A cultura contemporânea não facilita, em nenhum modo, este reencontro [entre pai e filho], pois passou de uma demolição sistemática a uma estratégia (e eficaz) operação de evaporação do pai. Hoje, não existe propriamente uma rebelião contra a figura do pai, como em outras épocas do passado. A estratégia é antes a de agir como se o pai, e o que ele representa, tivessem sido removidos. Essa é, em grande medida, como bem o explica o psicanalista Massimo Recalcati, o artifício forjado pelas nossas sociedades quando impõem o consumo como padrão da felicidade. O desejo torna-se uma espécie de mantra omnipresente, que a publicidade repete sem cessar para alimentar o circuito insomne do consumo. Mas o seu efecto exasperado é paradoxal: obsidiados pelo transe do consumo desejamos tanto que já não somos capazes de desejar. De facto, o desejo precisa da iluminação que é trazida pela lei. A conclusão, também sí, é que não podemos viver plenamente sem integrar a relação com o pai e o que ele significa.
José Tolentino Mendonça, "O que é um pai", E - A Revista do Expresso, 19/III/2021, p. 90.
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