Espera-me, daqui a pouco, mais um dia em frente ao computador. On-line para saber quais são os deveres escolares dos meus filhos e on-line para exercer a minha profissão docente, agora, totalmente digitalizada.
E não é que há dias, a gente gozava com a inutilidade dos youtubers e dos influencers, vírus prévios a este Coronavirus, frente à pandemia que vivemos e, neste preciso momento, sinto que, quando tudo isto passar, serei como essas personagens que existem no mundo cibernético para comunicarem tanto de fútil como de sublime na rede.
Desconfio que a volta à escola será ainda mais líquida, mais intangível, mais imaterial. Duvido que possa dar a típica palmadinha nas costas de «bom trabalho» e a sala de aula dependerá cada vez mais do Classroom (e da Google, sabe-se lá porquê e não tenho mais dados pessoais para poder averiguar). O quadro e o giz dividir-se-ão entre a fantasia das mentes juvenis mais manipulativas e o estorvo para os alérgicos. Mas mesmo os espirros, inconvenientes e transmissores de muitas mais maleitas do que a gripe sazonal, como sabemos, não levarão o velhinho quadro da sala de aula porque a escola a que me refiro é pública e algo me diz que, mesmo passado esta emergência de saúde pública global - a globalização a atacar descaradamente os glóbulos brancos da humanidade -, o que é público continuará a ser uma carga para a economia, essa disciplina que, se não vai de mãos dadas com a história, sempre se esquecerá dos homens e não passará duma palavra vazia, sem qualquer riqueza.
Está-se mesmo a ver o «homo incongruentus» que sou, que escreve num blog porque sabe que o seu bloco de notas dentro da gaveta da secretária ainda terá menos leitores, porém, não quer ser mais digital do que já é. E, sinceramente, não lhe parece que a volta do mundo ao mundo, após este resguardo caseiro forçado, ainda mais digitalizada e asséptica à força, nos traga qualquer benefício para além dos que os que já temos. Isto é, salvo quando a tecnologia melhora a qualidade de vida, respeita o ambiente, não substitui a essência humana, quando se soma e não exclui, denigra ou mata a humanidade.
O vírus anda lá fora a matar, principalmente, aqueles que conheceram esta vida antes destas redes, antes da sociedade se liquidificar (o que diria Bauhman se vivesse este momento?). É perverso o grande cabrão. Parece mesmo ter sido fabricado por uma grande empresa para nos obrigar a atualizar o sistema operativo civilizacional, o MS-DOS planetário. (Podia ter escrito windows, mas não me apeteceu, os sistemas operativos pré-Bill Gates também têm muito mérito!)
O Coronavirus sabe que os mais velhos são perigosos. Alguns ainda se lembram do que foi a Segunda Guerra Mundial, das ditaduras do século XX (e das nossas peninsulares, em particular), da União Soviética, das esperanças de Maio, das revoluções de Abril e dos fiascos de Praga. Tanto se lembram de como era cantar numa praça, como da necessidade de protestar pela dignidade dos seus filhos e dos netos, como em 2008.
Lembram-se de ir ao mercado, ao supermercado e ao hipermercado, para comprar o que necessitavam e até podem ter-se ajoelhado perante muitos deuses, mas desconfiam da deificação dos Mercados.
Fui criado no meio de muita criançada mas com a presença de muitos olhares velhos, enrugados de dores e de alegrias. Tive sorte. Pode ser que mais alguém que foi puto como eu se lembre, sem saudosismo, só com carinho do sangue dos teus «egrégios avós» que não nos hão-de guiar a nenhuma vitória, apenas nos manterão centrados na bondade, na generosidade...
E tudo isto para dizer que tenho mais medo de me infectar totalmente com o virus da digitalização do que padecer de COVID19. Tenho a certeza que a minha alma analógica persistiria ao segundo. Já ao primeiro, é que não sei...
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