Apercebi-me de Évora ser o que é quando tinha 5 anos. Estava
um senhor, creio que funcionário camarário, debaixo dos arcos, esfregando a
escova áspera palavras já suaves de ordem dum pós-revolução. Aquilo custava-lhe
imenso, e à minha curiosidade também, mas via como cuidava com brio o granito
histórico da minha cidade. “Vem cá a Rainha de Inglaterra” disse meu pai à minha
estupefação em frente do escadote aberto em hora de expediente. Sem grande
ruído nem furor, esse foi primeiro contacto que tive com um argumento shakespeariano,
com uma figura da realeza sem ser a dos contos dos irmãos Grimm. Há tanta luminosidade
nesta minha recordação... na minha cidade…
Aprendi com Claudio Rodríguez que todos levamos uma terra
dentro, que nos alenta, que nos acusa e que nos salva. É a terra da alma.
Nasci ali e em mim habita cada rua, cada casa, cada passo,
saltos e trambolhões, cada eborense guardião desse templo de capitéis de luz ao
qual regresso tantas noites em sonhos. Ali me ajoelho, leal à sua história,
apesar de Évora não mo permitir. Em solo com reminiscências feudais, esta
cidade, erguida por três culturas, ensina-nos a dignidade de, no latifúndio do
espírito, mandarmos apenas nós.
Há 30 anos atrás, atribuiu-se-lhe o estatuto de Património
da Humanidade e de ponta-de-lança no que respeita a atribuições deste tipo no
Alentejo. Envaidece-me essa espécie de “Liga dos Campeões” da UNESCO. Porém, para
quem se sente eborense, é o seu andar, caminhar, passo a passo, pela vida da cidade,
o verdadeiro património, para mim, bastante mais imaterial que material.
1 comentário:
Gosto muito. Ser de Évora é isso mesmo.
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