção.
Resignado, lá voltava ao texto e
tentava ler independente da minha presença até que, chegado aos limites dos
seus seis anos, parou para desabafar.
- No entiendo lo que tengo que
hacer.
Eu tão-pouco. Na televisão via-se
uma votação numa sala semivazia e, numa esquina do ecrã, um directo à praça da
Catalunha com pessoas efusivas graças a uma declaração de independência feita
por um colectivo que, tal como texto do meu filho, me parece uma conjugação de
personagens de Halloween onde a direita burguesa e endinheirada (acagaçada,
pois parece que vão acabar com o sigilo bancário em Andorra) comprou
disfarces nacionalistas para uma esquerda com insígnias republicanas. Resumindo, como o puto,
não tenho conhecimento político para entender esta declaração esperada por uns
e inesperada por outros, e não encontro quem mo consiga explicar como deve de
ser. Eis um trabalho de casa que não se deve mandar pois, ao manter-nos
dependentes do conhecimento de terceiros, não promove a independência do
pensamento daquele que está a aprender.
Independência de pensamento é
mais difícil de declarar nos dias de hoje por este país. Chamam-lhe de tudo.
Equidistante é um dos adjectivos que se usam.
Hoje soube duma pessoa,
insuspeita intelectualmente e politicamente um homem do, quase extinto, Partido
Comunista Espanhol, que fez uma questão retórica no seu mural do Facebook: “Será
o nacionalismo compatível com a esquerda?”. Parece que gente da sua família a
viver na Catalunha optou por responder, cortando os laços que os uniam, com um
lacónico “impresentable”. Insulta-se quem faz perguntas. É o mais fácil. Elimina-se
a procura da verdade e instaura-se um recolher obrigatório de toque inquisitorial,
porque a fractura social, já é mais do que evidente.
A resistência não se faz com
sabedoria. Faz-se com a teimosia dum chefe de estado desgastado, também ele meio-zombie, que não levou
a sério o que, desde o principio da crise económica, têm sido gritos para
ouvidos moucos. Assim é o Sr. Rajoy. Assim se deixou cair na esparrela do “referendo”
ridículo, tornado sério graças às cargas policiais de forças de segurança
alheias ao problema político “in loco”. Quem sabe se o fez para agradar a uma
parte do seu eleitorado que qualquer democrata não se orgulharia de ter como
apoiante.
Poder-me-ão apelidar de
espanholista. Não me preocupo porque não me sinto leal a pátrias que não sejam
raízes incrustadas de terra paternal. A única coisa que me sinto é um alentejano
republicano, dum bairro de Évora, que até tomava café com um monárquico,
anacrónico em regime político, mas boa gente.
Decido apagar a televisão e
tentar ajudar o meu filho às aranhas com esse “Halloween” inesperado. Ainda bem
que não se apercebe do que agora se vive. Vai ser difícil para ele manter esta visão do
mundo, cuja inocência almeja um presente mais equilibrado do que o que actualmente
vivemos. Ele, filho de pai português, mãe com dupla nacionalidade francesa e
portuguesa, nascido em Espanha, que desde tenra idade sempre soube responder a
questões fundamentais para a sua existência como:
- Então pá, és do Benfica ou do
Sporting?
- Sou do Spiderman.
Ou, aquela pergunta inocente,
cheia de estupidez sem fronteiras, que várias vezes lhe fazem:
- Gostas mais de Portugal ou de
Espanha?
- Gosto dos dois.
Não gosto de TPC em excesso e que
não promovem a autonomia da criança, que não lhe dão segurança no conhecimento.
Não gosto de nacionalismos. Não gosto de ouvir a “Grândola Vila-Morena” entoada
sem verdadeiro espírito de fraternidade, de igualdade e quando a noção de
liberdade oculta interesses do poder económico e não do povo que sustem
qualquer nação.
Gosto de poder deitar os meus
filhos e cantar-lhe o que aprendi com o Joan Manuel Serrat, esse catalão que
musicou poetas espanhóis como Miguel Hernández ou Antonio Machado, e
ensinar-lhe os versos deste último: “todo passa y todo queda”.
(Esperemos que tudo passe, tudo
fique melhor e não haja para aí ataques de zombies... )
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