quarta-feira, junho 29, 2016

Correspondência ao mar (Vitorino Nemésio)

Ilha Graciosa



CORRESPONDÊNCIA AO MAR

Quando penso no mar
A linha do horizonte é um fio de asas
E o corpo das águas é luar,

De puro esforço, as velas são memória
E o porto e as casas
Uma ruga de areia transitória.

Sinto a terra na força dos meus pulsos:
O mais é mar, que o remo indica,
E o bombeado do céu cheio de astros avulsos.

Eu, ali, uma coisa imaginada
Que o Eterno pica,
Vou na onda, de tempo carregada,

E desenrolo...
Sou movimento e terra delineada,
Impulso e sal de pólo a pólo.

Quando penso no mar, o mar regressa
A certa forma que só teve em mim ‑
Que onde acaba, o coração começa.

Começa pelo aro das estrelas
A compasso retido em mente pura
E avivado nos vidros das janelas.

Começa pelo peito das baías
A rosar-se e crescer na madrugada
Que lhe passa ao de leve as orlas frias.

E, de assim começar, é abstrato e imenso:
Frio como a evidência ponderada.
Quente como uma lágrima num lenço.

Coração começado pelos peixes,
És o golfo de todo o esquecimento
Na minha lembrança que me deixes,

E a rosa dos Ventos baralhada:
Meu coração, lágrima inchada,
Mais de metade pensamento.

Vitorino Nemésio



terça-feira, junho 28, 2016

Lagoa das Sete Cidades (25/VI/2016)

São Miguel (Açores), 24/VI/2016

Um dia estranho. Deito-me com o rádio a anunciar uma possível vitória do "sim" à União Europeia e acordo com um "não" num cenário real de "Brexit".  Curiosamente a minha intuição dizia-me que isso ia acontecer.
Voo para São Miguel nos Açores e em Ponta Delgada apercebo-me que ser insular não é diferente de peninsular. Agarramo-nos ao que temos. Nós aos Pirinéus que nos colam à Europa e o povo açoriano uma língua (herdada de tanto povo por esse sul de Portugal) que o une ao continente.
"Tranquilo"  foi uma das palavras que mais me disseram neste dia. Lembrei-me tantas vezes do Algarve da minha família, de pescadores e gente que vive do turismo, da Galiza com as suas hortênsias, da Holanda com as suas vacas e queijinho que me aumentam os trigliceridos. Lembrei-me que a distância não interessa, muito menos o conceito de quilómetros.
Fui à procura do Vitorino Nemésio e não o encontro em nenhuma das poucas livrarias que visito.
Fui aos Açores, a uma das suas nove Ilhas, depois de anos a pensar que talvez não fosse possível conseguir forma de poder fazê-lo. 
Durmo à beira da Lagoa das Sete Cidades. Há uma neblina constante num silêncio verdejante. Por momentos, pensei que a natureza no seu esplendor se aproxima a isto. Durou pouco. À meia-noite um carro, tipo "tunning" aproximou-se da autocaravana que tenho alugada para a minha família e, com acelaradelas acéfalas e música altíssima para intimidar, me relembrou que nem no paraíso se deve baixar totalmente a guarda. Apesar da minha intuição com o "Brexit", hoje poderia ter acontecido algo grave por ter descuidado o meu instinto de sobrevivência... Tenho sorte por aprender esta lição a escrevê-la neste diário. Perdoem-me a expressão, apesar da sinceridade, com os ingleses fora da UE passo bem, mas com a minha mulher e filhos assustados (ou, nem quero imaginar, outro tipo de intenções) despertam-me um lado capaz de fazer coisas que a minha razão não escreveria aqui.

terça-feira, junho 21, 2016

Os Nossos Santos (in revista "Mais Alentejo" nº133)


Os Nossos Santos (in revista "Mais Alentejo" nº133)

Duas das cidades mais importantes no meu percurso de vida adoptaram São João como um dos patronos lá do burgo. As respectivas feiras anuais de S. João/S. Juan, celebradas em simultâneo, atestam a devoção ao profeta e ao solstício de verão.

