segunda-feira, fevereiro 07, 2022

Entrevista a Luis Leal por Noelia Cabrera Rodríguez para o projeto “Em contacto – Nós por cá e eles por aqui” (Fevereiro de 2021)


Quanto mais seriedade vou dedicando à escrita, menos me levo eu a sério. Gosto deste paradoxo e sinto-me bem com ele. 
- Luis Leal em
entrevista a Noelia Cabrera Rodríguez para o projeto “Em contacto – Nós por cá e eles por aqui” 
Noelia Cabrera Rodríguez e Luis Leal na entrada do IES Rodríguez Moñino de Badajoz (26 de Fevereiro de 2021, foto de Catarina Lages)

O entrevistado chama-se Luis Leal, natural da cidade de Évora e licenciado em Ensino de Português e Inglês pela Universidade de Évora, mestre em História da Arte e doutorando em Línguas e Culturas na Universidad da Extremadura. Exerce funções de professor de língua portuguesa na Consejería de Educación de Extremadura, em Espanha, ao mesmo tempo que colabora na imprensa espanhola e portuguesa, na rádio (onde é colaborador do programa “Tão Cercada Cadena Ser), depois de ter passado por duas temporadas como coapresentador do extinto programa do Canal Extremadura Televisión, “Falamos Português”. A par do seu percurso académico e profissional, também podemos encontrar o seu contributo em alguns escritos de carácter lírico, mas principalmente transfronteiriço, o que o leva a assumir-se como “um cronista entre duas terras”.

1. Porque decidiu viver em Espanha? Como começou a sua vida como professor na Extremadura?
Antes de mais, muito obrigado por acharem que tenho perfil para ser entrevistado para o vosso projeto. É um prazer poder partilhar convosco o que tem sido a minha vida entre Portugal e Espanha. 
Agora sim, para tentar responder à pergunta, devo dizer que nunca pensei viver em Espanha, pois para mim, nascido e criado em Évora, Espanha estava ali ao lado, sendo mesmo como uma continuação da região onde vivia, com uma língua presente no nosso dia-a-dia (ainda sou do tempo em que se via mais televisão espanhola do que portuguesa no Alentejo) e com urbes mais acessíveis do que a própria capital de Portugal. Recordo perfeitamente que era mais fácil ir a Badajoz do que a Lisboa durante a minha infância e adolescência. Portanto, o facto de ir residir para a Extremadura, quando a minha matriz é raiana, acabou por ser uma coisa natural, fruto, também, da escassez de emprego na docência no início do século XXI. Daí que cheguei à Extremadura, pela primeira vez na qualidade de professor, no ano de 2005 e, desde então, esta região é também a minha casa e Espanha a minha segunda pátria cívica.

2. Já foi professor noutra parte de Espanha ou só na zona da comunidade de Extremadura? 
A maior parte da minha atividade profissional tem-se realizado na Comunidade Autónoma da Extremadura, de Norte a Sul, sendo que os primeiros anos residi no Norte da comunidade, em Valencia de Alcántara, onde pude participar em projetos relacionados com a língua portuguesa em Cáceres, Coria, Plasencia, entre outras localidades. Desde que me estabeleci em Badajoz, também tenho podido divulgar o português noutros locais, recordo-me de Mérida e Zafra, por exemplo. Fora da Extremadura, felizmente, quer como docente, quer no âmbito da escrita, tenho podido partilhar a minha experiência em sítios como Zamora, Salamanca e Valladolid, de onde guardo gratas recordações. Também tenho visitado bastante a Galiza, mas mais a título pessoal, sendo uma região que me fascina e à qual sempre espero regressar.

3. Alguma vez esteve envolvido em projetos que trabalhassem a relação Portugal/Espanha? Se sim, em que âmbitos?
Esta pergunta é, para mim, bastante difícil de responder com alguma exatidão, pois, inclusivamente antes de direcionar a minha vida profissional e pessoal para Espanha, já colaborava em projetos transfronteiriços, ainda mesmo na minha época universitária e de associativismo juvenil. No entanto, desde que estou na Extremadura já participei em projetos cofinanciados pela União Europeia, pelo Gabinete de Iniciativas Transfronteiriças, projetos de âmbito escolar, académico, de divulgação cultural, com programas na rádio e na televisão, entre outros que, sinceramente, de maneira mais ou menos direta, não sei precisar. Atualmente, creio que há que dar espaço às novas gerações (há gente muito bem formada e, igualmente, seres humanos muito interessantes relacionados com as relações transfronteiriças), daí que tenho focado a minha atenção na investigação do nosso património cultural ibérico, na sua divulgação e preservação. Continuo ativo e com projetos, porém, com outro tipo de dedicação. Para fazer uma analogia, antes era mais um operacional, um agente ativo no terreno, hoje prefiro analisar essa experiência e, se for capaz, dissertar sobre ela, quem sabe para deixar alguma constância desta realidade tão rica (e, por vezes, difícil de gerir) de quem vive e faz parte de duas culturas.

