Há escassos dias celebrou-se o 98 aniversário do armistício da Primeira Guerra Mundial e o meu pai esteve, com a sua Liga dos Combatentes, presente nas cerimónias oficiais. O meu bisavô Umbelino combateu nesta guerra, o meu bisavô Leopoldo também, esteve desaparecido, foi prisioneiro de guerra e voltou "esgaseado" pelo gás mostarda das trincheiras. Os seus filhos, os meus avós maternos, nunca souberam que este fora o primeiro grande conflito à escala mundial, era, para a visão possível do mundo em pleno salazarismo, a guerra de França. Curiosamente, ambos, a minha avó Helena e o meu avô João, viram refugiados e ouviram canhões da Guerra Civil Espanhola, souberam doutra guerra em França, e de uns alemães ávidos de tungsténio português, despediram-se dum filho a embarcar para Angola e outro para um exílio de cruzeiro, pois já nem as suas mãos escaldadas na infância o livravam de ser carne de canhão. As guerras não acabaram por aqui. Nem acabarão. Nunca souberam história, nunca estudaram história, eles foram a minha história e enquanto viver recordá-la-ei como homenagem...
A guerra está no passado de quem me criou, com quem vivi e ainda faz parte do que vivo enraizado em Portugal. Sou um herdeiro envergonhado de não poder aliviar o sofrimento dos meus bisavós devido aos gases que lhe queimaram pulmões, pele e equipamento de pouco mais que serapilheira. Sou os olhos envergonhados, por não ajudar os espanholitos a atravessarem a fronteira e a chegarem ao Atlântico, cheios de medo da GNR. Sou o camuflado e as mãos suadas a segurarem a G3 que me baleou de rajada uma juventude que não saberei entender nos meus filhos sem trauma e stress.
Sou o filho mais novo do fim do século XX, a quem as gerações mais velhas não lhes agrada, nem levam a sério, o meu desapego e a descrença num mundo utópico de paz sem recurso à violência.
Voltei ao século passado, ao passado familiar, graças a um jovem poeta da minha geração com quem partilho a lírica da primeira guerra mundial, o atrevimento de Shackelton, os despojos da modernidade que nos impõem. A ouvir Ben Clarck a recitar, aceitei a condição de netos dos filhos, dos filhos da ira.
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