terça-feira, junho 28, 2022

O velho mercenário do bairro suicidou-se.

Disseram-me que se suicidou, que não pôde aguentar a ausência da mulher nem a doença a espalhar-se por dentro e a apagar o homem que fora antes, durante e depois da guerra colonial. Foi o primeiro mercenário que conheci e sem sequer saber o que significava, isto é, um soldado que serve por dinheiro um governo estrangeiro. Impunha respeito e fazia-se respeitar, este antigo comando a quem nunca vi qualquer violência e que tanto estimava o meu avô. 
Sou, somos descendentes de tantos que se estão a acabar e que tiveram de lutar numa guerra sem sentido. Sinto que temos uma dívida para com as suas vidas obrigadas a irem para África matar ou morrer. A violência acompanhou-os durante a sua existência, o sonho também. Eles educaram-nos sem meias tintas, a porem-nos no nosso lugar e muitos ensinaram-nos a lutar para não termos de viver o que foram obrigados a viver. Quero acreditar que alguns conseguiram.
O velho mercenário do bairro suicidou-se. Não tenho pena nem pesar, apenas respeito como quando era pequeno e ouvia histórias da sua vida. Já nenhum exército o vai contratar, nem a sua presença vai levar as crianças a perguntarem aos seus pais: "o que é um mercenário?".


sábado, junho 25, 2022

Uma força da natureza com um coração de ouro

Começou a sua carreira no ciclismo profissional com 25 anos, depois de cumprir o serviço militar em Moçambique onde combateu numa guerra inútil que lhe deixou cicatrizes no corpo e seguramente na alma. Chamava-se Joaquim Agostinho (1943-1984) e foi o melhor ciclista português que o século XX conhecei, mas a sua gente sempre o recordará como uma "força da natureza com um coração de ouro". A sus memória continua viva no "Museu do Ciclismo Joaquim Agostinho" de Torres Vedras e nas bicicletas urbanas desta região: as "Agostinhas". A foto fala por si mesma.
Empezó su carrera en el ciclismo profesional con 25 años después de cumplir el servicio militar en Mozambique donde combatió en una guerra inútil que le dejó cicatrices en el cuerpo y seguramente en el alma. Se llamaba Joaquim Agostinho (1943-1984) y fue el mejor ciclista portugués que el siglo XX conoció, pero su gente siempre lo recordará como una "fuerza de la naturaleza con un corazón de oro". Su memoria sigue viva en el "Museu do Ciclismo Joaquim Agostinho" de Torres Vedras y en las bicicletas urbanas de esta región: las "Agostinhas". La foto habla por sí misma.


domingo, junho 19, 2022

Equilíbrio/Equilibrio Cronológico

No nosso passeio de final de tarde, o meu filho E lembrou-me de que há poucas épocas com tanto equilíbrio cronológico como esta: 9 meses dentro da barriga das nossas mães e 9 meses no mundo extrauterino. O que virá só já vai desequilibrar a nossa balança existencial...
En nuestro paseo de final de tarde, mi hijo E me ha recordado que hay pocas épocas con tanto equilibrio cronológico como esta: 9 meses dentro de la barriga de nuestras madres y 9 meses en el mundo extrauterino. Lo que vendrá ya sólo va a desequilibrar nuestra balanza existencial...

sexta-feira, junho 17, 2022

Emérito/Emérita

En el ámbito universitario (y de algunas monarquías), cuando un docente se jubila después de un vida dedicada a la enseñanza y al conocimiento, se le atribuye el estatuto de profesor emérito. Me pregunto ¿por qué no se hace lo mismo en primaria y en secundaria? ¿Acaso no hay vidas dedicadas a la enseñanza, al conocimiento e incluso a la investigación? Sí que hay, como las de D. Julián García Blanco, mi maestro y compañero, y de mi querida María Teresa Sánchez Tejedor que ahora se jubilan. No hay institución más honesta y creíble que el aprecio para otorgar estos títulos. He tenido el privilegio de contar con estos dos verdaderos eméritos y hoy, que siento una cierta "orfandad laboral" mezclada con alguna nostalgia, solo quiero darles las gracias por su amistad y ejemplo, que jamás olvidaré.

No âmbito universitário (e de algumas monarquias), quando um docente se aposenta depois duma vida dedicada ao ensino e ao conhecimento, atribui-se-lhe o estatuto de professor emérito. Pergunto-me por que não se faz o mesmo na primária e na secundária? Por acaso não há vidas dedicadas ao ensino, ao conhecimento e inclusivamente à investigação? Sim há, como as de D. Julián García Blanco, meu mestre e colega, e a minha querida María Teresa Sanchez Tejedor que agora se aposentam. Não há instituição mais honesta e credível do que a estima para outorgar estes títulos. Tive o privilégio de contar com estes dois verdadeiros eméritos e hoje, a sentir uma certa "orfandade laboral" misturada com alguma nostalgia, apenas quero agradecer-lhes pela sua amizade e exemplo que jamais esquecerei.
"Emérito/a" definición de la RAE


domingo, junho 12, 2022

Nuccio Ordine: "El intelectual de hoy tiene que decir lo que la sociedad no quiere escuchar"

A leitora tatuou...