4. O Luis já trabalhou e participou em atividades de diferentes âmbitos como na rádio, televisão ou na imprensa escrita. Ao longo dos anos, qual é a sua opinião sobre a relação que existe entre Espanha e Portugal? Evoluiu muito essa relação ou continua sem mudanças?
Os tempos que vivemos condicionam a minha resposta. Foi claro e evidente que, desde as últimas duas décadas do século XX e as primeiras do século XXI, as relações entre Espanha e Portugal se pautaram pela cooperação e pela cumplicidade em alguns âmbitos (curiosamente, lembro-me de uma candidatura conjunta dos dois países a um Mundial de Futebol). Foram erguidas tantas pontes, e facilidades de circulação de pessoas e bens entre as duas nações devido à União Europeia, que acabámos por dá-las como algo adquirido e creio que estávamos numa fase que não lhe dávamos o devido valor. A pandemia veio pôr esses dados adquiridos em causa e a emergência de nacionalismos tão-pouco é proclive a cooperações. O facto de termos uma fronteira controlada por motivos sanitários é já um bom exemplo que temos de continuar a promover as relações transfronteiriças, que há que continuar a lutar para que a distância entre Lisboa e Madrid não volte a ser abismal. Enfim, há que continuar a lutar para nos afastarmos desse velho estereótipo “de costas voltadas”.  

5. De todas as atividades que realizou em Espanha em relação à difusão da língua portuguesa, qual podia dizer que marcou a sua vida profissional?
Sem dúvida, os meus primeiros anos na região, a ensinar português numa localidade raiana, de ambiente socioeconómico baixo, iminentemente rural, com alguma escassez de meios e recursos, no entanto bastante mais agradecida do que em outros entornos urbanos que conheço. Gosto de ensinar a língua, tento assumir essa função com o máximo profissionalismo possível, mas o mais importante não é saber se ficaram a falar português sem sotaque ou a conjugar corretamente os verbos. Entre o espanhol e o português não existem problemas comunicativos de base, quem quer comunica. Em resumo, se com a minha profissão posso ajudar alguém a ser mais livre ou a formar-se em várias facetas da vida, sinto-me realizado. Isso, obviamente, a par de sentir-me respeitado como ser humano e profissional. Não se pode pensar que o ensino é só questão de vocação docente, como, às vezes, as administrações e alguns sectores da sociedade querem fazer passar para a opinião pública.

6. Era professor em Portugal? Notou diferenças com os alunos espanhóis em relação à sua maneira de aprender línguas estrangeiras?
Foram poucos os anos que lecionei oficialmente em Portugal (desde os dezoito que dava explicações e aulas ginástica de manutenção – e até Karaté a crianças!), mas iniciei a minha carreira profissional em Elvas, onde fiz o meu estágio profissional, e depois trabalhei em Évora no ensino público, a dar aulas de inglês no primeiro ciclo, e no ensino profissional privado, onde lecionei disciplinas práticas e técnicas de Expressão Dramática e Animação Sociocultural. 
Faltaria à verdade se dissesse que não existem diferenças entre os alunos espanhóis face aos portugueses no âmbito das línguas estrangeiras, e não fossem os lusos privilegiados por um sistema vocálico mais rico e por uma maior exposição linguística a outros idiomas, quando comparados com os seus congéneres espanhóis. Sem dúvida, essa é uma grande vantagem inicial, no entanto o trabalho, a dedicação, a perseverança é o que marca a diferença na proficiência de uma língua e isso não conhece nacionalidades e extrapola a riqueza fonética das línguas maternas. Também há outras externalidades que afetam este tipo de aprendizagens como a formação científica e pedagógica dos docentes, as condições e os recursos disponibilizados pelas administrações, o nível socioeconómico, etc., e ambos sistemas educativos estão sujeitos às suas próprias condicionantes. 
Penso que no espaço de vinte anos, tanto em Espanha como em Portugal, a profissão docente não foi cuidada como deveria. Isto é, estamos perante um reflexo da própria sociedade a tender para os extremos, sem um meio-termo económico e extremamente volátil em valores. Atualmente, a profissão docente oscila entre o vocacional (por vezes a roçar o estoicismo) e a preparação técnica dos seus profissionais e, perdoem-me a franqueza, uma proliferação da mediocridade. Portanto, a minha perspectiva vislumbra essa dicotomia e, sem tender a moralizar, apenas se preocupa com aqueles profissionais que ainda têm muito para se formarem e não reconhecem essa necessidade. Sendo consciente das lacunas que eu próprio tenho, preocupa-me este desprestigio, esta falta de brio vinda de dentro da classe docente (pois temos a tendência a culpar sempre as políticas educativas e não nos autoavaliarmos) e não fosse pai de crianças em idade escolar no ensino público espanhol e com familiares no ensino público e privado português. Que não se confundam as minhas palavras com descrença no futuro da educação, estamos perante um problema estrutural, de sociedade, cuja solução também reside em nós, individualmente, ao permitirmo-nos aceitar desafios para os quais não estamos preparados. Confundir opinião com ciência, com conhecimento, é um perigo. Ter orgulho na ignorância é uma ameaça à civilização. Não me vejo a dar aulas de mecânica, por exemplo, apesar de até dar uns toques no assunto. Reconhecer as nossas limitações, para além de ser um ato de honestidade, é um passo em frente. Também se evolui assim.

