Tenho dificuldade em lidar com a preguiça, com a apatia, com o “deixa andar”. Sei que os meus filhos são vítimas desta minha faceta, desse meu desprezo (a roçar o ódio, admito) pela falta de um esforço mínimo, típico de quem está à espera que venha alguém fazer por ele.
Parte do que sou forjou-se assim, a trabalhar, a esforçar-se por conseguir o que quer que fosse. Exemplos de esforço (muitos deles invisíveis de tanta discrição) não me faltaram e não me faltam, apesar da escassez de reconhecimento.
Alguns podem ver um peso nesse legado (admito determinismo psicológico), mas eu vejo dignidade e orgulho-me disso, pois tem sido através do esforço ensinado que consigo muitas vezes chegar à conclusão que não merece a pena esforçar-me mais. É um paradoxo, porém, quantas coisas da vida se aprendem através das suas contradições? Parece-me que muitas e não é preciso esforçarmo-nos, temo-las em frente do nariz e a máscara destes dias só oculta a visão a quem quer.
É verdade, a falta de esforço com frequência dá a mão à falta de responsabilidade. E se lhe somarmos uma personalidade centrada em si mesma, a aritmética torna-se explosiva.
Lá fora ainda não estão a cair bombas para recuperar a indústria do armamento (o que aconteceu em Beirute e as declarações do execrável Trump preocupam-me), mas há por aí bombas-relógio de irresponsabilidade de todos os tipos. Jovens e menos jovens, adultos e adultas (não se me acuse de falta de “inclusividade”) e algum idoso senil que por aí ande a par da sua altíssima probabilidade de acabar nos cuidados intensivos.
Se custa usar a máscara e manter uma certa distância física, se com este pequeno esforço a sociedade se comporta com um “deixa andar”, como será se a coisa piora e tem de passar fome? O smartphone não se come e as selfies só alimentam o ego...
Custa-me lidar com esta gente que não faz um mínimo esforço para que a nossa saída à rua tenha um pouco mais de segurança. Custa-me ver grupos de adolescentes sem máscara e com muitíssimo contacto físico quando eu exijo ao meus (inclusivamente ao que por lei não a necessita usar) para porem sempre a máscara e se distanciarem das pessoas para todos podermos avançar nestes tempos com alguma quotidianidade.
Os danos colaterais desta falta de solidariedade são mais do que evidentes na sociedade e pouco tocam as elites, protegidas ao longo dos tempos pelo seu status e pelo acesso ao conhecimento. O resto protege-se com o bom senso até chocar com a falta de bom senso dos outros, por mais que se isole e se lhes diga que o vírus que aí anda é invisível. Eu vejo-o bem e sou míope.
Como vejo os adolescentes que se estão a cagar para os pais e avós, como vejo os políticos a não reconhecerem ser primordial o entendimento e só depois a ideologia, como vejo os empregos a desaparecerem e os negócios a fecharem, como vejo a natureza agónica agora também a sufocar com lixo do que nos protege do vírus, como vejo esta mínima falta de esforço que vai acabar por clamar por mão dura, repressão e, como tantas vezes me lembro, aplaudiremos enquanto vai desaparecendo a liberdade.
Para sobreviver a maioria não necessita de liberdade, isso é coisa de minorias.
Os meus filhos talvez me perdoem quando forem mais velhos e entenderam o seu pai irascível quando lhes entrava a preguiça aguda. Se não me perdoarem, têm de se aguentar, como eu, com um legado de livros e enxada que lhe foi imposto e que conscientemente quero carregar...
Filhos, se algum dia lerem este diário, tudo se resume a uma frase: o vosso pai, se queria ser minimamente livre, tinha de se esforçar.
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