Ao contrário destas cidades, não tenho devoções ou, se existem, sou incapaz de identificá-las. Se tenho alguma coisa parecida a uma veneração hagiográfica, patrono, simpatia assumida, condição de fã, é apenas aos atributos que associo a qualidades humanas, as que verdadeiramente prestam contas.

Em Espanha ainda se guarda a tradição “de tu santo”. Isto é, o dia dedicado ao santo que, graças a quem te deu um nome ao nascer, também é o teu dia. Apesar de não terem nascido nesses dias, vou dar-vos um exemplo concreto, os dias 25 de Julho e 3 de Dezembro também são os dias dos meus filhos. Santiago e Xavier. Agrada-me reconhecer história de peregrinos e missionários nos nomes dos meus filhos, a sua mãe e eu escolhemo-los por isso. 

Porém, a história do meu nome não tem nenhuma hagiografia consciente por detrás. Tem o avô do meu pai. O meu bisavô Luis (sem acento agudo, por favor). Nunca o conheci. Morreu 6 anos antes de eu nascer. Tinha olhos azuis e os seus genes recessivos, passadas três gerações, recordam-se únicos nos meus olhos.

Há também quem diga que herdei mais do que os olhos do meu bisavô. Quem o conheceu, e me conhece bem, diz que o Luis (também sem acento, se faz favor) do final do século XX e princípio do século XXI se parece muito em carácter ao Luis do final do século XIX e que viveu no século XX o Portugal da monarquia, do regicídio, da 1ª República, do Estado Novo e morreu em liberdade, mas sem nenhum tipo de ilusões floridas pelos cravos de Abril.

Comecei esta crónica a pensar que iria escrever sobre vidas de santos canonizados e institucionalizados em Portugal e Espanha. Esse era o meu objectivo. Até, quem sabe, tentar dar um lamiré sociológico à religiosidade de cada um dos países, se somos mais matriarcais ou patriarcais, ou ambos, dependendo em que parte do território da península estejamos. Sei que há devoções a arrastarem-se de joelhos, outras de mãos cheias de sangue na primavera pascal com pregos de agonia, mas também devoções que não podem cantar, nem querem, a esse “Jesus do madeiro, mas sim ao que caminhou no mar”. Ao sentir-me inútil a dissertar sobre algo tão íntimo como a fé do outro, acabei por me encontrar na memória dos meus.

Critico-me frequentemente por tropeçar no passado. Não tenho nem idade nem pretéritos para isso. Sinto dificuldade em atribuir futuro à memória, quase sempre contaminada pela nossa interpretação do tempo. Parece-me que perde potencial criador e está totalmente ausente de entusiasmo (essa palavra consagrada no meu dicionário, pois, mais que etimologicamente, humanamente “tem Deus dentro”). O excesso de memória talvez evidencie falta de talento ou um talento especial para encaixar o passado no presente. Não sei.


“O nome é em certo sentido a própria coisa; dar nome às coisas é conhecê-las e apropriar-se delas; a denominação é o acto da posse espiritual”. Os meus pais não leram Miguel de Unamuno, apropriaram-se do nome do meu bisavô por estima e espero ainda não o ter desfigurado. No passar dos dias, no acumular de reminiscências, todos somos santos por sermos forçados a carregar as nossas histórias e as de tantos nomes dos que nos ficaram para trás. Não temos, nem carecemos, de um processo que nos reconheça uma lembrança institucionalizada. Dentro dum qualquer santuário de memória alguém nos arrasta. Uma qualquer gota de ironia genética num olhar nos perpetua. Chamo-me Luis graças ao avô do meu pai. Não sei se foi um santo, nem me interessa. Foi um homem. Essa condição basta-me. 

sábado, junho 18, 2016

"el pasado vuelve como una ola" J.L. Borges

ângulo morto

há tantos ângulos mortos por essa vida fora que só nos apercebemos da sua existência quando já estamos em cima deles ou com eles chocamos. às vezes o impacto é violento, outras um golpe de sorte.