7. Como começou a sua atividade literária?
Falar de atividade literária é um exagero desde a minha perspectiva. Não me sinto escritor ou poeta, apesar de já ter sido assim descrito umas quantas vezes. Como me considero um grande leitor, isso sim, parece-me desproporcionado usar esse termo comigo, quando comparado com gente que efetivamente tem obra e merece esse epíteto. Porém, a escrita chegou tão naturalmente, ainda nos primórdios da adolescência, como a necessidade de comunicar. Primeiro cheio de vergonha (da qual persistem resíduos que considero benéficos e prudentes) e, pouco a pouco, mais a sério, sem esconder que, se escrevo, gosto que me leiam. A época da imaginação ficou atrás, nos meus contos pueris estimulados pela minha querida professora Manuela Leite. Hoje, o que vou escrevendo oscila entre a divagação e a indagação. No entanto, quanto mais seriedade vou dedicando à escrita, menos me levo eu a sério. Gosto deste paradoxo e sinto-me bem com ele. 

8. Acha que há muitas diferenças entre o Alentejo e a comunidade extremeña? E semelhanças?
Geograficamente, o Alentejo e a Extremadura são um contínuo paisagístico. São duas regiões herdeiras de três culturas: a romana, árabe e a cristã, e isso é notório numa matriz comum bem mais ampla do que esse belo argumento da Lusitânia a que sempre recorremos. Para mim, que cada vez gosto menos de me debruçar em diferenças e semelhanças, são duas regiões que me têm ajudado a definir-me como ser humano, duas regiões de gente boa, autêntica, com um passado de dignidade e, por vezes, de sofrimento que merecem todo o meu respeito e afeto.

9. Como escritor e professor, diria que a sua vida profissional se podia dividir em fases? Houve alguma evolução pessoal?
Como já tive oportunidade de mencionar, não me considero escritor, quanto muito um humilde cronista, porém, tão-pouco me considero apenas professor. Essa é a minha atividade profissional principal, mas não me define como pessoa, quer dizer, define uma parte de como vivo o meu dia-a-dia para pôr pão na mesa. Quanto às fases, para tentar responder à pergunta, se é que são assim tão notórias, creio que estou numa fase mais recatada, de menos entusiasmo, talvez numa fase de menos dinamismo e mais reflexiva. Quero acreditar que a era em que vivemos fez-nos parar e priorizar, que aprendemos qualquer coisa com esta situação.
pedal(e)ar (2018)

