"Lembro-me quando descobri que a
família Afonso não se esgotava no gesto de fidelidade e inconformismo de quem
não esquece Abril. Era adolescente, como a maioria dos que estão nesta sala, e
também eu procurava um lugar no mundo. Hoje sei que o João Afonso é tão meu
como o Zeca foi, e é, dos meus pais.
Tive a sorte de crescer com esta banda
sonora familiar de dignidade pela condição humana. Fui um jovem de “Missangas”,
naveguei num “Barco Voador”, encontrei em “Zanzibar” as amizades de sempre,
descobri o lado agridoce de ter uma “Outra Vida” (e uma outra língua) e,
ultimamente, chego à conclusão que “Sangue Bom” é esse sangue arraçado que não
conhece fronteiras porque nas veias só se leva a geografia dos afectos.
Vivemos tempos desalmados. A música
do João tem alma e faz deste mundo um melhor sítio para sermos pessoas. O
sentido que tenho da vida ao som da sua voz leva-me para essas pequenas grandes
coisas: um café, a caruma dos pinhais de maresia, um burro, uma viola e um cão
convertidos num abraço peregrino na paz de Santiago.
Contar com o João Afonso aqui é poder
dizer aos meus filhos (e talvez a alguns dos meus alunos) que mesmo que
naufraguemos das estrelas sempre teremos o barco voador das nossas infâncias
para nos socorrer.
Tenho a esperança que, hoje, nesta
sala que em Badajoz fala português, fique algo mais que a língua da lusofonia.
Que fique um pedaço de tempo feito semente de que vale a pena sonhar…".
(Texto de apresentação do concerto do
João Afonso em Badajoz)
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