segunda-feira, setembro 26, 2011

O mocho e o macaco (Fernando Assis Pacheco)

Fotografia de Rosa Gambóias

Gosto muito da poesia de Fernando Assis Pacheco, leio e releio. Sente-se muitas vezes um estremecimento, um calafrio, como neste poema, "O mocho e o macaco", do seu livro Variações em Sousa (1987), que encontramos em A Musa Irregular (Assírio & Alvim, 2006), onde se recolhe a maioria dos versos escritos por Assis Pacheco. Há mais um livro, Respiração Assistida. Fica para outro dia.


O MOCHO E O MACACO

Ora uma vez um mocho diz o meu filho
que sabe todas as histórias do mundo

uma vez um mocho
o macaquinho pergunta-lhe
o que é quando se morre?
pois nada diz o mocho
morre-se praí

o macaquinho insiste
mocho e quando tu morreres?
morro nada diz o mocho
hás-de morrer tu primeiro

mas veio uma zorra e comeu o mocho
que foi para um buraco muito fundo
ninguém cantava nesse buraco
só os morcegos e mesmo esses
só se a gente lhes batesse
com uma vassoura da cozinha

o macaquinho come bananas
escapa-se ao jacaré do Amazonas
que lhe quer dar uma dentada
salta nas árvores
uma daquelas era onde estava o mocho

coitado do mocho
não viu a zorra ao pé da carvalheira
morre-se praí
morre-se num instantemente de nada

morre-se a morte mocha
sem a gente dizer ai



1 comentário:

Luis Leal disse...

Belo poema... "morre-se praí" efectivamente...
Abração,