10. Sabemos que gosta muito de passear de bicicleta e que até já transpôs esse gosto para a literatura quando escreveu o livro Pedal(e)ar. Como foi a experiência de criar um livro entre duas línguas e a experiência de trabalhar com diferentes profissionais que colaboraram neste projeto?
Pedal(e)ar (2018) foi um livro de afetos, do qual me orgulho muito, feito ao ar livre, por vezes nas alforjas duma bicicleta, que reuniu traduções de pessoas pelas quais estou unido em amizade ou através de uma grande estima pessoal. O mérito das traduções para espanhol é todo deles e a sua presença, sem dúvida, enriqueceu esse pequeno volume. Na realidade não foi trabalho, foi uma manifestação de apreço mútuo. Sempre houve a tendência de menosprezar, principalmente no âmbito literário, projetos deste tipo, pois há sempre o véu da suspeita, do “amiguismo” na crítica, do favor, etc. Pessoalmente, poder juntar várias pessoas, com caracteres e perfis intelectuais tão diferentes, ao redor de uma publicação da minha autoria é uma prova que não tenho uma visão da literatura (e do mundo) quezilenta. Não abdico do meu espírito crítico, mas não sou polemista, não me vejo já em “Manifestos Anti-Dantas”, ou em quezílias de barricadas neorrealistas versus existencialistas. Gosto até de ouvir quem está nas antípodas do que eu penso, por vezes, até me convence e me faz adquirir novos pontos de vista. Há muita gente inteligente que não pensa como nós, o pensamento único tende à esterilidade. Porém, também tenho as minhas antipatias, e o que não suporto, nem admito, é o discurso do ódio, a maledicência e essa acefalia de hatters que por aí proliferam, pervertendo a liberdade de expressão. 

11. Ainda no seguimento da pergunta anterior, tem algum desafio desportivo em mente, como pedalar pela fronteira descobrindo novas paisagens transfronteiriças?
Já lá vai a minha época de grandes desafios desportivos! Os meus únicos objetivos, nesse âmbito, é continuar a ser uma pessoa ativa, com uma vida saudável, e, se possível durante esses passeios, continuar a conhecer o que tenho ao pé de mim. Ainda tenho tanto para descobrir, por exemplo, sobre a minha cidade de Badajoz...

12. Se tivesse de escolher um escritor português que tivesse influenciado a sua obra ou do qual goste muito, qual seria? E espanhol? 
Cada vez é mais difícil responder a essa pergunta porque quem costuma escrever verte nas suas páginas o que leu (e o que não leu!). Considero-me um leitor generoso. Por outras palavras, leio pelo prazer de descobrir e tento não cair em ideias preconcebidas sobre algumas obras ou autores, no entanto, confio no critério de muita gente e tenho chegado a nomes interessantíssimos que, quiçá, tenham deixado alguns resíduos no que vou escrevendo. Ciente de me esquecer de muitos nomes, neste preciso momento, lembro-me de Fernando Assis Pacheco, Manuel António Pina, Clara Ferreira Alves, Miguel Torga, Sophia de Mello Breyner e Miguel Esteves Cardoso, este último, para mim o melhor cronista vivo em Portugal. Ou, do lado espanhol, Irene Vallejo, Fernando Aramburu, Antonio Machado, Ramón Gómez de la Serna, Miguel Delibes ou Francisco Umbral. No âmbito da literatura nascida em solo extremeño, há obras que me tocam particularmente, como a de Ángel Campos Pámpano, a lírica virtuosa de Álvaro Valverde e o verdadeiro cronista transfronteiriço, Alonso de la Torre. Como se nota, sou muito anárquico nas leituras, mas assumo que denoto o predomínio do século passado nos nomes que me vieram à cabeça.

13. Gosta de introduzir textos literários nas suas aulas de português para que os alunos de língua estrangeira se interessem mais por Portugal e pela sua cultura? De que autores?
Gosto e faço-o sempre que possível. O texto literário é, nas suas amplas vertentes, uma oportunidade pedagógica para a didática de qualquer língua estrangeira e o português não é exceção. A letra de uma boa canção, por exemplo, pode ser um excelente veículo para ensinar a língua portuguesa, algumas são autênticos textos líricos, repletos de vocabulário e imaginários. Tudo isso com música para ajudar a ficar no ouvido! 
No entanto, no que concerne à prosa, mais reconhecida neste âmbito, nem sempre uso os recursos que gostaria, quer pelo nível académico dos alunos, quer pela sua faixa etária. Mas posso avançar três nomes que, sem dúvida, marcaram a minha prática docente: David Machado (O Tubarão na Banheira e O Índice Médio de Felicidade), José Luís Peixoto (Abraço) e Sara Rodi (A Garrafa Mágica). Outros poderia citar, como Gonçalo Cadilhe ou o canta-autor Sérgio Godinho, mas estes estão bem frescos na memória, devido a projetos recentes. 