sexta-feira, junho 17, 2016

sal da terra

sete irmãs. cinco continentes. um homem. uma pedra de sal no oceano. o economista sucumbido à humanidade objetiva da razão de ser-se humano. o rosto da humanidade obturada, a luz e a sombra do olhar do “Tião”.

o seu pai encontrou a felicidade no dever bem-feito de criar, com comida e roupas, os seus filhos. o exílio roubou-lhe o pai mas deu-lhe um mundo para fotografar.

não apareço na fotografia, apesar de lá ter estado em 2001. tenho quase a certeza do ano mas não tenho a certeza da minha honorífica causa tão invisível ao lado da sua. algo de sal na minha pele deixou, no entanto é bastante mais visível os vestígios, em pixéis, do nitrato de prata em algumas das minhas palavras.  

7/IX/2015

ao Sebastião Salgado

segunda-feira, junho 13, 2016

A música, sim a música... (Fernando Pessoa)

Fotografia de Eduardo Sousa



A música, sim a música...
Piano banal do outro andar.
A música em todo o caso, a música..
Aquilo que vem buscar o choro imanente
De toda a criatura humana
Aquilo que vem torturar a calma
Com o desejo duma calma melhor...
A música... Um piano lá em cima
Com alguém que o toca mal. Mas é música...

Ah quantas infâncias tive!
Quantas boas mágoas?,
A música...
Quantas mais boas mágoas!
Sempre a música...
O pobre piano tocado por quem não sabe tocar.

Mas apesar de tudo é música.
Ah, lá conseguiu uma música seguida —
Uma melodia racional —
Racional, meu Deus!
Como se alguma coisa fosse racional!
Que novas paisagens de um piano mal tocado?
A música!... A música...!

19-7-1934


Álvaro de Campos - Livro de Versos. Fernando Pessoa. (Edição crítica. Introdução, transcrição, organização e notas de Teresa Rita Lopes.) Lisboa: Estampa, 1993. - 190.



domingo, junho 12, 2016

É assim que gosto de estar. Junto aos meus./ Así es que me gusta estar. Con los míos.

É assim que gosto de estar. Junto aos meus. Às pessoas normais e correntes, a quem alguns se referem como povo. E ontem pude participar no mesmo dia em dois actos que celebraram, directa ou indirectamente, a língua portuguesa. O primeiro, a celebração do Dia de Portugal na Biblioteca Municipal de Elvas no ciclo de conferências “Leituras ao Sul” e, o segundo, a entrega do 2º Prémio de Poesia Hispano-Português Ángel Campos Pámpano em San Vicente de Alcántara. 

São estes “meus” que, com algum ou nenhum apoio institucional, sempre estão disponíveis para dinamizarem actividades socioculturais nas suas localidades, declamando de viva voz a qualidade do que fazem, mesmo pagando um imposto extra. O imposto da invisibilidade da cultura extraordinária que geram no seio da sua comunidade, dum interior, à qual o centralismo cultural está alheio. Não é uma queixa, é um facto. Somos mais que apenas as capitais.

Es así que me gusta estar. Con los míos. Las personas normales y corrientes, a quienes algunos se refieren como pueblo. Ayer pude participar en el mismo día en dos actos que celebraron, de manera directa o indirecta, la lengua portuguesa. El primero, la celebración del Día de Portugal en la Biblioteca Pública de Elvas en el ciclo de conferencias “Lecturas al Sur” y, el segundo, la entrega del 2º Premio de Poesía Hispano-Portugués Ángel Campos Pámpano en San Vicente de Alcántara.

