segunda-feira, maio 17, 2010

“A fronteira que nunca existiu”


O escritor e cronista extremenho, Alonso de la Torre, desde há muito que se refere a uma fronteira que nunca existiu. Parece uma afirmação estranha, quando não se tem em conta a difícil tarefa definir algo tão relativo e difuso como o conceito de Raia.

Do seu ponto de vista, “uma coisa é a raia, e outra, completamente distinta é a Raia”. Note-se que este termo, com maiúscula, não se resume a uma linha divisória e administrativa, algo que efectivamente nunca condicionou os habitantes de localidades fronteiriças, para quem esse conceito, hoje em dia tão debatido e intelectualizado, se resumia ao seu quotidiano.

É nesta Raia, com maiúscula, humana, que o Alentejo e a Extremadura criaram laços e uma história comum, desde muito antes do Tratado de Alcanizes, nascendo uma identidade autêntica, original, da qual nasceram povoações quase legendárias como Cedillo, Marvão, Valencia de Alcántara, Campo Maior, Olivença, Elvas ou Barrancos, sem demérito para outras localidades aqui omissas. Estes são apenas uns dos vários topónimos que povoam esta Raia viva e que poderia, perfeitamente, ser património intangível da UNESCO (há já que esteja a trabalhar nesse sentido!).

Para além da desconfiança institucional e política que criou fortalezas entre os dois países, o dia-a-dia não se revelava tão afastado e desconfiado como nos faz crer o provérbio “de Espanha nem bom vento, nem bom casamento”.

O contínuo da planície, o leito do Guadiana ou as abruptas serras eram comuns a personagens inefáveis, para quem o estilo de vida, os negócios e a língua eram bastante estranhos ao resto dos seus compatriotas lusos ou espanhóis. Para esta gente a fronteira apesar nunca ter existido, marcou-os profundamente, tornando-os protagonistas de uma história em que realmente não se sabe muito bem quem é quem e o quê.

Longe do conceito de estrangeirado que a história de Portugal conhece tão bem, quem vive na fronteira, ou melhor, “vive a fronteira”, entende perfeitamente esta ausência de identidade colectiva e sentido patriótico ou nacionalista que muitos sentem e vivem intensamente.

A zona fronteiriça de Galegos e de La Fontañera, em plena Serra de S. Mamede, sempre viu que as fronteiras “valem o que valem”, à boa maneira das sondagens. Veja-se o caso de uns habitantes de La Fontañera que, ao ampliar a sua casa junto à linha administrativa, não se deram conta que os quartos já estavam em território português!

Curioso é o facto de, ao reunir-se a comissão de delimitação fronteiriça, a solução ser simples. Era mais fácil modificar uns metros a fronteira e ganhar um pouco de terreno com um novo marco para que a casa se mantivesse na vizinha Espanha.

Na Raia abundam destes casos, das apelidadas “casas das dúvidas”, mas os seus habitantes (longe das hipotéticas, e ridículas, fontes de conflito do caso de Olivença, assinaladas no relatório anual da CIA) limitam-se a pensar jocosamente nos seus galinheiros e hortas… De onde serão aquelas galinhas e hortaliças? É uma pergunta pertinente no caso de se ter que aplicar IVAs e outros impostos!

Afinal o que é isto de “ser raiano”? Poder-se-ia tentar responder recorrendo aos mais cabais argumentos sociológicos e antropológicos, mas não creio que seja tão explícito como a poesia e os acordes do uruguaio Jorge Drexler, arrematando o tema na sua canção “Frontera”, que vos recomendo vivamente:


“Eu não sei de onde sou,

A minha casa está na fronteira

E as fronteiras movem-se

Como as bandeiras.


A minha pátria é um cantinho,

O canto de uma cigarra.

Os dois primeiros acordes,

Que eu soube na guitarra.


Sou filho de um forasteiro

E de uma estrela da alvorada.

E se há amor, me disseram,

Toda a distância se salva.


Não tenho muitas verdades,

Prefiro não dar conselhos.

Cada qual pelo seu caminho,

Talvez vá prender em velho.


O mundo está como está,

Por causa das certezas.

A guerra e a vaidade,

Comem à mesma mesa.


Sou filho de um desterrado

E de uma flor da terra,

E em criança me ensinaram

As poucas coisas que sei

Do amor e da guerra”.

2 comentários:

Anónimo disse...

