terça-feira, novembro 23, 2010

A Jangada do Futebol

              De “futeboleiro” tenho pouco, mas aprendi a gostar deste desporto ultimamente. Acho que teve que ver com uma época em que consumi muita imprensa desportiva e com a compra, num alfarrabista, da grande obra antropológica de Desmond Morris, “A Tribo do Futebol”. Comecei, de facto, a prestar mais atenção ao dito “desporto rei”, de massas e, talvez, em várias acepções da palavra, verdadeiramente popular.
                Tende-se a ver o futebol como objecto de alienação, de mãos dadas com o poder político (com os chamados “clubes do regime”), e, principalmente com o desdém intelectual por parte de algumas elites. O que não podemos desprezar nunca é que este jogo é um reflexo claro e evidente da sociedade portuguesa e espanhola que, sem querer ofender a memória metafórica de Saramago, se joga numa espécie de “jangada” em forma de campo de futebol.
                Podemos não nos identificar com esta primazia do futebol sobre outros desportos em Portugal (e até mesmo em Espanha, mas a outro nível), mas há que ter em conta este contexto que nos últimos anos elevou a península ibéria a potência máxima do futebol.
                Como é possível que esta “ibéria”, com apenas 50 milhões de habitantes se tenha tornado no habitat natural de grandes craques, estrelas mediáticas, treinadores emblemáticos e polémicos, ligas milionárias e de campeões da Europa e do Mundo? Nem vale a pena mencionar o palmarés de versões modernas e antigas de Ligas dos Campeões ou Ligas Europa que compartem clubes como o Barcelona, o Porto, o Real Madrid, ou, até mesmo, o meu Benfica… o que me leva a afirmar: Estes “iberos” são a autêntica tribo do futebol da actualidade! Para bem e para mal, claro!
                Depois da pseudo-vingança da selecção portuguesa marcando amistosamente quatro golos ao campeão do mundo espanhol, galardoado este ano em África do Sul, o que é que o futuro reserva à “jangada do futebol”? Não sabemos, mas pode ser que a FIFA tenha uma palavra a dizer no próximo mês de Dezembro.
                É já dia 2 que Joseph Blatter abrirá um envelope onde encontrará escrito o nome da candidatura que organizará o Mundial de 2018. Como se sabe, Espanha e Portugal aparecem irmanados numa candidatura que parece ter argumentos de peso na hora da decisão.
                Esses argumentos baseiam-se em alguns assuntos ainda bastante polémicos, como o TGV ou nos investimentos em infra-estruturas desportivas como os que foram feitos para o EURO 2004, alguns ainda vistos como inúteis e que têm eco na presente crise da dívida pública, aplicando-se o mesmo do outro lado da fronteira com situações análogas.
Mas mesmo tendo em conta estes motivos de polémica, se compararmos com a candidatura conjunta do Mundial de 2002, na Coreia e no Japão, portugueses e espanhóis reforçam o seu projecto com uma fronteira terrestre comum, excelentes relações e comunicações entre os dois países, uma cultura muito semelhante, em alguns casos mesmo comum, e a mesma moeda única (não augure o futuro nenhuma “desgraça” no vendaval da crise dos mercados internacionais!).
                Ambos países não necessitam de referências na hora de falar de grandes eventos, o Euro 2004, as Olimpíadas de 1992 e várias Expos falam por si, mas pelos vistos são os estádios os que podem influenciar mais esta candidatura e não, propriamente, a capacidade organizativa ibérica. Esta candidatura ostenta sete estádios cotados com a nota máxima pela FIFA. Falamos do Camp Nou, do Santiago Barnabéu, do Olímpico Lluis Companys, do Olímpico de Sevilha e dos nossos Estádios da Luz, do Dragão e do Estádio José de Alvalade.
                A par de toda esta cooperação transfronteiriça, imaginemos que as “nossas selecções” (esquecendo “Aljubarrotas” e “1ºs de Dezembro”) se defrontam na final, como seria e onde seria esse embate histórico?
                Em teoria, as selecções de Portugal e Espanha jogariam sempre, por decreto, no seu país, com excepção da final, prevista para o Santiago Bernabéu, no entanto o 3º e 4º lugar disputar-se-ão em território português, provavelmente no estádio do Dragão.
                Seremos capazes de aguentar esta candidatura e fazer face aos desafios com que Portugal e Espanha se deparam actualmente? Como será o investimento público-privado neste projecto?
                Se o Sr. Joseph Blatter abrir o envelope que contempla a península, espero que esta candidatura prime pela transparência e boa gestão, honrando a verdadeira cooperação transfronteiriça através do desporto. Se tal não for uma realidade, proponha-se outra candidatura irmanada, desta vez, entre Espanha, Portugal, Itália (e Grécia, já agora!). Assim não se investiria em marketing, seria sempre a candidatura do “Clube Med”, como já somos conhecidos em alguns sítios, não sei bem porquê…

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