Son estos “míos” que, con algún o ningún apoyo institucional, siempre están disponibles para la dinamización de actividades socioculturales en sus pueblos, declamando a viva voz la calidad de lo que hacen, incluso pagando un impuesto extra. El impuesto de la invisibilidad de la cultura extraordinaria que generan en el seno de su comunidad, en un interior, al cual el centralismo cultural se encuentra ajeno. No es una queja, es un hecho. Somos más que solo las capitales.





sábado, junho 11, 2016

Desejos (Konstantinos Kavafis)

O primeiro cemitério de Atenas



DESEJOS

Belos corpos de mortos que nunca envelheceram,
com lágrimas sepultos em mausoléus brilhantes,
jasmim nos pés, cabeça circundada de rosas –
assim são os desejos que um dia feneceram
sem chegar a cumprir-se, sem conhecerem antes
o prazer de uma noite ou a manhã luminosa.

Konstantinos Kavafis




quinta-feira, junho 09, 2016

II Premio Hispano-Portugués de Poesía Joven "Ángel Campos Pámpano"

Mañana se entregará el 2º Premio Hispano-Portugués de Poesía Joven Ángel Campos Pámpano en San Vicente de Alcántara. Se hace el 10 de Junio, Día de Portugal, y es un justo homenaje a alguien que hizo tanto por la literatura/cultura portuguesa en España. Cuando yo tenía 26 años asistí a una charla suya sobre Pessoa, el único contacto que tuve con el poeta, le saludé sin imaginar que su obra sería tan importante para mí, en especial, “La Semilla en la Nieve”. Es un honor estar en el jurado de este premio que tiene el mérito de llevar la poesía a los más jóvenes.   


Amanhã entregar-se-á o 2º Prémio Hispano-Português de Poesia Jovem Ángel Campos Pámpano em San Vicente de Alcántara. Faz-se no dia 10 de Junho, Dia de Portugal, e é uma justa homenagem a alguém que tanto fez pela literatura/cultura portuguesa em Espanha. Quando tinha 26 anos assisti a uma conferência sua sobre Pessoa, o único contacto que tive com o poeta, cumprimentei-o sem imaginar que a sua obra seria tão importante para mim, em especial “A Semente na Neve”. É uma honra estar no júri deste prémio que tem o mérito de levar a poesia aos mais jovens. 


quarta-feira, junho 08, 2016

Mãos ausentes (Diário)

Hoje li um poema cujo elemento principal eram as mãos. Algo ingénuo, como até gosto de ver em quem nem dezoito anos tem. Li e reli o poema e fiquei com a sua imagem na cabeça durante alguns momentos do dia.
Quem nasce com um coto, ou a vida lhe amputa semelhante membro, faz da ausência o seu agarre. Imagino que assim seja pelas palavras lidas nesta jovem poetisa,  com um aperto bem mais forte que o meu, mesmo com os antebraços rijos por ter levantado mais livros.
Ela não conhecerá artroses, nem terá as mãos destroçadas por amor ao outro, como Dürer. O vazio nas suas mãos não é metafórico é puro realismo.
Mesmo sem lhe ver as mãos existe tanta poesia nelas, ao ponto de prometer aqui, nestas palavras feitas diário, que não permitiria a amputação do seu lápis ou a preguiça duma ponta romba. Deixaria eu de escrever e dela seria suas mãos.
(Expresso aqui a minha vontade de traduzir o poema, mas, uma vez que este apontamento é potencialmente público, e por respeito à jovem poetisa, fá-lo-ei quando o tempo não precisar de acertos, nem de mãos...)

"Moñino Times" nº10 ("Na Brasileira" - Luis Leal)

La portada es del gran Fermín Solís, pero la ilusión de mantener este proyecto vivo es de mi amigo Antonio Carrasco (con el diseño y maquetación imprescindibles de Marta López-Hermosa). Mi granito de arena en este número del “Moñino Times” es un capítulo de un proyecto juvenil en reconstrucción. Si os apetece leer estamos “Na Brasileira”, tomando café, en buena compañía…


A capa é do grande Fermín Solís, mas o entusiasmo de manter este projeto vivo é do meu amigo Antonio Carrasco (com o desenho e paginação imprescindíveis da Marta López-Hermosa). O meu grão de areia neste número da “Moñino Times” é um capítulo de um projeto juvenil em reconstrução. Se vos apetecer ler, estamos “Na Brasileira”, a tomar café, em boa companhia… 




terça-feira, junho 07, 2016

«Papá, depois do Verão vou para a primária!»

