Resumo: da Foz do Arelho a Samora Correia uma hora e 120€ de multa. Para além do título/resumo desta entrada de diário poderia ser o titular jornalístico do meu dia. Como vários periódicos folheiam-se, lê-se algumas letras gordas e pára a atenção nuns quantos artigos. Assim foi o meu dia.
Ontem chegámos à Foz, à varanda para o Atlântico que a amizade do Jorge nos tem possibilitado contemplar nos últimos Agostos. Aqui tenho descansado, respirado a um ritmo desacelerado, lido, pensado e escrito. Aqui terminei o meu segundo livro, alinhavei o primeiro e concebemos uma vida. Chegar à Foz é chegar ao Verão de me assumir como quem vai criando palavras e filhos com o carro carregado de um ano de bagagens desarrumadas, mas com o essencial para deixar para trás casa e trabalho.
Porém, hoje a neblina matinal fez-nos planear o resto do dia afastados da costa, numa breve incursão à lezíria em busca de soluções de abrigo (para «aCourela», esse sonho de amendoeiras floridas, no nosso Alentejo encostado a Espanha) em Samora Correia.
A caminho, com a atenção redobrada pelo desconhecimento das estradas nacionais, a par das cantorias e discussões infantis do banco traseiro (prévias à sesta de «cu tremido»), uma recta solitária, visível e aparentemente afastada do movimento do trânsito local, convidou-me a manter a velocidade do odómetro próxima do límite permitido por lei a 83km/h. À frente, de bota alta como a antiga cavalaria e colete fluorescente, um militar da GNR ordena-me parar à sua esquerda, à sombra, num acesso secundário, de árvores cuja espécie não pude reparar.
Os documentos foram solicitados, condutor e viatura identificados, residência fiscal confirmada, tudo em ordem no veículo, no porta-luvas e na consciência de quem ia ao volante, quando o agente da brigada de trânsito, educadíssimo com a sua pêra que não escondia a cicatriz sobre o lábio, pergunta:
- O Sr. Luis sabe porque é que o mandámos parar?
Por momentos, pensei em algum inquérito, estatística ou acção de prevenção, mas respondi negativamente.
- O Sr. não reparou mas passou dentro de uma localidade onde, como a placa, que não deve ter reparado, indica deve circular a 50km/h e o nosso radar detectou-o a circular a 83km/h, o que corresponde a uma coima de 120euros.
Continuou indicando-me a forma de pagamento «in loco», graças a terminal de multibanco, ou a apreensão da carta de condução até tal valor ser abonado, etc, etc.
Saí da viatura e enfatizei a alegria da surpresa. Paguei a coima sem problemas com o «tpa sem contrato» habitual, nota-se que a GNR está acostumada a Mastercards, Visas e American Express estrangeiros, e dirigi-me ao outro agente, o qual me redigiu em triplicado o auto de contraordenação, dizendo-lhe que estava bastante surpreendido pois não tenho o pé pesado e me preocupo com a segurança de quem levo dentro e com quem anda fora do meu carro. O homem, antes de me desejar, dentro do que esta desagradável surpresa me afectou negativamente a conta bancária, um resto de bom dia, confessou-me que o Comando os punha ali, de vez em quando, para satisfazer as queixas da população de excesso de velocidade, deixando assim cair uma ideia de caça à multa e não prevenção ou presença dissuasória de infrações.
Nos cincos minutos que ali estive a ser multado, vi pouco trânsito mas assisti a outra contraordenação e à paragem de uma senhora, de cinquenta ou sessenta anos, ao volante de um pequeno WV Up branco, aos mesmos 83km/h fatídicos que este delinquente rodoviário agora a redimir-se no papel.
Voltei para o carro e arranquei com a indignação da Elsa e com o silêncio da sesta dos meus filhos. Estava fodido, mas resignado em estupefação. Tínhamos menos 120€ e tínhamos optado pelas estradas nacionais para pouparmos em portagens. Pensei em como conduzo. Pensei na minha bicicleta. Pensei na arbitrariedade daquela operação. Pensei no destino daquela curta deslocação e no destino do qual desconfio. Pensei que era injusto. Pensei em argumentos. E pensei que o melhor era continuar, lembrar-me de que há sanções das quais nada se aprende para além disso mesmo.
Numa recta e em cinco minutos, as arcas públicas portuguesas amealharam 240€. Possivelmente para pagar gastos prioritários, como o do combustível do carro da brigada, parado ao relantim e com o A/C ligado. Eu e os meus seguimos viagem. Vimos e sonhámos com uma futura construção no nosso terreno, com uma varanda para a planície para podermos partilhar com o Jorge e os seus em agradecimento por este horizonte azul agora a assomar-se aos meus ouvidos.
Voltámos já ao final do dia e preferimos pagar portagens: 2'80€. Jamais a agulha ultrapassou os 120, mas vá-se lá saber onde estará o próximo radar a apanhar-me... espero que não seja tão depressa. É possível começar a gostar desta sensação de proscrito e abraçar o outro lado da lei. Justiça far-se-ia, de certeza, os meus diários seriam mais emocionantes do que estes que para aqui vou amontoando.
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