quarta-feira, dezembro 12, 2007

Ibéria submergida…


Nos últimos tempos tenho lido, visto e falado com muita gente sobre o papel que têm duas nações históricas no contexto mundial. Trata-se dos rebeldes irmãos Portugal e Espanha, o “Abel e Caim” ibéricos.

Muita tinta tem corrido por esses jornais e muitas teclas premidas em blogs de “opinion-makers” que contribuem com o seu ponto de vista para o debate de algo que já é quase intemporal.

Como se sabe, Portugal é o país europeu com as fronteiras físicas definidas há mais tempo, desde 1249, e Espanha, como a conhecemos (apesar de ser um mosaico de outras nações) é um conceito, quanto a mim, mais politico que cultural (remeto-vos para a eterna discussão se é politicamente mais correcto falar “espanhol” ou “castelhano”, isto só para abordar a questão de uma forma simplista, pois muito mais haveria que mencionar!).

Curioso é o facto de, actualmente, o tema da união federal da Península Ibérica estar na ordem do dia (creio que este tema tem “timings” próprios que muito pouco têm que ver com as suas reais intenções). Vozes sonantes de ambos os contextos culturais, ou apaixonados por este canto ibérico, têm emitido as suas opiniões sobre este tema, muitas delas com um interesse intelectual profundo que serão enunciados interessantes para estudar num futuro que será certamente incerto.

José Saramago, o “Nobel” luso, amado e odiado escritor, residente na ilha Espanhola de Lanzarote, é um dos apoiantes de uma hipotética união federal Ibérica. Será possível? Será viável?

Durante muito tempo, partilhei este ponto de vista argumentando com todos os recursos que pensava serem úteis para este tema e, acima de tudo, seriam positivos para o desenvolvimento integral de todas as nações presentes neste ponto geográfico. Actualmente, apesar de não ter mudado totalmente o meu ponto de vista, sou mais cauteloso com os meus argumentos e busco mais informação e experiência de vida para poder opinar sobre tão fascinante tema.

Também outro grande escritor, para mim o maior da literatura portuguesa (cujo pensamento me tem influenciado em inúmeros campos do domínio humano), no inicio do século passado, escreveu algo sobre um possível “casamento” político ibérico. Pouca gente tem conhecimento deste facto, mas trata-se de Fernando Pessoa e o seu arguto pensamento é de uma lucidez claríssima que me deu bastante que reflectir. Nas suas palavras não posso afirmar se é ou não um iberista, creio que seria algo “inconclusivamente” ofensivo, para com um intelectual que tenta reflectir sobre este tema da forma mais isenta possível, onde não há espaço para nacionalismos exacerbados. Daí que transcrevo as suas palavras:

“Para uma união ibérica de qualquer espécie, seja essa espécie qual for, três cousas são essenciais, e sem elas nada se poderá fazer, e antes de elas se fazerem é inútil pensar em qualquer aproximação. Essas três cousas são:

1º a abolição da monarquia em Espanha;

2º a separação final da península nas suas três nacionalidades essenciais – a Catalunha, Castela e as províncias que conseguiu submergir na sua personalidade, e o estado galaico-português.

É absolutamente impensável a solução do problema ibérico sem ser por uma federação; é impensável a federação com a constituição desigual, anti-natural, viciosa e falsa, dos estados ibéricos actuais.”

Pessoa formula o seu pensamento anos antes de acontecimentos históricos marcantes do século XX como a 1ª república e a guerra civil espanhola, o estado franquista, a revolução de Abril lusa e a transição para a democracia em Espanha, com um retorno “imposto” da monarquia. No entanto, o meu caro leitor nota a actualidade das suas premissas.

Segundo a minha óptica alguns pontos são mais possíveis de câmbio que outros. Vejamos.

1º Abolir a monarquia em Espanha. Creio que será algo inevitável, apesar da figura régia, por enquanto, reunir algum consenso entre os espanhóis, mas o reinado de Juan Carlos não será vitalício e um dia os espanhóis terão de eleger, entre si, se se identificam mais com uma monarquia ou com um sistema republicano. Símbolo por símbolo (rei ou presidente) creio que os espanhóis optarão por algo que não dependa de um direito de nascença.

2º Separação das nacionalidades ibéricas. Aqui Pessoa não contou com algo fundamental e com uma identidade cultural antiquíssima, impermeável durante séculos a influências culturais externas, o País Basco, que, quanto a mim, tem um peso tão importante quanto o estado catalão.

Apesar de uma génese comum, principalmente linguística, não acredito na ideia de um estado galaico-português, uma vez que, por diversas circunstâncias, a Galiza não tem um percurso paralelo com a identidade lusa, pois Portugal não é apenas a zona norte do Douro. Algo também muito interessante que poderá ser comum a Portugal e Galiza, após a sua formação enquanto entidades distintas, é a sua vocação emigrante, algo que poderá ser um factor interessante, muito baseado na sua “litoralidade atlântica”. Note-se que a comunidade galega, por exemplo, nos Estados Unidos, sempre esteve muito próxima da comunidade lusa. Aí está algo muito interessante que nunca se analisou em profundidade (pelo menos que eu saiba).

Por último, e aqui não poderia estar mais de acordo com a mundivisão de Pessoa, teria que existir uma constituição comum, justa, que não privilegiasse uns estados em detrimento de outros. Como sabemos é algo difícil, quase impossível para os que acreditam pouco na utopia, uma vez que as concentrações de riqueza são claramente díspares e não são uniformes, basta olhar para a actualidade e ver que não se trata de apenas nacionalismos… a economia é sempre mais forte.

Imagino como seria se existisse essa união ibéria. Provavelmente teríamos mais força política e económica no contexto da Europa, mas talvez teríamos ainda mais assimetrias regionais, com os eternos desfavorecidos, secos, desertificados, áridos, esquecidos… ocorrem-me regiões como o Alentejo, a Extremadura, a Andalucía… uma vez que a sua situação geográfica não é das mais favoráveis segundo a vontade de alguns políticos… enfim, estes contextos hipotéticos, os futuros alternativos, são apanágio das bandas desenhadas e talvez eu leia demasiado…

Agora sim, o derradeiro argumento, que me leva a não ter a minha postura rígida, imutável, e um tanto indecisa. Os “filhos” desta ibéria peculiar, o continente sul-americano repleto de “genes ibéricos” será uma extensão do que foi, é e será um pensamento ibero e, tudo isto, em dois idiomas, parecidos e de origem comum, o espanhol e o português.

Será isto um factor de união? Será que o facto de serem duas identidades fortíssimas, apesar de algo semelhantes, não será um elemento dissuasor de uma união do “lado de cá” do atlântico?

Acredito que são argumentos fortes neste mundo global e que tudo depende de vontades colectivas reais e não hipotéticas. De contextos harmoniosos e justos, estratégicos (principalmente no domínio humano e do desenvolvimento sustentável) e sociais, pois é difícil falar de uma união ibérica, cultural, quando a imigração para o sul da Europa, principalmente a africana (da qual fomos colonizadores), é uma realidade que tem alterado muitos dos conceitos que temos das entidades nacionais ibéricas.

Entretanto, eu continuo a tentar aprofundar a minha percepção da realidade, com a ajuda dos grandes, como Unamuno, Negreiros, Gómez de la Serna, ou o sereno Miguel Torga que, no centenário do seu nascimento, me ajuda com suas palavras para entender aquilo que vivo: “A minha humanidade tem agora as dimensões da península, com todas as contradições que a dilaceram harmonizadas”.

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