segunda-feira, maio 02, 2022

Fui plantado em Évora há 42 anos...

Badajoz, 2/V/2022

Fui plantado em Évora há 42 anos. A terra era fértil e fora bem cuidada por gente que sabia ser importante ter um solo mexido pois não se enraíza com facilidade quando o mesmo está compactado. 
Tive a sorte de conhecer as quatro estações nos primeiros anos da minha vida. As Primaveras cuidaram-me bem e foram generosas em água que não me faltou. Nos Verões, houve sempre algum sobreiro que me ensinou a procurar a sombra e a sobreviver às canículas. Os Outonos e os Invernos foram as estações da dormência, da dificuldade em ver como ao meu redor o mundo ficava despido e como a geada queimava mais os troncos dignos do que os ramos superfluos. 
A contemplar a natureza, e sem o saber, aprendi a ver nela uma ética e uma estética. Mas começou a água a escassear, gotas que não choviam, aguadeiros que morriam e barragens de egoísmo. O crescimento rápido dos primeiros anos estancou num porte médio, a dar para o baixo, discreto apesar de por vezes se apresentar viçoso e a partilhar pequenas flores de alegria que deram belos frutos. Quando não se tem água onde se foi plantado poucas hipóteses se tem para além da secura final. Ou se é transplantado ou se enraíza com mais força e mais profundidade.
Durante anos pensei que me tivessem transplantado, que me tivessem levado com raízes impregnadas de substrato eborense e replantado em solo "extremeño". Não é que fosse uma ilusão ou um sonho que vivi acordado, também aqui encontrei sombra e humidade suficiente para brotarem os melhores rebentos e momentos que imaginei ter. Porém, o invisível não deixa de ser verdade por estar oculto. Hoje, molhado pelo horizonte atlântico, aprofundei-me no que me parece ser uma realidade pouco pensada e subterrânea. O que me fui tornando como homem pouco se tornou evidente à superficie, para além desses rebentos e momentos celebrados com gratidão. 
A necessidade de água levou-me ao inconsciente, parou no sal do mar e alastrou-se num sistema radicular complexo, que recorre principalmente ao Guadiana para não secar, mas que, entre jazigos de mármore e granito, se expande a Norte, se protege na serrania e se alastra pelo planalto, onde se sente bem recebido, mas continua caminho até à Galiza onde procurou um passado, já se tornou passado e não imagina futuro.
Há 42 anos pensei ter sido plantado em Évora. Há alguns anos pensei que tinha sido transplantado de Évora, no entanto não sou uma árvore, nem uma planta, nem uma raíz, nem um cavador. Sou apenas solo mexido, a compactar-se entre a ansiedade e a quietude.

1 comentário:

Pedro L. Cuadrado disse...

Parabéns com atraso, Luís! Fizeste-me lembrar estas palavras de Miguel Torga:


“Como a gente se perde! A linguagem que o meu sangue entende — é esta. A comida que o meu estômago deseja — é esta. O chão que os meus pés sabem pisar — é este. E, contudo, eu não sou já daqui. Pareço uma destas árvores que se transplantam, que têm má saúde no país novo, mas que morrem se voltam à terra natal.”