14. Acha que o mundo da tecnologia pode ajudar a estabelecer fortes relações entre Portugal e Espanha, como os posts nas redes sociais (Facebook, Instagram, Blogs, etc). Já fez algum blog sobre a língua portuguesa? Com que objetivo?
Sem dúvida e isso não é nada novo. A tecnologia é fundamental para todos os âmbitos do nosso dia-a-dia. O âmbito educativo e das relações transfronteiriças pode, e é, desenvolvido através desses meios. Atualmente, o desafio não é estabelecer relações entre os dois países através desses meios, mas sim o desafio que a qualidade dessa relação não seja afetada pelo “facilitismo” que as redes nos permitem. Tem de haver um crivo de qualidade. A informação hoje é baratíssima e prolifera descontrolada, há que promover um saber para discernir entre esse descontrolo. Não é o mesmo informarmo-nos sobre a realidade dos dois países em agências oficiais de informação do que a através do mural do Facebook de um participante do Big Brother, com muitos seguidores, mas com uma preparação intelectual ou cívica pouco adequada para o tema.  
Quanto ao blog, tenho um dedicado à língua portuguesa que é património da minha escola secundária, em Badajoz, o IES Rodríguez Moñino. Há anos que está ativo e já foi motivo de um pequeno artigo na plataforma da Consejería de Educación, "En marcha con las TICs". Creio que a nossa relação, no contexto educativo, com as TIC tem de ser natural, porém, não pode ser excessiva. Cada vez encontro mais oportunidades pedagógicas em atividades manipulativas, de cariz físico, do que no mundo informático. Sei que, por vezes, sou muito mais eficaz a transmitir conhecimento através do velhinho quadro e do fiel giz, do que através da tablet. Termino com a certeza de que não podemos enverar exclusivamente pela informática, seria algo redundante e empobrecedor. Já imaginaste o que é, por exemplo, um futuro sem caligrafia? Não sou eu quem o diz, mas sim vários especialistas e pedagogos. 

15. Pensa que existe atualmente uma nova geração de jovens estudantes de português na Extremadura? Tem havido uma forte evolução da influência da língua portuguesa na nossa comunidade nos últimos 10 anos?
A última década foi decisiva para o crescimento da oferta formativa em língua portuguesa na Extremadura. O somatório de fatores é amplo e posso falhar ao omitir algum, mas a aposta da Consejería de Educación na promoção do português no ensino secundário e nas EOI é notória, tal como o apoio institucional do Gabinete de Iniciativas Transfronterizas, da Universidad de Extremadura, das Diputaciones, e até mesmo do governo português, com o Programa de Língua Portuguesa dinamizado, como bem sabes, pelo Instituto Camões. Também há que recordar a sociedade civil, as centenas de lusófilos que habitam esta região e sentem Portugal e a língua portuguesa também como parte do seu património raiano. 

16. Em termos pessoais, no seu seio familiar, fala português e espanhol com os seus filhos? Acha que é uma boa ideia ensinar desde bem cedo outras línguas estrangeiras?
Sim, falamos as duas línguas e tentamos incluir outras duas, o inglês e o francês, esta última muito vinculada à família da minha esposa. No caso do português e do espanhol, na primeira infância, há muita interferência entre ambas. Ando a frequentar um curso de língua mirandesa (essa bela herança peninsular com ecos leoneses!) e às vezes parece que o meu filho mais novo a domina perfeitamente quando mistura as duas línguas. Importante é terem sempre bons referentes nas línguas maternas e que, nós próprios, que somos os seus modelos não tenhamos um uso incorreto da língua. Tentamos e damos o nosso melhor. Já vejo frutos no meu filho mais velho, possivelmente um exemplo de bilinguismo entre português e espanhol na primeira infância. Portanto, para mim, é uma excelente ideia ensinar outras línguas estrangeiras desde tenra idade, sempre a par de uma boa aquisição da própria língua materna ou de maior implementação no dia-a-dia das crianças. Mas este é um tema que dá pano para mangas e esta é uma abordagem empírica da minha parte, tínhamos que dedicar-lhe mais tempo e esmiuçar uns quantos conceitos, começando pelo de língua materna...

17. Não podemos fugir da nova situação que estamos a viver, por isso gostávamos que nos contasse um pouco sobre a sua experiência com as aulas virtuais e se é uma boa forma para aprender línguas ou se é muito importante a presença nas aulas para interagir com o professor e com o resto de alunos?
Penso que esta pergunta já se encontra respondida de maneira implícita nas anteriores respostas, mas posso resumi-la da seguinte forma: tudo pode ser benéfico para uma situação de ensino-aprendizagem, tudo pode ser, num determinado momento um sucesso ou um fracasso como estratégia ou recurso educativo, mas a história da humanidade é clara, por mais inteligências artificiais o ensino é uma atividade humana, com presença física, com interação entre seres humanos. Um ecrã jamais será uma pessoa.


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