Sei pouco sobre ornitologia. Há por esta península tantos bandos de aves à solta que isso ajudar-me-ia a compreender melhor o nosso habitat. Tal como observar pássaros, ouvir música é bastante prazenteiro para uma alma simples como a minha. Se posso, faço-o em simultâneo, de fones nos ouvidos e binóculos nos olhos, misturando aves, algumas raras, e melodias. Seria mesmo capaz de compilar uma banda sonora ornitológica. Ainda sou daqueles que aprenderam a entender o conceito de álbum mas, por pragmatismo, também faz “playlists” de momentos e ocasiões. Boas letras e trovas, para mim lírica pura, evadem-me de controvérsias, conceitos de estanqueidade literária e “nóbeis” atribuições.
Poucas vezes cheguei a um cantautor por conta própria, quase sempre alguém, ou algo, me guiou. Ligo bastante à crítica e às recomendações de uma amiga chegada, a casualidade.
A viajar, ainda adolescente pela palma da mão do Duarte Coxo (amigo além do fado), cheguei ao Jorge. O Sérgio acompanhava as noites bem passadas na casa do mestre Jorge Neto. Graças ao ouvido versado do meu cunhado Francisco von Gilsa conheci Joaquín, “el hombre del traje gris”. No entanto, não sei graças a quem ou o quê, fui apresentado ao Juan Manuel. Quatro melros de guitarra a tiracolo, jograis do meu e do tempo dos meus pais, que se deixaram apanhar nas minhas arapucas e, graças a artimanhas de caça para alimentar algo mais que o meu corpo, são magníficos exemplares das minhas capturas como caçador de versos e cantigas.
“Só” por existir, só por caminhar por bairros de amor e em alguns lados errados da ingenuidade, descansei num qualquer “Domingo no Mundo”. Descobri que também Rimbaud andara por desertos do amor e, no primeiro dia do resto da minha vida, mergulhei num mar inconcebível, “Pongamos que hablo de Madrid”, onde até a passarada vai ao psiquiatra e as princesas não querem ser princesas. Ali, no cruzamento de todos os caminhos, rumei ao “Mediterrâneo”, à cidade condal, assumindo a minha afeição por Antonio Machado e Miguel Hernández. A Hernández só pedi perdão por o Portugal de Salazar o ter entregado à “Guardia Civil” ao tentar cruzar a fronteira para exilar-se dum franquismo que o “mataria sem música, com os seus grandes olhos azuis abertos soterrados debaixo do vazio ignorante”.
Desde o ninho se aprende a voar, desde um esconderijo tornado público se levantam voos solitários. Passadas horas ermitas a subir céu aprende-se a contemplar a companhia, a sincronia, dum bater de asas experiente e carregado de sabedoria. Se a solo o Jorge Palma e o Sérgio Godinho são magníficos, juntos são soberbos. Aqui em Espanha, o mesmo se aplica a Joaquín Sabina e a Juan Manuel Serrat, esses amigos tão diferentes que podiam ter nascido do mesmo parto.
Curiosamente, encontro muitas parecenças urbanas, com tendência a pisar o acelerador do excesso, nas obras de Palma e Sabina. Igualmente nas de Godinho e Serrat, ambas interventivas e fraternais. Sei que Jorge Palma conhece o Joaquín Sabina. Num final dum concerto, envergonhado mas atrevido, perguntei-lhe enquanto lhe pedia um autógrafo. Quanto aos outros, não faço a mínima ideia, porém espero atrever-me a perguntar ao Sérgio Godinho, aquando da sua “tourné” poética por Badajoz, Cáceres e Plasencia, sobre o seu congénere Serrat.
Quando me falam de destino, costumo dizer não acreditar no determinismo da palavra. Não o digo muito convicto, digo-o com a “boca pequenina”, recordando o obstetra da família quando se fala de ampliar a família. Mas, se tal sina, desígnio cósmico, fado, ou qualquer outro sinónimo sem volta atrás, existe, espero que em pleno voo, a sobrevoar a península, estes pássaros se cruzem. Prometo estar atento, como bom caçador, sem munição, só com o coração.
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