A leitora tatuou uns versos do poeta na coxa e enviou-lhe uma foto para a posteridade das suas redes sociais. Será um exemplo de literatura à flor da pele ou de escrita puramente dermatológica? Não sei, este tipo de epidermes que não têm ou ocultam calos já pouco me interessam. 

Uma fotografia de Alekos Morianópulos

 



A velha bicicleta, uma fotografia de Alekos Morianópulos (Αλέκος Μοριανόπουλος)



sábado, junho 11, 2022

Uma fotografía de Arjan Beeftink

 


Arjan Beeftink - Riga, Latvia, 2014




Crónica: "Ensaio sobre a (minha) fronteira" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº160, p. 91)

Sempre que leio o “i” de fronteira em português parece-me que foi delineado pela identidade lusa para delimitar-se da invasiva “frontera” de Castela. Note-se que isto não tem nada de teoria, é pura mania e cada um tem as suas, como o facto de ao ter nascido em solo alentejano nunca ter sido propício a semivogais e, desde tenra idade, acostumar-me a abdicar do “i” na “mantêga”, no “lête” e no “quêjo”, o que conscientemente me afastava de algum exagero arrogante de semivogais e do centralismo impositivo de Lisboa e inconsciente me acercava à agrestia da minha paisagem e à que seria a minha “frontera”.

Não nasci na fronteira – apesar de haver quem considere Portugal raiano, ou seja, uma nação toda ela limítrofe –. Há quem veja as circunstâncias de nascer na fronteira como uma oportunidade, houve mesmo uma época em que o julgava assim, no entanto a convicção foi substituída pelas incertezas e isso leva-me a indagação: é a fronteira um lugar ou um “não-lugar” como diria o Marc Augê? Poderá alguma vez ser pátria, dado que é filha de pais separados e, em tantos casos, de pais incógnitos? Pode a fronteira advir de geração espontânea? Eis as minhas reticências quando Glória Anzaldúa enunciava a fronteira “como o único ponto da terra que contém todos os lugares do mundo”. Entendo o seu humanismo, sinto o seu lirismo, porém, para quem, como eu, não se considera um cidadão do mundo (longe está a cidadania como apanágio planetário) impõe-se o fracasso que pode ser morrer na fronteira, esse território de todos, portanto de ninguém.

Até Março de 2020, “vivia a fronteira”, essas passagens constantes e viagens no tempo graças ao diferente fuso horário entre Espanha e Portugal, com um certo idealismo a acompanhar o meu habitat raiano. Instaurado o confinamento em Espanha (possivelmente o mais restrito de toda a Europa), instaurado o medo da primeira onda de Covid em Portugal, fui obstruído e não pude prosseguir nessa perspectiva, porventura ingénua, iniciada com o Tratado de Schengen, e comecei a “pensar a fronteira”, confrontando-me com a sua dimensão contraditória, dado que esse lugar-limite é extraordinariamente ambíguo, pois tanto demarca um início como um final. Refletir sobre a fronteira (uso o singular num sentido de pluralidade) depois dos meses negros, do trauma e da vulnerabilidade a que fomos expostos há dois anos, tem sido catártico e ajuda-me a procurar esse desígnio de lugar no mundo mais além dos versos de Jorge Drexler “yo no sé de donde soy, mi casa está en la frontera” e, efectivamente, “las fronteras se mueven como las banderas”. Uma bandeira a apropriar-se de um lugar remete-me para o egocentrismo, para um etnocentrismo colonizador – passível de encontrarmos até na superfície lunar –, e para a imperiosa realidade que um lugar-limite abre e fecha e tanto se pode converter em lugar de salvação como em lugar a evitar por temor.

Adolfo García Ortega, através do apócrifo filósofo japonês Hiroshi Kindaichi, propõe uma hermenêutica da fronteira como um lugar onde ir para saciar a curiosidade (ao lê-lo lembrei-me das “casas da dúvida” – virtuosa definição – disseminadas raia fora), como um lugar proibido e imaginário, um lugar que tanto atrai como repele, indo ainda mais longe, ao enfatizar a fronteira como “um ponto de conexão estimulante”, pelo simples facto de a nossa presença ali ser um acerto ou um erro, porém algo decisivo de se saber. Como todas, a minha existência é circunstancial e permeável à incerteza. Não sei se foi um acerto ou um erro encerrar tantas vezes a fronteira terrestre luso-espanhola durante estes anos pandémicos. Intuo algumas coisas, contudo, mantenho a convicção que a ausência de fronteiras iguala as pessoas e, por outra parte, impô-las, mais do que demarcar espaços, identifica as elites, revela os seus interesses.

