domingo, novembro 15, 2020

Aprender um poema de cor...

Nunca fui bom a decorar o que quer que seja. Ainda hoje, com tantos anos de profissão, me resisto a saber a lista de preposições de cor. Para que algo penetre para além da armadura dos dias, da viseira do quotidiano, e chegue ao coração ou à alma, se é que a tenho, tem de me conquistar e isso tanto acontece com as preposições, com as equações de primeiro grau, com as datas, com os ismos, com o que quer que seja. Tenho de compreender porque devo ceder e, muitas vezes, recebo quem conquista a minha atenção (e porque não o coração) com honras dos mais altos dignitários. Assim foi hoje, com um pormenor que decorei e cujo interesse fora de mim seguramente dissipar-se-á nesta nota de Novembro.
Porém, o Pedro (que hoje o Santi relembrou gostar tanto de música...) escreveu por aqui um excerto de uma entrevista de Sophia de Mello Breyner sobre que as crianças deveriam decorar um poema e ser essa tarefa digna de abrir as portas, por exemplo, de uma universidade. Reconheço as boas intenções desta tradição herdada da mais erudita cultura clássica, helénica, como só Sophia nos pôde transmitir. O certo é que eu sou péssimo a decorar poemas e pouco ou nada memorizei que não fossem aliterações  típicas da lírica galaico-portuguesa, das cantigas de amigo e que as albas e os ventos me conquistaram mais depressa do que o próprio texto.
A língua de um povo deve ser cuidada, deve ser polida e não deve ser apanágio de uns quantos privilegiados, a poetisa tem razão, mas eu nunca obrigaria ninguém a decorar poemas, nem a nada que não compreenda. E compreender é sentir por mais antagonismo que os poetas queiram conferir aos verbos. 
Os versos a martelo podem soar bem, podem impressionar auditórios, ser brilharetes e até serem algo lúdicos para miúdos e graúdos, mas são como o vinho feito com a mesma técnica, dá para o gasto, o que não lhe confere exactamente o mesmo estatuto de vinho.
Antes afligia-me um pouco tão pouco saber de cor os grandes vates. Hoje apenas me preocupa continuar disponível para os ler, para os compreender e, se assim for possível, algo sentir... 

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