Há coisas que persistirão na nossa memória até que o nosso cérebro assim o permita, se não ficar queimadinho com a má vida, fármacos bem aceites pela sociedade, ou com uma puta degenerativa doença qualquer. Também há recordações que voltam à nossa mente como o tão famoso "dejá vu" (creio que é assim que se escreve, senão leiam-no à portuguesa). Este domingo, que passou rolando, solarengo, bem disposto, levou-me ao pátio da minha infância, pedalando, em casal, com a minha mulher.
Ao chegar, um som familiar fez-me recordar um som típico das 6h da tarde das minhas tardadas infantis em que esperava o meu avô a chegar, tal como um cavaleiro nobre monta o seu fiel corcel, rodando na sua bicicleta, na sua "pedaleira", como ele sempre a apelidou. Esse som metálico, de rampa rude, enferrujada no tempo mas resistente, fez-me lembrar que muitas das alegrias daquela época vinha simplesmente montadas na bicicleta do meu avô. Bicicleta essa que, na minha ignorância pueril, desprezara na época por não ter nada que ver com as BMX, as de ciclismo (a do Paulo é a que me lembro melhor, com um "boión" para beber água, que inveja!) ou bicicletas de montanha da moda (acho que nessa altura as BTT ainda não estavam na moda, mas não sei precisar, se calhar já havia algum que pedalava para as pôr na moda).
Recordo-me particularmente da minha primeira cassete áudio (gravada na aparelhagem da minha prima mais velha) ter viajado até mim na bicicleta do meu avô. Era tão puto, mas a alegria que foi pô-la a rodar e a tocar aquelas músicas de banda sonora no gravador poeirento (comprado pelo meu pai com o dinheiro ganho no seu "Vietnam" português- já que a América está outra vez nas bocas do mundo-, belo presente que se pode trazer dum ultramar obrigado... menos mal que soaram por aquelas colunas, -ou era só uma?-, o "Sgt. Peppers Lonely Heart Club Band" e o "Tango dos Barbudos", mas o que gostava, mesmo, -tenho um lado brejeiro forte e declarado- era do Duo Humorístico Crespim) em que fazia as minhas gravações, em família, da rádio pirata que emitia a partir do meu quarto, em brincadeiras infantis com a minha irmã. Esse gravador até serviu para a minha mãe me gravar a rezar, após a laboriosa catequização (como a minha mãe tinha orgulho!) do "anjinho da guarda, minha companhia, guardai a minha alma de noite e de dia")... Mãe, tu ensinaste-me algo que nenhum Vaticano me há-de ensinar, o "Deus das pequenas coisas"... eles preferem o sumptuoso e sofrem de "opinionite", a mais grave das enfermidades, julgam que são a voz de "algo maior que o qual nada pode ser pensado". Já dizia o S. Anselmo.
Já passaram vários anos. A minha vida mudou muito. Mas quando nós amamos muito um lugar, talvez nos convertamos nesse mesmo lugar. Há dias em que sinto isso, que eu e esse velho pátio somos a mesma pessoa, que buscamos o prosaico num portado de granito e não deixamos pegadas em calçadas teimosas, como o meu avô. "¡Da igual, tampoco me gusta mucho pensar demasiado en eso! ". Sei que é algo que silenciosamente me corre nas veias...
Estacionei a bicicleta onde outrora ficara a do meu avô. Bati à porta e ainda ma abrem os meus avós. Entro e sinto o cheiro que nunca quero deixar de cheirar, abraço-os, e ainda posso dizer:
- Lembras-te, avô, quando deixavas aqui a tua bicicleta?
Ao chegar, um som familiar fez-me recordar um som típico das 6h da tarde das minhas tardadas infantis em que esperava o meu avô a chegar, tal como um cavaleiro nobre monta o seu fiel corcel, rodando na sua bicicleta, na sua "pedaleira", como ele sempre a apelidou. Esse som metálico, de rampa rude, enferrujada no tempo mas resistente, fez-me lembrar que muitas das alegrias daquela época vinha simplesmente montadas na bicicleta do meu avô. Bicicleta essa que, na minha ignorância pueril, desprezara na época por não ter nada que ver com as BMX, as de ciclismo (a do Paulo é a que me lembro melhor, com um "boión" para beber água, que inveja!) ou bicicletas de montanha da moda (acho que nessa altura as BTT ainda não estavam na moda, mas não sei precisar, se calhar já havia algum que pedalava para as pôr na moda).
Recordo-me particularmente da minha primeira cassete áudio (gravada na aparelhagem da minha prima mais velha) ter viajado até mim na bicicleta do meu avô. Era tão puto, mas a alegria que foi pô-la a rodar e a tocar aquelas músicas de banda sonora no gravador poeirento (comprado pelo meu pai com o dinheiro ganho no seu "Vietnam" português- já que a América está outra vez nas bocas do mundo-, belo presente que se pode trazer dum ultramar obrigado... menos mal que soaram por aquelas colunas, -ou era só uma?-, o "Sgt. Peppers Lonely Heart Club Band" e o "Tango dos Barbudos", mas o que gostava, mesmo, -tenho um lado brejeiro forte e declarado- era do Duo Humorístico Crespim) em que fazia as minhas gravações, em família, da rádio pirata que emitia a partir do meu quarto, em brincadeiras infantis com a minha irmã. Esse gravador até serviu para a minha mãe me gravar a rezar, após a laboriosa catequização (como a minha mãe tinha orgulho!) do "anjinho da guarda, minha companhia, guardai a minha alma de noite e de dia")... Mãe, tu ensinaste-me algo que nenhum Vaticano me há-de ensinar, o "Deus das pequenas coisas"... eles preferem o sumptuoso e sofrem de "opinionite", a mais grave das enfermidades, julgam que são a voz de "algo maior que o qual nada pode ser pensado". Já dizia o S. Anselmo.
Já passaram vários anos. A minha vida mudou muito. Mas quando nós amamos muito um lugar, talvez nos convertamos nesse mesmo lugar. Há dias em que sinto isso, que eu e esse velho pátio somos a mesma pessoa, que buscamos o prosaico num portado de granito e não deixamos pegadas em calçadas teimosas, como o meu avô. "¡Da igual, tampoco me gusta mucho pensar demasiado en eso!
Estacionei a bicicleta onde outrora ficara a do meu avô. Bati à porta e ainda ma abrem os meus avós. Entro e sinto o cheiro que nunca quero deixar de cheirar, abraço-os, e ainda posso dizer:
- Lembras-te, avô, quando deixavas aqui a tua bicicleta?
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