Há muito pouco tempo, de visita à minha terra natal, andei a “dar uma mão” ao meu avô na sua hortinha, onde semeia os legumes da sua velhice e ainda pode sentir, num pouco de terreno emprestado, o cheiro e o apelo da terra que sempre trabalhou e lhe foi dando de comer. Apesar da sua idade, uma das coisas que mais me orgulham é o brio com que mantêm os seus cultivos ordenados de uma maneira que eu provavelmente nunca saberei fazer.
Hoje, aqui sentado em frente do computador, tento fazer o mesmo que o meu avô faz com os seus tomates, alfaces, couves e as “anti-gripais” laranjeiras da baía, isto é, ordenar as minhas palavras, semear letras a ver se colho algo. Ultimamente só tenho colhido nabos.
O meu avô, como tantos outros cidadãos, principalmente idosos, ainda vêem a crise com os óculos do passado, com o esforço do trabalho, a poupança do nada e uma vida ausente dos luxos. É verdade. Neste ambiente de carestia generalizada, da escalada dos preços dos bens essenciais (apesar de Portugal ter sido onde menos subiu, o que a UE se esquece é dos verdadeiros rendimentos dos portugueses), da crise internacional dos cereais, vejo que muitas famílias e cidadãos, num claro e evidente nível de pobreza (apesar de não ser digno de estatísticas) vão matando a fome graças ao fruto do seu trabalho nestas hortas que poucos planos de ordenamento de território contemplam. E neste ambiente de pobreza, de ruralidade em vias de extinção, existem relações sociais de fraternidade, apoio e inter-ajuda que podem ser uma característica dos portugueses, da sua solidária “interioridade”, com que vão ajudando família e vizinhos.
Como podemos ajudar estas pessoas? Como poderemos utilizar os seus moldes de sustentabilidade em prol de um futuro verdadeiramente sustentável? Como poderemos manter este tipo de conhecimento aliado à necessidade e ao engenho luso? Estas perguntas para mim não são retóricas. Para o meu avô também não, com o qual aprendo muitíssimo na sua analfabeta sabedoria de vida.
Eu começaria com um repto. Melhor, uma imposição (hoje não estou para democracias!). Fazer com que os nossos dirigentes, políticos, grandes empresários, tenham que, após o seu trabalho, mal remunerado, precário, ir, de preferência nos arredores das grandes cidades, ou no meio de um bairro de lata, ir até à sua hortinha cultivar e colher os alimentos para alimentar a sua família. Como dizia o extinto Fernando Pessa, “e esta hein”? Por enquanto não necessitam de sujar as mãos. Pelos menos com terra.
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