quarta-feira, janeiro 27, 2010

Dois poemas de Assis Pacheco

 Assis Pacheco a fazer um manguito "ao luxo e à soberba"


Fernando Assis Pacheco já cá esteve com o começo de um romance, Trabalhos e Paixões de Benito Prada, (ai, esse "Assar-lhe até a memória."!) e eu ia pôr um poema dele, "Sem que soubesses", que me pediu o amigo Luís (sem me esquecer da fotografia, é claro!), mas não posso evitar acrescentar mais um de que gosto especialmente, o "Soneto aos filhos", publicado há pouco no blogue Cómo cantaba mayo... Se alguém quiser ler mais versos de Assis Pacheco, é só comprar ou tirar da biblioteca A Musa Irregular, da Assírio & Alvim, 2006.


SONETO AOS FILHOS

Toda a epopeia da família cabe aqui
um avô galego chegado a Portugal rapazinho
outro de ao pé de Aveiro que se meteu
num barco para S. Tomé a fazer cacau

de filhos seus nasci
com este pouco de inútil fantasia
nutrida em solidões nas que me vejo
nu como um bacorinho na pocilga

e como ele indefeso e porém quis
mesmo assim ser mais que o animal
no tutano dos ossos pressentido

não peço nada usai o meu nome
se vos praz lembrai-me
o que for costume

mas livrai-vos do luxo e da soberba


SEM QUE SOUBESSES

Falei de ti com as palavras mais limpas,
viajei, sem que soubesses, no teu interior
fiz-me degrau para pisares, mesa para comeres,
tropeçavas em mim e eu era uma sombra
ali posta para não reparares em mim.

Andei pelas praças anunciando o teu nome,
chamei-te barco, flor, incêndio, madrugada.
Em tudo o mais usei da parcimónia
a que me forçava aquele ardor exclusivo.

Hoje os versos são para entenderes.
Reparto contigo um óleo inesgotável
que trouxe escondido aceso na minha lâmpada
brilhando, sem que soubesses, por tudo o que fazias.


1 comentário:

Luis Leal disse...

Quero mesmo conhecer algo mais deste autor. Obrigado pelo post e por nos prendares com boa poesia, daquela que gostamos, de autores proscritos e pouco conhecidos do público em geral!
Grande abraço,