domingo, julho 12, 2015

A DIGNIDADE - Ángel Campos


enquanto possa pensar-te
não haverá esquecimento

ainda se chamas
acudo a ti
fluo desde a minha mão
à mão que estendes desvalida
e entro no teu abraço
com o temor que engendra o medo

mas vou à tua procura
acudo a ti oferecendo-me
como animal sedento
que focinha na lama

acudo a ti
ascendo à tua respiração
fragmentado rumor que é puro abismo
sulco aberto na rocha
                                               leito seco

que oculta a água
a mesma que agora eu
acerco até aos lábios gretados
por mitigar apenas
a febre que humedece
a nítida brancura dos lençóis

acudo a ti
ao teu recolhimento
à untura que acalma os teus joelhos
à pausa limpa da tua voz
entrecortada
por ver se o que um dia disseste
poderá ser dito
de novo com a mesma dignidade

porque tu bem sabes
                                               há palavras
que duram muito mais que a queda

por isso hoje acudo a ti
à tibieza do teu sangue
à tersa pele que cobre as tuas pernas
acudo a ti
ao nada
                retido o alento
da tua voz que me fala
até fazer-se em mi
                               certa

a palavra que dura
legível na sua mudez
suspensa nos lábios
e escrever com ela
a minha biografia

sei que enquanto possa dizer-te
não haverá esquecimento
que do espaço do teu nome
há de brotar
abertas as suas duas sílabas
a semente na neve


[Trad. Luis Leal]

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