terça-feira, agosto 12, 2014

O Clube dos Radialistas Aposentados

Em direto com o 1º Ministro, depois de sermos louvados pelo Presidente da República.
O primeiro gravador de k7s que tive na vida foi uma herança partilhada com a minha irmã. Era um daqueles metálicos com um deck e uma coluna plana, de som mais que Mono e sem perspectivas de Stereo. Fora uma transição das mãos do meu pai (que o comprara com restos do soldo do ultramar) para as minhas e as da minha irmã Ana. Aí ouvíamos as nossas k7s, algumas originais como a do Cat Stevens ou dos Beatles (o álbum “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”!), gravávamos outras à beirinha da rádio (de indicador e médio ágeis para carregar no play e rec simultâneos), sempre desejando que o locutor não falasse e interrompesse a melodia para dizer “Rádio Jovem” em noventa e qualquer coisa FM.

As rádios locais, algumas piratas, eram o mais global que aquela juventude tinha na época e a rádio da minha terra era um espectáculo! Era bem jovem para aquela cidade branca que pouco mais oferecia a quem lá vivia, o que talvez fosse muito… Se estivéssemos numa de fraternidade, direccionavam-se as antenas para Espanha e gravavam-se os programas dos “40 Principales” o que nos abria as portas para algo mais que os “La Frontera”.

Lá para os idos de 1988, depois de termos visto, num VHS do videoclube, o “Bom Dia Vietnam”, com um então desconhecido Robin Williams para nós, a minha irmã e eu desgravámos umas quantas k7s BASF que o meu pai lá tinha e emulávamos a voz do original locutor do filme no velho e roufenho gravador: “BOOOMMM DIA ÉVORAAAAA!!!”.  
A programação era variadíssima, desde anúncios escatológicos com caca de cão nos “perdidos&achados” (o que confirma a tese do Gato Fedorendo que uma piada com cocó faz sempre rir e que aquelas duas crianças já então o subscreviam), atuações, ao vivo e em directo da minha irmã, de temas atualizados do Paco Bandeira (“sou contrabandista de drogas bem fortes, heroína, cocaína”…), anedotas à velhos dos Marretas, e, obviamente, a não nos faltar no catolicismo de bairro operário, as orações ao anjinho da guarda, de inspiração, quiçá, no terço hertziano em directo de Fátima da RR, com a supervisão, sempre cristã, da minha mãe (tipo Vítor Melícias ou o do apresentador do “70x7” cujo o nome não me lembro e não me apeteceu ir confirmar à net).

As k7s eram giras. Os nossos programas nem tanto. Eram às cores. Amarelas, laranjas, roxas até. Com a modernidade a caminhar para o Stereo e Dolby Surround perdeu-se o encanto colorido pelo preto e branco e, na melhor das hipóteses, lá se encontrava uma transparente a verem-se as bobines, sempre prontas a serem rebobinadas por uma Bic ou Molín sempre à mão.

A ironia de uma tarde a vermos o filme do Robin Williams, ou de esta tarde em que a sua morte me fez rebobinar a minha vida, encontra-se num espólio radiofónico perdido de uma infância feliz, numa irmã ex-locutora de rádio (que o continuará a ser por vocação) e num gajo que se continua a rir com uma piada que meta caca à mistura e sabe que nunca chegará aos calcanhares de um professor como o John Keating.

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