Não sei o dia exacto, sei que foi em Setembro de 1986 que parte do que sou neste presente se começou a delinear. Era o meu primeiro dia na escola primária e o único dia que a minha mãe me levou à escola (salvo em situações de intempérie ou doenças pueris). A volta, essa, já foi por minha conta. Eram outros tempos e os quinhentos ou seiscentos metros de bairro até à entrada da escola eram familiares e eu fazia parte daquela paisagem infantil de então.

De mochila pequenita vermelha, com cadernos, livros e lanche dentro, de bata branca horrível que a minha mãe me fez usar na primeira classe, ali estava no meio de tantos outros meninos e meninas cujas vidas ficaram unidas à escola primária nº7 do Bairro da Caixa.

Esperava-nos a experiência da D. Maria de Lurdes Varandas. Mulher recta, olhos azuis à antiga a educar exigentes os filhos das conquistas de Abril. Acompanhou-nos até aos seus últimos dias na profissão, já quase no final da nossa quarta classe. 

«Ter boas bases», quantas vezes o ouvi dizer, com alguma reverência pela sua docência, aos meus pais? Se as temos academicamente, talvez lhas devamos, tanto a ela como à Florbela, uma régua de madeira que as palmas das minhas mãos nunca conheceram. O mesmo já não posso dizer da sua palma da mão na minha cara. Como antes escrevi, viviam-se outros tempos e não tenho nenhum trauma por isso, guardo apenas uma lágrima na página duma cópia, em que já começara a usar caneta, num qualquer caderno diário arrecadado em recordações.

Cresce-se por competição e oposição, mas acredito que o desenvolvimento de uma criança é mais integral, atrevo-me até mesmo a dizer íntegro, através da cooperação. O crescimento deixa um rasto de amigos, de perdas de amizades também, de cumplicidades, disputas, ínfimas coisas que, pouco a pouco, se convertem em personalidade. 

Neste dinamismo do nosso carácter, é legítimo responder - quando perguntamos a nós próprios o que somos - com uma descrição pessoal bem adjectivada e justificada pelo nosso comportamento e pela maneira como nos vemos no mundo. Trata-se de um bom exercício e já o fiz várias vezes, apesar de nunca me convencer a mim próprio de nada. No fundo, na nossa personalidade, somos outros. Somos pequenas partes dos que habitaram os nossos dias, dos que povoaram tantos momentos numa corrida existencial iniciada com um parto. 

Sou tantos outros, tantos que não vale a pena fazer uma lista, porém, hoje, sei que sou o meu filho mais velho a dizer-me que depois do Verão vai para a escola primária, sem sequer imaginar que há trinta anos exactos eu entrara na escola nº7.

Deveria contar-lhe que sou o medo de uns quantos rufiões que se metiam comigo por terem as costas quentes por irmãos mais velhos.

Deveria contar-lhe que aprendi a defender-me graças a um axioma do seu avô que me enunciava «se bates em alguém levas em casa, mas, se te deixas bater, também». 

Deveria contar-lhe que sou uns quantos primeiros amores partilhados com os melhores amigos, sem ciúmes, com cartas escritas pelo Ferna, o irmão mais velho do Carlos, já letrado, fechadas e perfumadas pelo “Axe” do seu avô, e, às escondidas, postas na mala da Ana Albano. 

Deveria contar-lhe tanta coisa que não lhe vou contar porque esse não é o seu tempo e essas paisagens humanas são apenas suas nos resíduos que deixaram em mim.

Só há uma coisa que lhe vou contar. Sou o Luís (Gémeo), sou o Nuno (Gémeo) e sou o Carlos Silva. Sou os melhores amigos que brincaram, correram, saltaram e andaram à porrada junto à linha de caminho-de-ferro da “Aparição” do Virgílio Ferreira. Sou essas crianças curiosas formadas na nº7 e que continuaram sempre juntas até que o 9ºano as separou na André de Resende.

