segunda-feira, janeiro 20, 2020

Das cinzas à terra...

Um gajo começa a duvidar de umas quantas certezas pessoais da juventude. É verdade, não gosto da ideia de poluir, contaminar com a minha presença o que quer que seja, muito menos terra, ar ou água. Ser ainda mais um peso para o planeta e para a saúde pública. Era o que faltava!

Por isso, desde a época das aulas de geografia no 10°ano, com uma professora execrável que queria ser tratada por doutora, que tinha a ideia de, quando terminar o meu filme por aqui, quando aparecer no ecrã «The End», tornar-me cinza e ser por vários pontos da Península espalhado.

Tinha (e ainda posso dizer que tenho) isto em mente, porque retive em adolescente a imagem de alguns desses "macrocemitérios", típicos das grandes metrópoles (vem-me à cabeça a Cidade do México, mas não sei se é o melhor exemplo), a afectarem o solo e os aquíferos dos que ficaram vivos.

A minha preocupação com o próximo nunca contemplou perder o solo materno, perder esse lugar onde sempre um gajo quer voltar para se recuperar das maleitas de ser ter feito homem. Quando pensava em cinzas, o corpo já media a altura e pesava o peso de hoje, mas o espírito não ganhara qualquer dimensão. Estava delimitado por dois bairros e uma circunvalação. Uma dimensão bastante mais corpórea, porém, a querer paradoxalmente tornar-se pó antes de tempo e a altas temperaturas.

Mais um paradoxo nesta minha vida. Quanto mais território ocupa o que albergo no peito, mais o corpo me impele inteiriço para a terra. Para a terra-mãe. 

Não ligo demasiado a estas dúvidas. Sei que o que hoje sinto é passageiro, como o corpo, e para quê conservá-lo mais tempo do que o estritamente necessário antes de se fundir com o tempo? 

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