segunda-feira, agosto 31, 2015

infância a boiar

o meu filho sussurra à gata uma qualquer coisa de cumplicidade felina. de gatas, num verão deitado no chão, pergunta-me se os seus olhos são diferentes. verdes escurridiços. brinquedos à bolina num tapete deserto de mar. sem o saber, há uma terra ao alcance desta criança. a de uns braços decididos a amarem-no, sem muros, na paz de um lar ainda de manhã. o conhecimento das farpas do arame chegam-lhe da descoberta pueril, brincadeira de campo, na divisória da noite aconchegada de lençóis de uma mãe e do dia que com ele cresce.
a terra inalcançável, à deriva na piedade de dedos suados de ecrãs simultâneos. tem-se pena em rede. não se é possível pulsar um don't like numa infância a boiar. legitimamente, refugiamo-nos no quotidiano da nossa distância, na segurança circunstancial de terra pisada por acaso. arrasta-se a rede, puxa-se sem descanso. arrastões de boas intenções, rolhadas no hermetismo, na censura sem sociedade ponto verde, duma qualquer garrafa perdida.
os olhos desta gata não vêem o cadáver que a rede me arrasta. ausentes dos pixeis estão os meus filhos. um sonha, outro brinca. porém não consigo deixar de os ver ali, a boiar.


Nota: A imagem está propositadamente "extra-largo" por a vergonha que me produz. Afogo-me com ela, consciente da impotência do verbo...  

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