domingo, abril 25, 2010

Cravos Ibéricos


Abril, para além das típicas “águas mil”, é um mês especial na história comum da península. Há 36 anos, um cravo irrompeu livremente numa madrugada trazendo consigo uma liberdade trancada durante 48 anos de regime totalitário e de orientação fascista.
De facto, apesar das imperfeições da democracia de Abril, apelidada ultimamente de imperfeita e de qualidade duvidosa, esta efeméride foi mais importante do que muito se pensa no contexto das relações transfronteiriças entre Portugal e Espanha na época.
Como a história nos mostrou, durante trinta anos (1939-1969), Oliveira Salazar e Francisco Franco coexistiram enquanto governantes de dois países cujos laços se manifestavam a dois níveis: o oficial (ideológico fundamentalmente) e o não-oficial, repleto de desconfiança e atenção mútua e permanente, atenta aos avanços, recuos e posições, quer a nível interno quer a nível internacional, sendo a política colonial ultramarina do Estado Novo alvo de bastante atenção por parte do “generalissímo”. Contudo, a disparidade na dimensão dos dois países, determinou evidentemente as respectivas atitudes e posições dos regimes.
Segundo alguns historiadores, aquando do 25 de Abril de 1974, Franco coloca em alerta vários contingentes militares espanhóis em alerta para uma eventual invasão do território português, de forma a conter os ecos de uma revolução que cruzaram a fronteira de forma tão rápida quanto “Grândola Vila-Morena” se difundiu aos microfones da Rádio Renascença.
O medo da contaminação “roja” em Espanha fechou de imediato as fronteiras, passando apenas alguns refugiados bem colocados junto do regime franquista ou de boa situação económica que lhes permitisse passar, quer corrompendo guardas fronteiriços ou pagando “a salto” os serviços de um contrabandista. Esta parte da história recente, irónica sem dúvida, não está tão estudada como outros aspectos ligados aos exilados políticos do Estado Novo e está bastante baseada na recolha oral que não a fundamenta como tal no âmbito da historiografia. Note-se o exemplo da família Espírito-Santo, que, de acordo com afirmações de autóctones da raia de Valencia de Alcántara, viu alguns dos seus membros cruzarem a fronteira dos Galegos, em direcção ao norte da Extremadura espanhola, devido à repentina mudança política em Portugal.
Curiosamente, o medo vermelho antes referido, não vinha apenas de Espanha, mas sim do outro lado do oceano, de uns EUA, imersos numa Guerra Fria, que utilizavam a NATO como instrumento militar de controlo politico e ideológico na Europa, algo a que António de Spínola, receando uma tomada de poder por parte do PCP, recorreu ao pedir apoio ao Secretariado de Estado Norte-Americano para uma intervenção da NATO em Portugal.
Apesar de os Estados Unidos não se oporem a uma eventual intervenção espanhola, a mesma nunca passou do plano das ideias. Era evidente a superioridade militar espanhola e os 13 anos de guerra colonial estarem a passar factura, num esforço de guerra sete vezes superior ao norte-americano no Vietname, às forças armadas lusas. Contudo, a moral e a experiência de guerra dos últimos anos dos militares portugueses têm sido muitas vezes esquecidas neste tipo de análise, e que creio nunca ter sido subestimada, mesmo já em avançada idade, por um castrense como Franco. Seria um conflito perdido, amoral pelo lado espanhol, e que isolaria ainda mais uma Espanha invasora e fascista aos olhos da opinião pública mundial.
A história fala por si a que se dispõe a escutá-la, e Espanha, um ano mais tarde enterrou naturalmente o seu ditador e abriu-se, também ela, à liberdade auxiliada pela figura de Juan Carlos I, que ainda hoje não reúne consenso numa monarquia vista como “herança” de Franco. Para muitos não foi a mudança necessária, mas indubitavelmente foi a mudança possível na época, evitando os ecos constantes de uma guerra civil que bem conheciam. É neste ponto que creio que o 25 de Abril português foi um bom exemplo para os “nuestros hermanos” ao apenas derramar o vermelho dos cravos entre o seu povo.
Daí que o 25 de Abril não é apanágio exclusivo português, há gente do outro lado da fronteira que também o sente como seu e o canta como o Zeca nos ensinou. Para mim, é com orgulho que uno a voz a Espanha (recomendo o canta-autor extremenho Luis Pastor) e podemos cantar a nossa liberdade por mais imperfeita que seja.

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