É difícil ser fronteiriço, exige disciplina, obriga a um equilíbrio atento, o único que permite oscilar de um extremo ao outro sem agredir, sem destabilizar, preservando uma identidade harmoniosa. Com Kindaichi medito e, como ele, atento na “transparência uma fronteira” pela qual se facilita a perspectiva. Lamento, mas neste tempo de escrita a minha fronteira não é tão diáfana como outrora, admito mesmo alguma falta de nitidez. 

"Entre duas terras"/Entre dos tierras" - Luis Leal (Fontañera/Galegos)

  



Crónica: "Ensaio sobre a (minha) fronteira" de Luis Leal (in "Mais Alentejo" nº160, p. 91)

Este “Ensaio sobre a (minha) fronteira”, talvez por cansaço temático ou alguma crise de identidade derivada de “fartura fronteiriça”, após 7 anos, marca o fim da rubrica “Entre Duas Terras”. É bastante pessoal e necessitava ser partilhado. Porém, o meu caríssimo director António Sancho permite-me enveredar por os meus “Trabalhos&Paixões” (clara homenagem ao Fernando Assis Pacheco) nas páginas da “Mais Alentejo” nº161, já nos sítios do costume, onde continuaremos a encontrar-nos sem qualquer preocupação aduaneira.

Este “Ensayo sobre a (mi) frontera”, tal vez por cansancio temático o alguna crisis de identidad derivada de “hartura fronteriza”, pasados 7 años, marca el fin de la rúbrica “Entre Dos Tierras”. Es bastante personal y necesitaba ser compartido. Sin embargo, mi estimado director António Sancho me permite seguir con mis “Trabajos&Pasiones” (claro homenaje a Fernando Assis Pacheco) en las páginas de “Mais Alentejo” nº161, ya en los locales habituales, donde seguiremos encontrándonos sin cualquier preocupación aduanera. 




sexta-feira, junho 10, 2022

Nos dice: "Odio al Principito".

Nos dice: "odio al Principito". Lo entiendo. También entiendo que la infancia es un lugar donde nunca estuvo y que no tiene el más mínimo interés en visitar.

quarta-feira, junho 08, 2022

Carlos Drummond de Andrade - Estrambote

 

ESTRAMBOTE

Tenho saudade de mim mesmo,
saudade sob aparência de remorso,
de tanto que não fui, a sós, a esmo,
e de minha alta ausência em meu redor.
Tenho horror, tenho pena de mim mesmo
e tenho muitos outros sentimentos
violentos. Mas se esquivam no inventário,
e meu amor é triste como é vário,
e sendo vário é um só. Tenho carinho
por toda perda minha na corrente
que de mortos a vivos me carreia
e a mortos restitui o que era deles
mas em mim se guardava. A estrela-d’alva
penetra longamente seu espinho

(e cinco espinhos são) na minha mão.


Carlos Drummond de Andrade



segunda-feira, junho 06, 2022

"Papi, soy fuerte. Saca una foto para acordarme."

Los vómitos eran intensos y casi que te dejaban de rodillas, pero aún así fuiste por tu pie al hospital, donde estuviste horas y te sacaron sangre por primera vez y te pusieron una via para el suero, dos botellas a las que casi contaste las gotas. Pero ni una lágrima derramaste, ni una queja salió de tu boca. Te molestaba el brazo tendido, sin embargo demostraste tener una paciente inversa a tus escasos siete años. Me pediste "Papi, sácame una foto, soy fuerte.". Aquí está. 
Estamos ya en casa, donde duermes en tu habitación, y solo puedo decirte que eres más valiente que yo, el toro más fuerte, y que solo tengo ganas de llorar, agradeciendo que afortunadamente estás (estáis) bien. Me pediste que lo escribiera. Creo que ya intuyes que apunto cosas. Ya duermes y te escucho.

Diferencia entre un vivo y un muerto

Diferencia entre un vivo y un muerto: uno es provisional y el otro es definitivo.

É avesso ao consolo...

É avesso ao consolo porque acredita que a dor lhe traz prestigio.

Mentecato

Mentecato es aquel que tiene la "mente capturada" por algo o por alguien. Casi siempre se encuentra cautivo de la estupidez o de la maldad propia y/o ajena.

sexta-feira, junho 03, 2022

World Bicycle Day

Dependo do carro, é um facto. Mas sempre que agarro nas suas chaves, obrigo-me a pensar se posso ir de bicicleta (ou a pé). Se os nossos políticos e responsáveis de urbanismo tivessem hábitos semelhantes, talvez a mobilidade sustentável fosse mais determinante em contextos como os que estamos a viver de urgência climática ou com a escalada dos preços dos combustíveis. É mais fácil culpar o Putin.
Dependo del coche, es un hecho. Pero siempre que cojo sus llaves, me obligo a pensar si puedo ir en bicicleta (o andando). Si nuestros políticos y responsables por el urbanismo tuviesen costumbres semejantes, quizás la movilidad sostenible fuese más determinante en contextos como los que estamos viviendo de urgencia climática o con la escalada de los precios de los combustibles. Es más fácil culpar a Putin.