LISBOA-1971
O chofer de taxi queixava-se da vida.
Ganha 400$00 por semana, o patrão conta
que ele se arranje do a mais com as gorjetas.
Os meus amigos morrem de cancro,
de tédio, de páginas literárias,
vi um rapaz sem as duas mãos que perdeu
na guerra (e o ortopedista ria-se de que ele
só queria por enquanto «calçar» uma das
que, artificiais, lhe preparou tão róseas).
As pessoas esperam com raiva surda e muita paciência
o autocarro, aumento de ordenado, a chegada
do Paracleto, bolsas de sopa do convento.
Mas o chófer de taxi contou-me que
discutira com um asno e lhe dissera:
«...V. que nesse tempo andava a fugir
de colhão para colhão de seu pai
para ver se escapava a ser filho da puta...»
E é isto: andam de colhão para colhão
a ver se escapam – e muitos não escapam.
E os outros não escapam aos que não escaparam.
Lisboa, 5 Agosto 1971
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