segunda-feira, fevereiro 03, 2014

Drummond e O'Neill



Só pelo acaso é que aparecem aqui estes poemas de Drummond e O'Neill. Bem-vindos sejam sempre estes dois poetas às nossas mãos.


JANELA

Tarde dominga tarde
pacificada como os atos definitivos.
Algumas folhas de amendoeira expiram em degradado vermelho.
Outras estão apenas nascendo,
verde polido onde a luz estala.
O tronco é o mesmo
e todas as folhas são a mesma antiga
folha
a brotar de seu fim
enquanto roazmente
a vida, sem contraste, me destrói.

Carlos Drummond de Andrade

Lição de coisas (1965)


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TOMA TOMA TOMA

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra,
contundentes, contundidos, esmocados,
com vozes de cana rachada e um toma toma toma
de quem não usa a moca para coçar os piolhos,
mas para rachar as cabeças.

O padreca, o diabo, a criadita,
o tarata, a velha alcoviteira, o galã
e, às vezes, um verdadeiro rato branco trapezista,
tramavam para nós a estafada estória
da nossa própria vida.

Mundo de pasta e de trapo
que armava barraca em qualquer canto
e sem contemplações pela moral de classe
nem as subtilezas de quem fica ileso
desancava os maus e beijocava os bons.

Ainda prefiro os bonecos de cachaporra.

Ainda hoje esbracejo e me esganiço como esses
matraquilhos da comédia humana.

Alexandre O'Neill

A saca de orelhas (1979)





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