"Só quero um sítio onde pousar a cabeça” é um verso feito título dum livro de poesia do Manuel António Pina. Hoje fazem cinco anos da sua
morte. Graças ao Pedro, não poderia esquecer esta data.
Anoitece nas minhas cidades. Uma vejo-a anoitecer pela janela, a outra ouço-a ao telefone. Anoitece no meu dia. Escrevo para vaguear. Falar é difícil rotina a esta hora. Há trabalhos para
deixar feitos, contas para pagar, mochilas para preparar, birras infantis por deitar. Sou eu e os meus
passos sentados à frente do computador. Sou eu à procura do silêncio das teclas
porque me parece que já nada me pertence, nem mesmo a mudez de todas as
palavras duma criança sem entusiasmo com o presente de ser adulto.
Onde pouso a cabeça tem-se habituado às gotas de suor da
minha frente e à luz frontal a pilhas da insónia contrariada em leitura. De vez em quando, a epígrafe
surge-me como dádiva sublinhada de cabeceira, o resto bem poderia continuar de frontal, à
mineiro, escavando por entre os baldios da minha condição.
Já anoiteceu. O Manuel António Pina morreu. “O que nos leva
a escrever é o desejo de ser amados” dissera ele numa entrevista qualquer. Nunca
o pensei assim, sempre foi mais o desejo de ser escutado, ouvido. Ou talvez não e
esteja para aqui a confundir escrever com a forma como ganho o pão. O amor é mais importante do que a atenção.
Abandono o meu pescoço e pouso a minha cabeça no travesseiro
suado de versos acarinhados, como um gato, pelo saudoso Manuel António, é a minha forma de ronronar desejo de amor, de atenção. Na verdade, numa qualquer reencarnação, não me importaria de
ser um gatinho do Sr. Pina, para quem, com tanta dedicação ele escrevia.
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