Peço a Luís Leal Pinto que se dê ao trabalho de consultar os relatórios da C.I.A., pois aí nunca é afirmado que Olivença é zona conflitiva. Isso ytem sido propalado pela Imprensa Espanhola, mas está ERRADO!!
Bem... aqui vai o que a C.I.A. diz e disse:
desde Maio de 2006, pode-se ler na "CIA Homepage", sobre Portugal, no que toca a disputas internacionais, o seguinte: "Portugal não reconhece a soberania espanhola sobre o território de Olivença com base numa diferença de interpretação do Congresso de Viena de 1815 e do Tratado de Badajoz de 1801." No que a Espanha diz respeito, pode ler-se : "em 2003, os habitantes de Gibraltar votaram esmagadoramente, por referendo, a favor de permanecerem como colónia britânica, e contra uma solução de "partilha total de soberania", exigindo também participação em conversações entre o Reino Unido e a Espanha. A Espanha desaprova os planos do Reino Unido no sentido de dar maior autonomia a Gibraltar; Marrocos contesta o domínio da Espanha sobre os enclaves costeiros de Ceuta, Melilla, e sobre as ilhas Peñon de Velez de la Gomera, Peñon de Alhucemas e Ilhas Chafarinas, e as águas adjacentes; Marrocos funciona como a mais importante base de migração ilegal do Norte de África com destino a Espanha;Portugal não reconhece a soberania espanhola sobre o território de Olivença com base numa diferença de interpretação do Congresso de Viena de 1815 e do Tratado de Badajoz de 1801."
A ver vamos se esta "versão", que é razoavelmente correcta, se mantem, e se o Estado Português estará atento a novas "alterações".
Na verdade, o conflito (pacífico) fica circunscrito às suas verdadeiras dimensões: um entre outros da Península Ibérica, e entre mais de centena e meia de outros por esse mundo fora, que os interessados deverão resolver quando surjir ocasião. Como deve ser sempre.
O que, afinal, já tinha sido escrito em 2003.
Carlos Eduardo da Cruz Luna carlosluna@iol.pt caedlu@gmail.com

Anónimo disse...

OLIVENÇA NÃO É, em termos de Direito, uma zona raiana qualquer!! Veja-se a legislação... EM VOGOR!!!!
ASPECTOS
JURÍDICOS/LEGAIS/CONSTITUCIONAIS, EM TORNO DA QUESTÃO DE OLIVENÇA
1) POR CAUSA DE OLIVENÇA, PORTUGAL TEM DIREITO ÀS DUAS MARGENS DO GUADIANA NAS REGIÕES DE
OLIVENÇA, CHELES, ALCONCHEL; QUANTAS PESSOAS O SABEM ???
^ Instrumento de ratificación del Convenio y Protocolo adicional entre España y Portugal
para regular el uso y aprovechamiento hidráulico de los tramos internacionales de los
ríos Limia, Miño, Tajo, Guadiana y Chanza y sus afluentes, firmado en Madrid el 29 de
mayo de 1968.. Article III states:
El aprovechamiento hidráulico de las siguientes zonas de los tramos internacionales de
los restantes ríos mencionados en el artículo primero será distribuido entre España y
Portugal de la forma siguiente:
[...]
E) Se reserva a Portugal la utilización de todo el tramo del río Guadiana entre los
puntos de confluencia de éste con los ríos Caya y Cuncos, incluyendo los correspondientes
desniveles de los afluentes en el tramo.
2)TEXTOS JURÍDICOS
Livro de 2007: CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA - ANOTADA
J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira
Volume I
4.ª Edição revista
Coimbra Editores
Pág. 255
Artigo 5.º
(Território)
1. Portugal abrange o território historicamente definido no continente europeu e os
arquipélagos dos Açores e da Madeira.
2. A lei define a extensão e o limite das águas territoriais, a zona económica
exclusiva e os direitos de Portugal aos fundos marinhos contíguos.
3. O Estado não aliena qualquer parte do território português ou dos direitos de
soberania que sobre ele exerce, sem prejuízo da rectificação de fronteiras.
pág. 227
B. ANOTAÇÕES
(...)
O carácter descontínuo e misto do território (parte continental e parte insular)
obrigou a uuma enunciação descritiva assaz original. O "território historicamente
definido no continente europeu" é obviamente o território ibérico confinante com a
Espanha (note-se que a fórmula "historicamente definido" permite deixar em aberto a
questão de Olivença). Do território insular faz parte também o pequeno arquipélago
desabitado das Selvagens, o qual, embora podendo ser considerado uma entidade insular
própria, distinta do arquipélago da Madeira, sempre esteve ligado histórica e
politicamente a esta, pelo que nele é correntemente inserido.
DICIONÁRIO JURÍDICO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (PUBLICAÇÃO OFICIAL)(EDIÇÃO EM VIGOR)(É
EDITADO DE DEZ EM DEZ ANOS; o Texto é da edição de 1999)
(...) Existem, por conseguinte, três troços da fronteira terrestre luso-espanhola a
considerar: o primeiro, que vai do Rio Minho à confluência do Caia com o Guadiana,
definido pelo Tratado de 1864; o segundo, que vai do Rio Cuncos até à Foz do Guadiana,
definido pelo convénio de 1926; e o TERCEIRO, CONSTITUÍDO PELA PARTE DA FRONTEIRA QUE VAI
DA CONFLUÊNCIA DO CAIA COM O GUADIANA ATÉ AO RIO CUNCOS, que se ACHA POR DEFINIR POR
ACORDO COM ESPANHA em virtude DA QUESTÃO DE OLIVENÇA.
(...) A razão desta delimitação proveio do facto do troço de fronteira ao sul do Caia até
ao Rio Cuncos, correspondendo à região de Olivença, nunca ter sido reconhecida por
Portugal que, desde 1815, contestou a posse de Olivença pela Espanha. (...)
Carlos Eduardo da Cruz Luna carlosluna@iol.pt//caedlu@gmail.com