Outros bons amigos estiveram connosco, o Caíta, o Garcia, o Carvalho, o Catarro, o Passinhas (a última vez que o vi animava bailes brejeiros por esse Alentejo fora), mas nós nunca nos separámos e fomos inseparáveis muito mais além desses nove anos de escolaridade obrigatória. 

Actualmente somos presentes de adultos diferentes, longe, com mulher, filhos, casa e carro para pagar, mas, naquela esquina do tempo, ainda somos inseparáveis. 

Depois deste Verão, o meu filho vai para a escola. Levá-lo-emos e iremos buscá-lo todos os dias. Não terá uma mochila vermelha, não será aluno da D. Maria de Lourdes Varandas, nem saberá que a minha professora era irmã do Francisco José, esse que o seu avô ouve com a guitarra a tocar baixinho, a cantar os “Olhos Castanhos”, o “Só nós dois é que sabemos” e o “Não sei que tenho em Évora” como da Évora da minha meninice agora me estou lembrando. Não levará bofetadas pedagógicas, porque o professor terá logo um processo disciplinar. E não estudará na escola primária do Bairro da Caixa que nunca sequer se chamou assim oficialmente.

Como sempre nos dizia a minha avó Rita, vou dizer-lhe para entrar com o pé direito numa escola primária pública como aquela em que tive a ventura de estudar. Que, com todas as imperfeições, é um contributo de todos para todos. De certeza, também ele encontrará uns quantos rufiões, à sua maneira aprenderá a defender-se, terá uns quantos primeiros amores, tal como bons e maus professores, mas, felizmente, terá o direito à escola e à infância, aquela que nem na memória, nem na ficção, alguma vez se repetirá.


segunda-feira, junho 06, 2016

O difícil não é ser-se poeta, é compreender-se poeta.("Leituras a Sul", Biblioteca de Elvas, 10/VI/2016)

O difícil não é ser-se poeta, é compreender-se poeta. Não me compreendo como tal, mas honra-me a responsabilidade de dar voz ao príncipe de todos os poetas, Luís de Camões.

Lo difícil no es serse poeta, es comprenderse poeta. No me comprendo como tal, pero me honra la responsabilidad de dar voz al príncipe de todos los poetas, Luis de Camoens.  

Os ciganos não andam de bicicleta porque não lhe conseguem ler a sina.
Um conjunto de raios roda livres e não há superstições que o pare.

O prazer só é culpado se for prejudicial a outrem. Se assim não for a culpa é do intelecto que não se apercebe do bem-estar que está a viver, tal não é a sua arrogância.

domingo, junho 05, 2016

Hoje é dia mundial do ambiente (5/VI/2016)

Hoje é dia mundial do ambiente. Acredito que a forma como o cidadão equilibra a sua realidade com a realidade do colectivo é uma decisão individual claramente política. Revejo-me nestas palavras de Naomi Klein: 

“Se as pessoas estão a tentar pôr comida na mesa, não vão estar preocupadas com o futuro do clima. A menos que tenham líderes políticos que expliquem como a reacção às alterações climáticas pode criar empregos (que ajuda a colocar comida na mesa) e uma sociedade mais justa.”

sábado, junho 04, 2016

O século XX foi nocauteado (Morreu Muhammad Ali)

O Super-Homem existiu, escolheu a liberdade do seu nome, teve coragem de dizer não a uma guerra injusta e, a voar como uma borboleta e a picar como uma abelha no ringue da vida, foi o maior!

Superman existió, eligió la libertad de su nombre, tuvo el valor de decir no a una guerra injusta y, volando como una mariposa y picando como una abeja en el ring de la vida, ¡fue grandioso! 



Blog Malomil: "Spinola na América"



Interessante post de António Cirurgião no seu blogue Malomil, "Spinola na América", publicado ontem. Dele retiro também a capa da revista Time.